Reforço do Vitória
de Guimarães, o guarda-redes internacional sub-21 português Bruno
Varela chega à Cidade-Berço
para competir com os jovens Celton Biai, Matous Trmal e Nicolas Tié depois de
dois anos divididos por Benfica
e Ajax
em que praticamente não jogou.
A longa passagem de Varela
pela formação benfiquista
é bem notória na forma de atuar do futebolista. É um produto do século XXI, em
que o treino do guarda-redes evoluiu em termos de quantidade e qualidade,
havendo profissionais especializados para o ministrar. A era em que os exercícios
se limitavam a adjuntos a bater bolas já acabou. Hoje há exercícios específicos
que estimulam reflexos, agilidade, velocidade, impulsão e jogo de pés, entre
outras capacidades que o guardião moderno tem que possuir. Varela
tem isso tudo e ostenta-o de uma forma ortodoxa, como que a provar que passou
horas e horas a fios a ser aperfeiçoado. Não é apenas mais um guarda-redes com
reflexos apurados. Tem escola e talento.
Isso notou-se de forma bem clara
durante há quatro épocas, quando esteve ao serviço do Vitória
de Setúbal e pude acompanhá-lo de perto. Quando chegou, gerou desconfiança,
um pouco ao estilo do que lhe está a acontecer na Luz,
pois tinha vindo de um ano sem jogar no Valladolid, um clube da II Liga
espanhola. Contudo, fez uma boa campanha no Bonfim
e chegou a ser convocado à seleção principal, em março deste ano, curiosamente
na mesma altura em que o companheiro que o relegava para o banco na equipa
espanhola e hoje dono da baliza do Chelsea,
Kepa Arrizabalaga, foi chamado à la roja.
Em Setúbal,
teve a oportunidade de crescer, com uma série de particularidades que
potenciaram esse crescimento. Internamente, teve em Carlos Ribeiro um excelente
treinador de guarda-redes; em Pedro Trigueira um bom concorrente, o que nunca
permitiu que houvesse relaxamento; e em José
Couceiro um técnico que lhe deu sempre absoluta confiança. À 2.ª jornada,
Trigueira tinha vindo de um jogo sem sofrer golos e Varela
dos Jogos Olímpicos, mas nem isso impediu que o timoneiro
sadino tivesse entregado imediatamente a baliza ao segundo em pleno Estádio
da Luz. Mais tarde, o ainda jovem guarda-redes esteve lesionado e a
concorrência aproveitou para mostrar valor, mas mal recuperou, voltou a ocupar
o posto.
Em jogo e com a possibilidade de
se mostrar na I
Liga, exibiu os tais atributos de quem tem escola, mas também alguns dos
principais defeitos do guarda-redes do século XXI. Longe vão os tempos em que
os guardiões dominavam na área. Hoje não. Com receio de falhar e ficar mal na
fotografia, não se expõem ao erro. Ficam na baliza e não saem aos cruzamentos,
protegendo a própria imagem, ainda que prejudicando a equipa. E Varela
não é exceção no que concerne a esta característica do guarda-redes moderno.
Se essas lacunas passavam mais
despercebidas num clube como o Vitória
de Setúbal, em que a qualidade entre os postes é o aspeto mais solicitado e
pode disfarçar outro tipo de fragilidades, num emblema como o Benfica
estiveram mais expostas. Varela
apresentou algumas falhas no início da temporada passada, e embora tenha
progredido com o decorrer da época, acabou por ser considerado um dos culpados
pela não conquista do pentacampeonato.
Agora, depois de meio ano entre o
banco e bancada devido às apostas de Rui Vitória e Bruno
Lage em Vlachodimos e Svilar, terá nova oportunidade para mostrar que é
capaz de servir um clube de grande dimensão.
De Ponte Frielas para o mundo
Oriundo de uma família de cabo-verdianos
de poucas posses, nasceu de cesariana a 4 de novembro de 1994 e desde cedo
acompanhou a paixão dos familiares pelo emblema da águia. Mas antes de ter
chamado a atenção do clube encarnado, começou a dar os primeiros passos no
futebol no União Desportiva Ponte Frielas, perto da zona onde residia, Santo
António dos Cavaleiros, no concelho de Loures. A mãe, Joana Semedo, foi quem o
inscreveu e, conforme admitiu numa entrevista à BTV, passou fome
para lhe comprar equipamentos e chuteiras. "Chegou ao clube com 7 ou 8
anos, e era um miúdo introvertido, calado e pacato. Alguns amigos dele morreram
e outros foram presos, mas ele cumpriu o sonho", começou por contar João
Sequeira, presidente da coletividade há mais de meio século, ao DN, em dezembro de 2017.
“Encostava-se ao poste”
"Queria ser avançado, mas
faltava um guarda-redes e o treinador, que era o Virgílio, que jogou no Sporting,
meteu-o na baliza. Viu que ele era alto e não tinha jeito para jogar à
frente", acrescentou o dirigente, recordando uma boa reação de Bruno
Varela à mudança. "Reagiu bem e ainda hoje é extremamente humilde.
Quando a bola estava longe, encostava-se ao poste e dizia ao treinador para
estar tranquilo. Sempre que fala, fala no Ponte Frielas. É muito carinhoso e
nosso amigo. É um bom jogador e um bom rapaz", vincou o líder do Ponte
Frielas, clube que vai levar a cabo um torneio internacional em fevereiro.
Nené levou-o para o Benfica
Benfiquista
desde pequenino, chegou ao clube do coração aos 11 anos, após ter cativado o
antigo jogador encarnado Nené. "Num torneio em que o Benfica
entrou, o Bruno
jogou contra o Benfica
e fez uma grande exibição. Foi fazer testes e ficou", recordou ao DN o tio
do guardião, Domingos Semedo, que fez carreira no futebol em divisões
secundárias. "O Nené foi buscá-lo e disse que o Varela
seria o futuro guarda-redes do Benfica.
E ele tem provado, apesar das injustiças, que merece o lugar", adiantou
João Sequeira, que lhe chamava o homem do saco. "Ele levava o equipamento
num saco enorme, superior à volumetria dele", justificou, nostálgico.
Nos primeiros tempos de águia ao
peito, Varela
ia para o Seixal de transportes públicos. "Num dia, houve greve e ele não
podia ir ao Seixal, então pediu para treinar no Ponte Frielas. Chegou ao treino,
mas não se identificou ao treinador como jogador do Benfica,
tal a sua humildade. No final, o treinador veio ter comigo a dizer que queria
ficar com ele", contou o presidente do clube de Loures, que também
projetou o guarda-redes Beto. Depois, o guardião foi viver para o centro de
estágios, o que agradou à família. "Foi bom, pois viajar todos os dias era
perigoso. Sabíamos que ficava bem entregue. Continuou a estudar e fez o 12.º
ano, apesar das ausências forçadas para representar as seleções", contou
Domingos Semedo, que relembrou que nem tudo foram rosas para Bruninho,
como é tratado no seio familiar: "Ele teve alturas difíceis, em que estava
tapado por José Costa e José Sá. Não jogava muito, mas sempre que jogava
mostrava serviço. Agarrou a titularidade no primeiro ano de juvenil e nunca
mais a largou. Conseguiu conquistar o seu espaço."
A alcunha de Eddie Murphy
Nesta fase, Varela
conheceu aquele que viria a tornar-se um dos seus melhores amigos no futebol,
Pedro Rebocho, com quem partilhou casa, juntamente com Hélder Costa.
"Conheci-o quando eu tinha 13 ou 14 anos. Ele é um ano mais velho, mas fez
um torneio connosco nessa altura e só passámos a jogar com regularidade na
mesma equipa nos juniores e nos bês. Era e é uma pessoa extremamente humilde,
com vontade de ser o que é hoje e um rapaz brincalhão. Cinco estrelas",
descreveu o lateral dos franceses do Guingamp, que recorda a alcunha de Eddie
Murphy implementada pelo treinador Bruno
Lage e os penteados extravagantes do ex-companheiro.
Outra história foi contada por António Carraça no Record. "Corria o ano de 2012 e o Bruno estava na equipa B do Benfica. Chegou um dia ao treino com um corte de cabelo tipo pele vermelha. Com cristas e tudo! Perguntei-lhe o que era aquilo. Se achava que a imagem que apresentava se coadunava com a de um profissional do Benfica. Se pensava algum dia jogar na equipa principal do Glorioso. Porque, disse-lhe eu, com aquele corte, ninguém o iria levar a sério! Com um ar surpreso e pensativo, não me respondeu! 'Amanhã quero-te cá com um corte de cabelo à homem e que não faça rir as pessoas e principalmente os teus colegas'. 'Sim, senhor Carraça', respondeu ele. E assim foi! No dia seguinte, lá chegou com o cabelo rapado e com um sorriso nos lábios: 'Assim está bem?' Como resposta, fiz-lhe uma festa na face e dei-lhe uma forte e amiga palmada nas costas."
Outra história foi contada por António Carraça no Record. "Corria o ano de 2012 e o Bruno estava na equipa B do Benfica. Chegou um dia ao treino com um corte de cabelo tipo pele vermelha. Com cristas e tudo! Perguntei-lhe o que era aquilo. Se achava que a imagem que apresentava se coadunava com a de um profissional do Benfica. Se pensava algum dia jogar na equipa principal do Glorioso. Porque, disse-lhe eu, com aquele corte, ninguém o iria levar a sério! Com um ar surpreso e pensativo, não me respondeu! 'Amanhã quero-te cá com um corte de cabelo à homem e que não faça rir as pessoas e principalmente os teus colegas'. 'Sim, senhor Carraça', respondeu ele. E assim foi! No dia seguinte, lá chegou com o cabelo rapado e com um sorriso nos lábios: 'Assim está bem?' Como resposta, fiz-lhe uma festa na face e dei-lhe uma forte e amiga palmada nas costas."
Rebocho considera o guarda-redes
"muito forte no um para um, grande, muito móvel na baliza e seguro" e
salienta o empenho do atual dono da baliza encarnada durante os treinos.
"Ele dava o máximo para evoluir em cada treino e em cada jogo. Saía muito
mais suado do que qualquer jogador de campo", frisou o defesa, que
justifica a ultrapassagem da perda da titularidade no Benfica
com a "autoconfiança" que o antigo colega tem. "Continua a
trabalhar e a aproveitar as oportunidades. Num clube grande, a exigência é
enorme e cada jogo é uma prova de fogo. Ele trabalha sempre da mesma forma,
jogando ou não", vincou o internacional sub-21, que puxou a cassete atrás
para dar um exemplo do bom humor de Varela.
"O Cafú tinha umas luvas de boxe e um dia ele, o Varela
e o André Gomes lembraram-se de calçar as luvas e vir ao nosso quarto para
fazer de mim, do Nélson Monte, Raphael Guzzo e João Gomes uns autênticos sacos
de boxe. Éramos mais novos e muito gozões, e eles gostavam de vir para cima de
nós", recordou.
A boa disposição do Seixal,
contudo, terminaria no verão de 2015, quando Bruno
Varela - acabado de ser pai de um menino - foi emprestado ao Valladolid,
clube pelo qual só jogou um encontro, o último daquela época de 2015/16.
"No início, foi muito complicado. Foi para lá quase no último dia das
inscrições, quando já estávamos a ver que ia ficar sem colocação. Evoluiu muito
lá, apesar de ter jogado pouco. A concorrência era forte e ganhou experiência,
que lhe está a valer agora. E sempre jogava nos sub-21, o que equilibrou as
coisas", disse o tio Domingos Semedo, que lhe emprestava as botas.
As francesinhas em... Espanha
No país vizinho, Varela
contou com o apoio do compatriota André Leão, que jogava naquela equipa da II
Liga espanhola. "Ele teve muito azar com o guarda-redes que apanhou, o
Kepa, que tinha a vantagem de ser espanhol. Mas o Bruno
trabalhava muito bem nos treinos, passou essa fase a pensar no Europeu sub-21 e
no ano seguinte explodiu no Vitória
de Setúbal", recordou o atual médio do Trofense.
"Ele é muito humilde e
ligado à família. Como guarda-redes, é muito confiante, por vezes demasiado, e
quando falha fica um bocado abalado. Isso aconteceu-lhe no Benfica.
Ficámos amigos, falamos todas as semanas e as nossas esposas dão-se muito
bem", acrescentou o centrocampista pacense, que fez o guardião ganhar uma
nova paixão gastronómica: "Ele adora francesinhas. Comia muito quando
vinha a minha casa, e antes não comia."
Estreia na I Liga... na Luz
Após um ano sem jogar em Espanha,
Bruno
Varela assinou a título definitivo pelo Vitória
de Setúbal. Perdeu a 1.ª
jornada do campeonato 2016-17 por estar nos Jogos Olímpicos do Rio de
Janeiro, mas nem
o bom início de época de Pedro Trigueira impediu que o jovem internacional
português assumisse a titularidade no jogo seguinte... frente ao Benfica, no
Estádio da Luz, naquela que foi a estreia do atual guarda-redes encarnado na I
Liga, ajudando os sadinos a alcançar um empate a um golo. "Foi bom
para ele. Sabíamos que ele ia estrear-se na I
Liga. Foi um orgulho vê-lo jogar no Vitória
de Setúbal, um clube grande em Portugal. Ajudou os colegas e conseguiram a
manutenção", vincou Domingos Semedo, acerca da etapa que antecedeu a
concretização do sonho.
"Qualquer miúdo da formação
sonha com isto. O sonho dele é jogar todos os fins de semana pelo Benfica
e fazer grandes jogos. Era criticado por fazer jogos normais, mas agora sabe
que tem de fazer mais em cada jogo para jogar sempre", rematou o tio.
"Foi com particular satisfação que vi chegar ao topo da pirâmide mais um jovem jogador português nascido e criado na escola de formação do Sport Lisboa e Benfica. Desde 2006, quando chegou do Ponte de Frielas, alto e magrinho, sempre mostrou e assumiu o que queria ser quando fosse grande. É certo que necessita de provas de fogo e de competir, competir e competir! No entanto, é já visível a olho nu que o Benfica tem um guarda-redes a sério. Um arquero, como aqui se diz, com quem pode contar no presente e no futuro. Um ativo que irá dar uma mais-valia significativa. Ao ver este puto na baliza, confiante e autoritário, não posso deixar de relembrar, entre muitos outros que tivemos, um episódio que mostra o seu caráter e a sua vontade de ser figura", escreveu António Carraça no Record.
"Foi com particular satisfação que vi chegar ao topo da pirâmide mais um jovem jogador português nascido e criado na escola de formação do Sport Lisboa e Benfica. Desde 2006, quando chegou do Ponte de Frielas, alto e magrinho, sempre mostrou e assumiu o que queria ser quando fosse grande. É certo que necessita de provas de fogo e de competir, competir e competir! No entanto, é já visível a olho nu que o Benfica tem um guarda-redes a sério. Um arquero, como aqui se diz, com quem pode contar no presente e no futuro. Um ativo que irá dar uma mais-valia significativa. Ao ver este puto na baliza, confiante e autoritário, não posso deixar de relembrar, entre muitos outros que tivemos, um episódio que mostra o seu caráter e a sua vontade de ser figura", escreveu António Carraça no Record.
Depois de ter sido titular na baliza do Benfica em 2017-18, perdeu espaço na época seguinte e foi emprestado ao Ajax, tendo vivido na sombra de Onana durante o último ano e meio.
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