“El Loco? Das hipóteses previstas no dicionário, escolheram a mais suave”. O mundo encantado de Bielsa
Imagem típica de Bielsa sentado na geleira no limite da área técnica
Marcelo Bielsa é um treinador com
uma montra de títulos bastante modesta para os mais de trinta anos de carreira
que já leva, mas há muito que é um técnico conceituado e reconhecido, sobretudo
pelas suas ideias românticas e pelo futebol atrativo que as suas equipas
praticam. Pep Guardiola considera-o uma referência, tendo até sido categórico
ao elegê-lo como o melhor treinador do mundo. Quando ainda era um jogador
recém-retirado, o agora homem do leme do Manchester
City passou onze horas a conversar com ele na casa de Bielsa, na Argentina,
um encontro decisivo para que o catalão seguisse a carreira de treinador.
Nascido a 21 de julho de 1955 no
seio de uma família burguesa da cidade de Rosario, Marcelo Alberto Bielsa
Caldera era filho e neto de advogados, enquanto os irmãos chegaram a ministro e
vice-governador. Algo imaginável quando o vemos com um jeito simplório a ver os
jogos das suas equipas quase sempre de fato de treino e sentado em cima de uma
geleira no limite da área técnica. Bielsa saiu de casa dos pais aos
16 anos e tornou-se num bom defesa, tendo representado o Newell's
Old Boys e a seleção de sub-23 da Argentina.
Mas retirou-se aos 25 anos para se dedicar ao treino. Com o seu jeito filósofo, tem um
discurso complexo e é capaz de alimentar conferências de imprensa durante
várias horas, o que, aliado a um modelo de jogo arrojado, lhe valem a alcunha
de “El Loco”. “Das hipóteses previstas no dicionário, elegeram a mais
suave”, comentou numa ocasião. Depois de quase uma década como
olheiro e treinador de equipas jovens do Newell’s
Old Boys, assumiu o comando da equipa principal em 1990 e o impacto foi
imediato: venceu o Torneio Abertura em 1990 e o Torneio Clausura em 1992 e
chegou ainda à final da Taça
Libertadores em 1992. Esses dois anos correram tão bem que, em 2009, o
estádio dos leprosos
foi batizado de Estádio Marcelo Bielsa, depois de 98 anos sem qualquer nome
oficial.
Uma das fases mais marcantes da
sua carreira foi quando vestiu a pele de selecionador da Argentina,
entre 1998 e 2004. Um dia, um dos seus irmãos encontrou-o sozinho num jardim, absorvido
pelos pensamentos, e perguntou-lhe o que se passava. “Estou a pensar como fazer
o Ortega entender em cinco minutos um conceito futebolístico que demora meia
hora a explicar”, respondeu.
Numa altura em que o país vivia
numa crise financeira profunda, a seleção
albiceleste foi eliminada logo na fase de grupos do Mundial
2002, disputado na Coreia do Sul e no Japão. Quando voltou para casa,
isolou-se durante três meses numa quinta, sem televisão, rádio nem telefone. Só
ele e os livros. Corria dez quilómetros, lia e refletia. Assim eram os seus
dias. Um dia o jornal Olé descobriu-o, mas o melhor que conseguiu foi
tirar-lhe uma foto enquanto corria, pois Bielsa mandou-os embora e virou costas.
No dia seguinte, o diário desportivo argentino fez uma manchete histórica: “Marcelo,
somos teus amigos.” O povo argentino entendeu que ninguém
sofreu mais com aquela eliminação precoce do que Bielsa e aplaudiu-o quando em
2004 voltou para ganhar o ouro olímpico. Depois tornou-se selecionador do Chile,
derrotou a sua Argentina
(com Messi em campo) e o Olé fez outra manchete histórica, talvez em
jeito de correção da que tinha feito uns anos antes: “Não somos nada.” O Chile
de Bielsa, além de ter vencido pela primeira vez a Argentina
num jogo oficial e de ter despedido o então selecionador albiceleste
Alfio Basile, venceu pela primeira vez no Peru
desde 1985 e somou o primeiro triunfo no Paraguai
em quase 30 anos e a primeira vitória de sempre na Colômbia,
conseguindo o apuramento para o Mundial 2010.
No verão de 2011, Bielsa
regressou à Europa e mais concretamente a Espanha
depois de uma curta passagem pelo Espanyol
em 1998. Voltou a encantar, guiando o Athletic
Bilbao às finais da Liga
Europa e da Taça
do Rei em 2011-12 e valorizando ativos como Javi Martínez e Fernando
Llorente.
Mais recentemente, guiou o Leeds
United à Premier
League em 2020 e até viu uma rua da cidade ganhar o nome de Marcelo Bielsa
Way. No ano anterior também esteve
perto da subida de divisão, mas depois de o Leeds marcar um golo ao Aston
Villa com um jogador da equipa
de Birmingham lesionado no relvado, ordenou aos seus jogadores para que
deixassem o adversário marcar, estabelecendo o 1-1 final. Esse resultado
impediu o Leeds de alcançar o segundo lugar que dava direito a promoção direta,
mas a atitude do treinador argentino valeu-lhe o prémio Fair Play da FIFA.
Meses antes, admitiu que enviou
um espião para o centro de treinos do Derby
County, o que resultou numa multa de 200 mil libras por violar os
regulamentos da Liga Inglesa. Atualmente é selecionador do Uruguai.
Tem 69 anos e está aí para as curvas.
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