sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Bruno Varela. A história e os atributos do novo guardião do Vitória de Guimarães

Bruno Varela assinou pelo Vitória de Guimarães até 2024
Reforço do Vitória de Guimarães, o guarda-redes internacional sub-21 português Bruno Varela chega à Cidade-Berço para competir com os jovens Celton Biai, Matous Trmal e Nicolas Tié depois de dois anos divididos por Benfica e Ajax em que praticamente não jogou.

A longa passagem de Varela pela formação benfiquista é bem notória na forma de atuar do futebolista. É um produto do século XXI, em que o treino do guarda-redes evoluiu em termos de quantidade e qualidade, havendo profissionais especializados para o ministrar. A era em que os exercícios se limitavam a adjuntos a bater bolas já acabou. Hoje há exercícios específicos que estimulam reflexos, agilidade, velocidade, impulsão e jogo de pés, entre outras capacidades que o guardião moderno tem que possuir. Varela tem isso tudo e ostenta-o de uma forma ortodoxa, como que a provar que passou horas e horas a fios a ser aperfeiçoado. Não é apenas mais um guarda-redes com reflexos apurados. Tem escola e talento.


Isso notou-se de forma bem clara durante há quatro épocas, quando esteve ao serviço do Vitória de Setúbal e pude acompanhá-lo de perto. Quando chegou, gerou desconfiança, um pouco ao estilo do que lhe está a acontecer na Luz, pois tinha vindo de um ano sem jogar no Valladolid, um clube da II Liga espanhola. Contudo, fez uma boa campanha no Bonfim e chegou a ser convocado à seleção principal, em março deste ano, curiosamente na mesma altura em que o companheiro que o relegava para o banco na equipa espanhola e hoje dono da baliza do Chelsea, Kepa Arrizabalaga, foi chamado à la roja.

Em Setúbal, teve a oportunidade de crescer, com uma série de particularidades que potenciaram esse crescimento. Internamente, teve em Carlos Ribeiro um excelente treinador de guarda-redes; em Pedro Trigueira um bom concorrente, o que nunca permitiu que houvesse relaxamento; e em José Couceiro um técnico que lhe deu sempre absoluta confiança. À 2.ª jornada, Trigueira tinha vindo de um jogo sem sofrer golos e Varela dos Jogos Olímpicos, mas nem isso impediu que o timoneiro sadino tivesse entregado imediatamente a baliza ao segundo em pleno Estádio da Luz. Mais tarde, o ainda jovem guarda-redes esteve lesionado e a concorrência aproveitou para mostrar valor, mas mal recuperou, voltou a ocupar o posto. 

Em jogo e com a possibilidade de se mostrar na I Liga, exibiu os tais atributos de quem tem escola, mas também alguns dos principais defeitos do guarda-redes do século XXI. Longe vão os tempos em que os guardiões dominavam na área. Hoje não. Com receio de falhar e ficar mal na fotografia, não se expõem ao erro. Ficam na baliza e não saem aos cruzamentos, protegendo a própria imagem, ainda que prejudicando a equipa. E Varela não é exceção no que concerne a esta característica do guarda-redes moderno.


Se essas lacunas passavam mais despercebidas num clube como o Vitória de Setúbal, em que a qualidade entre os postes é o aspeto mais solicitado e pode disfarçar outro tipo de fragilidades, num emblema como o Benfica estiveram mais expostas. Varela apresentou algumas falhas no início da temporada passada, e embora tenha progredido com o decorrer da época, acabou por ser considerado um dos culpados pela não conquista do pentacampeonato.

Agora, depois de meio ano entre o banco e bancada devido às apostas de Rui Vitória e Bruno Lage em Vlachodimos e Svilar, terá nova oportunidade para mostrar que é capaz de servir um clube de grande dimensão.

De Ponte Frielas para o mundo

Oriundo de uma família de cabo-verdianos de poucas posses, nasceu de cesariana a 4 de novembro de 1994 e desde cedo acompanhou a paixão dos familiares pelo emblema da águia. Mas antes de ter chamado a atenção do clube encarnado, começou a dar os primeiros passos no futebol no União Desportiva Ponte Frielas, perto da zona onde residia, Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures. A mãe, Joana Semedo, foi quem o inscreveu e, conforme admitiu numa entrevista à BTV, passou fome para lhe comprar equipamentos e chuteiras. "Chegou ao clube com 7 ou 8 anos, e era um miúdo introvertido, calado e pacato. Alguns amigos dele morreram e outros foram presos, mas ele cumpriu o sonho", começou por contar João Sequeira, presidente da coletividade há mais de meio século, ao DN, em dezembro de 2017.

“Encostava-se ao poste”

"Queria ser avançado, mas faltava um guarda-redes e o treinador, que era o Virgílio, que jogou no Sporting, meteu-o na baliza. Viu que ele era alto e não tinha jeito para jogar à frente", acrescentou o dirigente, recordando uma boa reação de Bruno Varela à mudança. "Reagiu bem e ainda hoje é extremamente humilde. Quando a bola estava longe, encostava-se ao poste e dizia ao treinador para estar tranquilo. Sempre que fala, fala no Ponte Frielas. É muito carinhoso e nosso amigo. É um bom jogador e um bom rapaz", vincou o líder do Ponte Frielas, clube que vai levar a cabo um torneio internacional em fevereiro.

Nené levou-o para o Benfica

Benfiquista desde pequenino, chegou ao clube do coração aos 11 anos, após ter cativado o antigo jogador encarnado Nené. "Num torneio em que o Benfica entrou, o Bruno jogou contra o Benfica e fez uma grande exibição. Foi fazer testes e ficou", recordou ao DN o tio do guardião, Domingos Semedo, que fez carreira no futebol em divisões secundárias. "O Nené foi buscá-lo e disse que o Varela seria o futuro guarda-redes do Benfica. E ele tem provado, apesar das injustiças, que merece o lugar", adiantou João Sequeira, que lhe chamava o homem do saco. "Ele levava o equipamento num saco enorme, superior à volumetria dele", justificou, nostálgico.

Nos primeiros tempos de águia ao peito, Varela ia para o Seixal de transportes públicos. "Num dia, houve greve e ele não podia ir ao Seixal, então pediu para treinar no Ponte Frielas. Chegou ao treino, mas não se identificou ao treinador como jogador do Benfica, tal a sua humildade. No final, o treinador veio ter comigo a dizer que queria ficar com ele", contou o presidente do clube de Loures, que também projetou o guarda-redes Beto. Depois, o guardião foi viver para o centro de estágios, o que agradou à família. "Foi bom, pois viajar todos os dias era perigoso. Sabíamos que ficava bem entregue. Continuou a estudar e fez o 12.º ano, apesar das ausências forçadas para representar as seleções", contou Domingos Semedo, que relembrou que nem tudo foram rosas para Bruninho, como é tratado no seio familiar: "Ele teve alturas difíceis, em que estava tapado por José Costa e José Sá. Não jogava muito, mas sempre que jogava mostrava serviço. Agarrou a titularidade no primeiro ano de juvenil e nunca mais a largou. Conseguiu conquistar o seu espaço."


A alcunha de Eddie Murphy

Nesta fase, Varela conheceu aquele que viria a tornar-se um dos seus melhores amigos no futebol, Pedro Rebocho, com quem partilhou casa, juntamente com Hélder Costa. "Conheci-o quando eu tinha 13 ou 14 anos. Ele é um ano mais velho, mas fez um torneio connosco nessa altura e só passámos a jogar com regularidade na mesma equipa nos juniores e nos bês. Era e é uma pessoa extremamente humilde, com vontade de ser o que é hoje e um rapaz brincalhão. Cinco estrelas", descreveu o lateral dos franceses do Guingamp, que recorda a alcunha de Eddie Murphy implementada pelo treinador Bruno Lage e os penteados extravagantes do ex-companheiro.

Outra história foi contada por António Carraça no Record. "Corria o ano de 2012 e o Bruno estava na equipa B do Benfica. Chegou um dia ao treino com um corte de cabelo tipo pele vermelha. Com cristas e tudo! Perguntei-lhe o que era aquilo. Se achava que a imagem que apresentava se coadunava com a de um profissional do Benfica. Se pensava algum dia jogar na equipa principal do Glorioso. Porque, disse-lhe eu, com aquele corte, ninguém o iria levar a sério! Com um ar surpreso e pensativo, não me respondeu! 'Amanhã quero-te cá com um corte de cabelo à homem e que não faça rir as pessoas e principalmente os teus colegas'. 'Sim, senhor Carraça', respondeu ele. E assim foi! No dia seguinte, lá chegou com o cabelo rapado e com um sorriso nos lábios: 'Assim está bem?' Como resposta, fiz-lhe uma festa na face e dei-lhe uma forte e amiga palmada nas costas."

Rebocho considera o guarda-redes "muito forte no um para um, grande, muito móvel na baliza e seguro" e salienta o empenho do atual dono da baliza encarnada durante os treinos. "Ele dava o máximo para evoluir em cada treino e em cada jogo. Saía muito mais suado do que qualquer jogador de campo", frisou o defesa, que justifica a ultrapassagem da perda da titularidade no Benfica com a "autoconfiança" que o antigo colega tem. "Continua a trabalhar e a aproveitar as oportunidades. Num clube grande, a exigência é enorme e cada jogo é uma prova de fogo. Ele trabalha sempre da mesma forma, jogando ou não", vincou o internacional sub-21, que puxou a cassete atrás para dar um exemplo do bom humor de Varela. "O Cafú tinha umas luvas de boxe e um dia ele, o Varela e o André Gomes lembraram-se de calçar as luvas e vir ao nosso quarto para fazer de mim, do Nélson Monte, Raphael Guzzo e João Gomes uns autênticos sacos de boxe. Éramos mais novos e muito gozões, e eles gostavam de vir para cima de nós", recordou.

A boa disposição do Seixal, contudo, terminaria no verão de 2015, quando Bruno Varela - acabado de ser pai de um menino - foi emprestado ao Valladolid, clube pelo qual só jogou um encontro, o último daquela época de 2015/16. "No início, foi muito complicado. Foi para lá quase no último dia das inscrições, quando já estávamos a ver que ia ficar sem colocação. Evoluiu muito lá, apesar de ter jogado pouco. A concorrência era forte e ganhou experiência, que lhe está a valer agora. E sempre jogava nos sub-21, o que equilibrou as coisas", disse o tio Domingos Semedo, que lhe emprestava as botas.


As francesinhas em... Espanha

No país vizinho, Varela contou com o apoio do compatriota André Leão, que jogava naquela equipa da II Liga espanhola. "Ele teve muito azar com o guarda-redes que apanhou, o Kepa, que tinha a vantagem de ser espanhol. Mas o Bruno trabalhava muito bem nos treinos, passou essa fase a pensar no Europeu sub-21 e no ano seguinte explodiu no Vitória de Setúbal", recordou o atual médio do Trofense.

"Ele é muito humilde e ligado à família. Como guarda-redes, é muito confiante, por vezes demasiado, e quando falha fica um bocado abalado. Isso aconteceu-lhe no Benfica. Ficámos amigos, falamos todas as semanas e as nossas esposas dão-se muito bem", acrescentou o centrocampista pacense, que fez o guardião ganhar uma nova paixão gastronómica: "Ele adora francesinhas. Comia muito quando vinha a minha casa, e antes não comia."

Estreia na I Liga... na Luz

Após um ano sem jogar em Espanha, Bruno Varela assinou a título definitivo pelo Vitória de Setúbal. Perdeu a 1.ª jornada do campeonato 2016-17 por estar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, mas nem o bom início de época de Pedro Trigueira impediu que o jovem internacional português assumisse a titularidade no jogo seguinte... frente ao Benfica, no Estádio da Luz, naquela que foi a estreia do atual guarda-redes encarnado na I Liga, ajudando os sadinos a alcançar um empate a um golo. "Foi bom para ele. Sabíamos que ele ia estrear-se na I Liga. Foi um orgulho vê-lo jogar no Vitória de Setúbal, um clube grande em Portugal. Ajudou os colegas e conseguiram a manutenção", vincou Domingos Semedo, acerca da etapa que antecedeu a concretização do sonho.

"Qualquer miúdo da formação sonha com isto. O sonho dele é jogar todos os fins de semana pelo Benfica e fazer grandes jogos. Era criticado por fazer jogos normais, mas agora sabe que tem de fazer mais em cada jogo para jogar sempre", rematou o tio.

"Foi com particular satisfação que vi chegar ao topo da pirâmide mais um jovem jogador português nascido e criado na escola de formação do Sport Lisboa e Benfica. Desde 2006, quando chegou do Ponte de Frielas, alto e magrinho, sempre mostrou e assumiu o que queria ser quando fosse grande. É certo que necessita de provas de fogo e de competir, competir e competir! No entanto, é já visível a olho nu que o Benfica tem um guarda-redes a sério. Um arquero, como aqui se diz, com quem pode contar no presente e no futuro. Um ativo que irá dar uma mais-valia significativa. Ao ver este puto na baliza, confiante e autoritário, não posso deixar de relembrar, entre muitos outros que tivemos, um episódio que mostra o seu caráter e a sua vontade de ser figura", escreveu António Carraça no Record.

Depois de ter sido titular na baliza do Benfica em 2017-18, perdeu espaço na época seguinte e foi emprestado ao Ajax, tendo vivido na sombra de Onana durante o último ano e meio.




















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