sexta-feira, 23 de junho de 2023

O ancião da I Distrital quer seguir na baliza do Banheirense: “A idade é apenas um número”

Pedro Andrade defendeu o Banheirense nas duas últimas épocas
Foi o jogador mais velho a atuar na I Distrital da AF Setúbal na última época, aos 44 anos, há quem o trate no balneário por “velhote” e sente-se pressionado pela família para pendurar as luvas, mas Pedro Andrade pretende continuar na baliza da União Banheirense na próxima temporada.
 
Em entrevista, o veterano guardião passa em revista uma carreira iniciada ainda na década de 1990, conta como é a relação de longa data com um treinador que é mais novo do que ele, explica como se vai adaptando entre os postes ao avançar da idade e confessa o que lhe vai na alma quando passa pelo local onde representava o Luso.
 
DAVID PEREIRA - O Pedro Andrade foi na época que agora terminou o jogador mais velho a atuar na I Distrital da AF Setúbal, tendo entrado em campo na última jornada com 44 anos, dois meses e onze dias. A primeira pergunta é obrigatoriamente se vai continuar a jogar e, se sim, se o vai fazer na União Banheirense?
PEDRO ANDRADE – A ideia é essa, continuar a jogar mais um ano, mas já aplico essa frase desde 2009-10, época em que regressei ao Desportivo de Portugal, no cumprimento de uma promessa feita ainda em menino, e fomos campeões. E sim, passa sempre por continuar na União Banheirense, clube que me diz muito, é bem orientado e de boas pessoas, que nos tentam dar tudo o que podem.
 
Os guarda-redes estão muito sujeitos a quedas algo dolorosas e também a choques. O que o motiva a continuar a jogar com essa idade e de que forma se vai adaptando a eventuais menores níveis de velocidade, explosão e reflexos?
Primeiramente, direi que a idade é apenas um número, o estado de espírito é que faz a idade. É um facto, as dores estão cá, mas são esses obstáculos que temos de superar, treinar com dor para merecer jogar ao domingo. Hoje em dia qualquer toque é logo para ficar uns dias a soro, mas não concordo e muitas das dores são suportáveis e na paragem de verão essas mazelas são debeladas. Mas voltando ao que realmente me motiva, é tentar superar-me todos os anos, tendo a clara noção que já não são o mesmo de há dez anos e muito menos de há 20. Uma das minhas principais características era a velocidade de reação e hoje em disso tento debelar isso com a leitura de jogo que a experiência me dá.
 
O Gianluigi Buffon é um ano mais velho do que o Pedro e continua a competir na Série B de Itália. Costuma ver alguma coisa dele para tentar perceber como é que ele se vai adaptando a uma idade mais avançada? Qual dos dois vai pendurar as luvas primeiro?
Para ser sincero não, são realidades completamente diferentes, são os extremos do futebol. Mesmo que visse alguma coisa dificilmente poderia aplicar, a minha profissão é outra e mesmo tentando ser profissional dentro do amadorismo, ele tem coisas que ajudam a ajustar como relva, fisioterapia, médicos, nutricionista, tempo de descanso, etc. A este nível não existe um décimo do que ele possui para que eu me pudesse tentar ajudar à idade mais avançada. Penso que irei pendurar as luvas primeiro que o Gigi.

 
Como é que é que os seus companheiros de equipa o tratam? Há quem o chame por “você”? Tem alguma alcunha por ser o mais velho?
Não tenho alcunhas. Tratam-me principalmente por Andrade, mas é óbvio que existe sempre o “velhote” e um ou outro termo sem qualquer nexo. Quanto ao “você”, de vez em quando aparece um miúdo mais educado – nos dias de hoje é coisa rara – que me trata assim, mas faço questão de o pôr à vontade porque somos colegas de equipa.
 
Por outro lado, o Pedro é mais velho que o treinador, Ricardo Jesus, que tem 42 anos. Curiosamente, ambos já tinham coincidido no Banheirense em 2013-14 e 2014-15, no Sesimbra em 2015-16 e no Alfarim em 2018-19. Como é a vossa relação?
Sou uma pessoa que analisa os jogos e aponta. Na primeira época e meia na União Banheirense, em 51 jogos fui titular em 49 e chegámos à final da Taça AFS, fizemos um 7.º lugar e tivemos a quarta defesa menos batida. Depois, em Sesimbra, onde no meu ponto e vista cometeram um erro e dispensaram o treinador ao fim de oito jogos, joguei seis jogos em oito. Seguiu-se o Alfarim, em que em 39 jogos joguei 30 (tive três jogos de fora devido a castigo) e, por fim, de volta à União Banheirense, em 73 jogos possíveis nestas duas épocas fiz 57 a titular, conseguimos uma subida e uma permanência numa época em que todos davam a União Banheirense como despromovida.
Todos estes dados levam-me a dizer que, juntamente com o mister Álvaro Albino (atual coordenador no Alcochetense), foram os treinadores que mais confiaram em mim e desde já o meu agradecimento público. A nossa relação é simples: quando estamos num clima bom trato-o por “pai”, mas quando é mau é melhor nem falarmos, principalmente se eu falhar, mas acima de tudo penso que existe um enorme respeito e confiança um no outro. O mister conhece-me como ninguém e sabe o que posso oferecer à equipa e eu sei o que ele dá pela equipa.
 

“Família? A pressão para abandonar é gigante”

Pedro Andrade já tinha estado no Banheirense entre 2013 e 2015
E das bancadas, surgem comentários relacionados com a idade ou Pedro nota que os 44 anos passam despercebidos para quem está de fora?
Comentários bons e maus fazem parte do futebol. Não sou hipócrita ao ponto de dizer que me é igual. Claro que é melhor ouvir “estás como o Vinho do Porto”, “grande defesa” ou “velhos são os trapos”, mas claro que existem comentários negativos. Quando falho ou porque pensam que podiam fazer melhor, aqueles que estiveram caladinhos saem da toca, principalmente os aziados porque A e B não jogam, e depois vem a velha máxima do “é mais um que é filho do treinador”, mas isso para mim são outros quinhentos, porque eu sei o que treino e sei o que trabalho antes de ir treinar.
 
O que é que a família diz de ainda estar no ativo aos 44 anos?
A família é um “problema”, todos os anos. Aliás, pela minha mãe eu nem tinha jogado futebol quando era mais a novo. A pressão para abandonar é gigante, porque não tenho tempo em família: é chegar a casa receber a filha, esperar pela mulher chegar para arrancar para o treino e depois chegar a casa com todos a dormir, ir jantar e deitar. Eu sei que existem mais jogadores nesta situação e é muito, mas muito difícil, mas o que muitas mulheres ou namoradas, filhos ou filhas e pais e mães não percebem é que vivemos isto de tal maneira – ou pelo menos eu vivo – que só a ideia de deixar de jogar me deixa abatido e triste. Contudo, tenho a convicção que está cada vez mais perto, faz parte. Agora é tentar lidar e gerir tudo em casa para que nada falhe na logística.
 
O que faz profissionalmente e como concilia essa atividade com o futebol?
Sou técnico de gás natural e é desgastante fisicamente, porque é principalmente no meio da zona mais velha de Lisboa. Mas, com calma, consigo agilizar para estar presente nos treinos.
 

Terceira melhor equipa da segunda volta após revolta em Sines

Festa no balneário após uma vitória sobre o Palmelense
Falando um pouco mais da última época, a ideia que dá para quem está de fora é que houve um antes e um depois do jogo da 21.ª jornada, em Sines, no qual o Banheirense, em protesto contra a arbitragem, fez cinco substituições ao intervalo e logo a seguir os seus jogadores foram saindo alegadamente lesionados até a equipa ficar reduzida a seis atletas e o árbitro dar por terminada a partida. Depois de 22 pontos em 63 possíveis, vocês ganharam 30 em 39 possíveis. O que vos levou a tomar essa decisão e de que forma é que essa atitude contribuiu para a melhoria dos resultados da equipa?
O que se passou em Sines estava à vista de todos ao longo das jornadas anteriores. Nada contra o Vasco da Gama de Sines. Eu detesto perder e mesmo com 44 anos passo noites em claro após uma derrota, mas sei aceitar uma derrota justa. Sei que errar é humano e todos erram, mas às vezes parecia um pouco tendencioso. Os árbitros têm o pior papel no jogo, há 22 jogadores mais suplentes, treinadores e adeptos a tentá-los enganar, isso faz parte, mas que sejam justos nas avaliações, apenas isso. Na época passada tivemos um árbitro que na época passada nos prejudicou num jogo muito importante e nesta época voltou a fazê-lo. Esse mesmo árbitro no final deu-me razão e pediu desculpa porque não seguiu o conselho do árbitro assistente, quando nem isso deveria ter sido necessário. Mais tarde voltou a apitar-nos e teve 99% de acerto e fui dar-lhe os parabéns no final de jogo e desejar-lhe que seja sempre assim nos futuros jogos. Acredito que eles queiram fazer o melhor, mas como em todo o lado há jogadores maus e bons e o mesmo se passa com árbitros, dirigentes e demais entidades no desporto. Todos erramos.
Tivemos uma segunda volta muito boa, fomos a terceira melhor equipa na segunda volta. O jogo em Sines serviu para nos unir ainda mais e fazer ver que, se não for na união e na garra, iriamos ter dificuldades até ao fim. O trabalho estava a ser bem feito e faltavam apenas resultados nos jogos.
 
Que balanço faz da temporada tanto a nível individual quanto coletivo? Será possível replicar o que foi feito naqueles últimos 13 jogos no campeonato da próxima época?
Foi uma boa época para o clube, penso que fez o maior número de pontos da sua história num campeonato, um 7.º lugar com a recuperação já mencionada. Provámos que isto não é como começa, mas sim como acaba. Dizia no balneário que íamos ficar à frente de algumas equipas e ficámos, e dizia isso ainda no fim da primeira volta. Quanto a repetir o feito, é esperar para ver, há muito trabalho pela frente.
 
Voltemos tudo atrás na carreira do Pedro. Como é que se tornou guarda-redes?
Vou dizer algo que parece mentira, mas nunca gostei de ser guarda-redes. Preferia jogar à frente, dar cuecas e gozar, mas a verdade é que nos torneios da escola estava sempre à baliza e mesmo assim fazia golos a sair a jogar, era feliz das duas maneiras. Depois apareceu o Desportivo de Portugal, que me deu a oportunidade de treinar à baliza e gostei das sensações. Mais tarde, já no Luso, comecei a ter treino de guarda-redes e era isso que me fascinava, o treino em si. E fiquei na baliza até hoje.
 

“Luso? Ver um estabelecimento comercial no lugar da ‘quintinha’ é triste”

Pedro Andrade nos seniores do Luso em 2002-03
O Pedro competiu pela primeira vez nos campeonatos distritais de futebol sénior em 1998-99, ao serviço do Luso, o clube onde concluiu a formação. Que memórias guarda dos tempos que passou no pelado do Campo da Quinta Pequena? O que sente quando passa por aquela zona do Barreiro e já não vê campo de futebol?
Na quintinha tínhamos uma máxima: “na nossa quintinha para nos ganharem têm que cagar sangue”. E era assim. Não era qualquer equipa que lá passava. Naquele campo tenho algumas das melhores memórias da minha vida, foi lá que arranjei amigos para a vida, amigos que ainda hoje o são. Quando o mister Álvaro Albino se reuniu com o meu pai e diretores do Desportivo de Portugal, foi das melhores sensações que tive no futebol, foi lá que me tornei homem. A tristeza é enorme sempre que me lembro que acabaram com um clube histórico. Ver um estabelecimento comercial no lugar da “quintinha” é triste e a nostalgia vem ao de cima.
 
Começou a jogar futebol nas camadas jovens do Desportivo de Portugal, clube que também veio a representar enquanto sénior (entre 2009 e 2013) e, além de Luso e União Banheirense, também passou por Fabril, Marítimo Rosarense, Moitense, Palmelense, Sesimbra, Quinta do Conde, Benavente, FC Setúbal, Alfarim e Charneca de Caparica. Quais são as principais recordações que tem destes mais de 30 anos de futebol e as maiores alegrias e dissabores que viveu?
São alguns aninhos e alguns clubes. Como bons momentos não posso deixar de referir o ser campeão [da II Distrital] no meu clube de formação e da minha terra [Desportivo de Portugal], feito conseguido logo na primeira época em que o clube regressou às competições [2009-10], e a subida na época passada na União Banheirense. Tenho um momento agridoce: chegar à final da Taça AFS foi um momento mágico no meu primeiro ano na União Banheirense [2013-14], mas ter perdido a final foi a minha maior mágoa no futebol. Regra geral, fui bem tratado em todos os clubes, mais nuns do que noutros, mas nunca vou esquecer os clubes da minha formação, Desportivo de Portugal e Luso, e, claro, a União Banheirense.
 
Guardião estreou-se como sénior em 1998-99
Ao longo destes cerca de 25 anos de I Distrital, quais foram os avançados mais temíveis e as equipas mais demolidoras que defrontou?
Equipas demolidoras apanhei uma da União de Santiago do Cacém [em 2001-02] em que a claque antes do jogo começava a cantar “mais uma vitória la la la”, eram fortíssimos. Hoje em dia existe sempre uma ou outra equipa que se destaca, mas o trabalho das diferentes equipas técnicas é muito equiparado, o que leva a nivelar um pouco e não existirem equipas que se destaque. Nesta época, por exemplo, o Barreirense esteve fortíssimo e foi um justo campeão, mas as equipas que praticavam um futebol que me enchiam o olho foram o Alcochetense, o Comércio e Indústria e o Amora B.
Joguei contra alguns pontas de lança muito bons como Figueiras do Moitense, Karadas do Grandolense, Pedro Amora do Sesimbra e ainda joguei com alguns como o Juvenal no Fabril, Rui Edgar no Luso, Djá no Moitense e no FC Setúbal, Cajó e Ramião no Desportivo de Portugal, Tiago e Rui Carvalho no Palmelense, Aldemar no FC Setúbal ou mesmo o Jardel na Quinta do Conde. Esta época os melhores que defrontei foram Moussa do Comércio e Indústria, Bruninho do Barreirense, Marco Véstia do Olímpico Montijo e Ari do Moitense, são jogadores de outro patamar, e quase que posso meter aqui o Nita do Vasco da Gama de Sines porque marca como avançado, mas é central.
 
A posição de guarda-redes tem sido a que mais tem evoluído nos últimos anos, tanto ao nível do treino específico que antes não existia ou não era tão metódico, quanto à importância dos guardiões nos momentos ofensivos. Para alguém como o Pedro que joga futebol federado desde a década de 1990, que mudanças mais tem sentido ao longo dos tempos?
Quando comecei não existia treinador de guarda-redes. Era um treinador, um adjunto ou com sorte um preparador físico que metia uns cones e era correr até morrer, mas como deve calcular apanhei transformações incríveis, como mexidas nas balizas, atrasos para o guarda-redes possíveis de qualquer maneira, não poder dar mais do que três passos com a bola na mão e atrasos só em lançamentos laterais. Eu, em relação aos mais novos, tive realmente que me adaptar a muitas coisas e continuou a dizer que todos os anos me adapto e aprendo algo novo. A verdade é que o guarda-redes começou a ser visto como alguém importante no jogo e começa-lhe a ser dado o devido valor, porque regra geral só é lembrado se falha. As novas gerações valorizam cada vez mais o treino do guarda-redes e isso tem sido benéfico em termos ofensivos, inclusivamente com saídas rápidas com bolas longas nas costas da defesa adversário ou mesmo no sair a jogar, funcionando como pivô. 









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