O brasileiro que passou discreto pelo Barreirense mas jogou em dois Mundiais. Quem se lembra de Nelinho?
Nelinho vestiu a camisola do Barreirense em 1970-71
Filho e neto de portugueses
naturais de Ovar, nasceu no Rio de Janeiro, para onde os pais tinham emigrado, Nelinho
tem uma história de carreira incrível: passou discreto pelo Barreirense
quando tinha 20 anos, voltou ao seu país e foi a tempo de chegar à seleção
brasileira e inclusivamente jogar em dois Mundiais, os de 1974 e 1978.
O então jovem lateral direito
estava ainda a dar os primeiros passos no futebol profissional ao serviço do América
do Rio de Janeiro, às ordens de Otto Glória, quando surgiu a hipótese de
reforçar o emblema
do Barreiro. “Ora, em 1970, o Barreirense
falou com ele e pediu-lhe que ele sugerisse um nome para assumir o clube. O senhor
Otto então apontou o seu adjunto, um tal Edsel Fernandes. O Barreirense
aceitou esse nome e o Edsel Fernandes acabou por ir treinar para o Barreiro.
Como bónus, levou-me com ele”, recordou ao Observador
em dezembro de 2016. O próprio Nelinho admite que a
aventura no futebol português correu “mais ou menos”. “Joguei num outro
campeonato, bem diferente do estadual, porque em 1970 ainda não havia o
Brasileirão como vocês o conhecem agora. Esse só foi criado em 1971. Aí em
Portugal joguei seis vezes no campeonato e mais duas na Taça
UEFA”, prosseguiu o carioca, que esteve no duplo confronto com o Dínamo
Zagreb em setembro de 1970. “Foi a única vez que o Barreirense
jogou na Europa e eu estava lá. Foi outro motivo de orgulho na minha ainda
curta carreira. Ganhámos 2-0 ao Dínamo Zagreb em casa, mas depois não tivemos
qualquer hipótese na Jugoslávia (1-6)”, lembrou.
No campeonato, porém, as coisas
não estavam a correr bem. “Nem me fala. Só conseguimos ganhar à 14.ª jornada, a
última da primeira volta [ao Sporting,
em Alvalade]!
Também não fomos assim tão mal, porque havíamos empatado seis vezes [um delas
frente ao FC
Porto, nas Antas] e perdido sete”, recordou o internacional canarinho, que
deixou de ser opção aquando da saída de Edsel Fernandes, substituído por Artur
Quaresma após uma derrota caseira diante do Benfica
a 8 de novembro de 1970. “Lesionei-me na virilha em
outubro/novembro e aquilo nunca mais sarou. Sentia dores incríveis. O tempo
passava, passava, passava e eu nada de treinar, nem de jogar. Que dores! Os
diretores não acreditavam em mim, julgavam que eu estava a fazer fita e que me
queria ir embora. Lembro-me perfeitamente que só o massagista é que acreditava
em mim e dizia-me sempre para confiar em mim, que eu ia superar aquele momento”,
contou Nelinho, que nessa temporada foi companheiro de equipa de Bento: “Foi o
meu primeiro guarda-redes como profissional. Em 1970-71, ele já era famoso
porque tinha uma agilidade inacreditável e marcara um golo no campeonato [à Académica],
de baliza a baliza.” O lateral direito também se
lembra de “Mira, um jogador técnico-cerebral, os goleadores Serafim e Câmpora,
o capitão João Almeida, e um cara com um nome bacano, Murraças”. Em fevereiro de 1971 voltou ao
Brasil, mas o Barreirense
ainda ficou com o seu passe. “Jovem e inconsciente como era, nem liguei. Só
quando cheguei ao Brasil é que percebi que não podia jogar por mais nenhum
clube. Estava agarrado ao Barreirense.
A minha sorte foi o Barreirense
ter acabado mal o campeonato, acho que foi antepenúltimo. O problema foi que um
dos clubes atrás do Barreirense
meteu um recurso para evitar de descer de divisão, alegando que eu estava mal
inscrito, porque a minha ficha no Barreirense
dava-me como luso-brasileiro. Acontece que eu sou luso-brasileiro. Por isso,
quando esse clube meteu recurso, o Barreirense
veio falar comigo para eu assinar um papel em como era luso-brasileiro.
Acontece que só tinha 20 anos e ainda não era maior. O meu pai é que tinha de
mexer com essa papelada e assinar por mim. Eu então propus um negócio ao Barreirense:
eles davam-me o passe e eu entregava-lhes a carta assinada pelo meu pai a
respeito da minha dupla nacionalidade. Assim foi. Fiquei livre para jogar onde
quisesse e o Barreirense
livrou-se da descida”, recordou. Finalmente livre, ainda passou
três meses nos venezuelanos do Anzoátegui, mas depois regressou ao Brasil para
representar Bonsucesso e Remo
antes de ingressar no Cruzeiro
em 1973. Ao serviço do emblema
mineiro viveu os melhores anos da carreira: conquistou a Libertadores
em 1976, o Campeonato Mineiro em 1973, 1974, 1975 e 1977 e tornou-se
internacional brasileiro (21 jogos/seis golos).
Se no Mundial 1974 foi
maioritariamente suplente de Zé Maria, em 1978 teve mais protagonismo, tendo
inclusivamente marcado um golo de belo efeito ao mítico guarda-redes italiano
Dino Zoff no jogo que valeu a atribuição do 3.º lugar ao Brasil.
Os golos de livre e os remates
fortes de fora da área tornaram-se imagens de marca de Nelinho, mas a falta de
estatuto impediu que conseguisse mostrar essas qualidades no Barreirense:
“Era jovem, 20, 21 anos. Os mais velhos não me deixavam. O Mira queria marcar
sempre tudo.”
Sem comentários:
Enviar um comentário