Em época de estreia como
treinador de seniores, David Nogueira levou o Moitense
ao oitavo lugar da I
Distrital da AF Setúbal até à paragem do campeonato devido à pandemia,
o que seria a melhor classificação do clube desde 2004.
Numa entrevista em que se fala
muito de futebol, o jovem técnico luso-angolano
de 27 anos faz um balanço da temporada que passou, projeta a que se avizinha,
recorda a passagem pela formação do Vitória
de Setúbal, conta como o influenciou o trabalho de treinador e coordenador
da Escola Academia Sporting
Moita e revela ambições que tem para a carreira.
ROMILSON TEIXEIRA - O David Nogueira estreou-se em 2019-20 como
treinador principal de uma equipa sénior e logo no Moitense,
um clube que representou durante vários anos como jogador. Que balanço faz
desta primeira época?
DAVID NOGUEIRA - Em relação à
minha estreia enquanto treinador principal de seniores, penso que foi uma época
bastante positiva. O clube tinha como objetivo a permanência na I
Distrital da AF Setúbal e passar a fase de grupos da Taça AF Setúbal (coisa
que ainda não tinha feito).
Conseguimos um honroso 8.º lugar,
mesmo a meio da tabela, e conseguimos chegar aos quartos-de-final da Taça AFS.
Se não fosse pandemia,
quem sabe, talvez pudéssemos chegar mais longe. Tive um grupo de jogadores que
me ajudaram imenso e não só respeitaram, como acreditaram no meu trabalho e no
da minha equipa técnica. Para primeira experiência como treinador de seniores,
superou as minhas expectativas muito sinceramente. Não poderia pedir melhor.
E na próxima temporada, onde pode chegar o Moitense?
Quais são os objetivos?
Para a próxima época teremos
novamente um grupo bastante jovem. os objetivos passarão sempre por fazer
melhor que a época anterior, potenciando e ajudando jogadores mais jovens a
poderem jogar noutros patamares, mas olhando sempre para os objetivos do clube
e do grupo em si.
O Moitense
já anunciou as contratações de Djá (ex-Comércio
e Indústria), Maia (ex-Alcacerense) e Pedro Fortes (ex-Oriental
Dragon). Fale-nos um pouco sobre cada um deles. O que podem acrescentar à
equipa do Moitense?
O Djá é um jogador mais
experiente, que conhece muito bem este campeonato e que tem um nível muito
superior para este mesmo campeonato.
Foi formado aqui e vem ajudar-nos este ano, quem sabe, para terminar a carreira
onde começou e ao lado do irmão dele.
O Maia e o Fortes, são dois
jovens com muito potencial, que nos vão ajudar certamente e que encaixam na
perfeição neste plantel que também é muito jovem.
Do que conhece e vai vendo neste mercado de transferências, quais são
os clubes favoritos à conquista do título da I
Distrital da AF Setúbal em 2020-21?
Pelo que tenho visto das
contratações dos clubes da I
Distrital, prevejo mais um ano bastante competitivo, com boas contrações e
com clubes a assumirem-se claramente como candidatos à subida de divisão. Não
querendo menosprezar ninguém, acredito que pelo menos três, pelas contratações
de jogadores que tenho visto, são candidatos à conquista do título: Barreirense,
União
de Santiago e Sesimbra.
“Havia sempre clubes grandes a recrutarem jogadores do Moitense
e sinto que isso se perdeu um pouco”
A equipa técnica de David Nogueira no Moitense para 2020-21 |
O Moitense
é um clube que lhe diz muito. O que há de diferente e igual entre o Moitense
de 2006, quando entrou no clube para jogar futebol, e o de 2020?
A grande diferença entre o Moitense
de 2006 e o de agora... podemos começar por falar nas condições. Quando entrei
no Moitense,
o campo era pelado. Havia um campo de futebol 11 gigantesco lá dentro e um de
futebol 7 cá fora. Eu ainda jogava futebol 7. As condições não tinham nada
haver com as de agora. Ainda não havia bancada. As infraestruturas do clube
melhoraram muito, desde os campos aos balneários e à bancada. Relativamente à organização
do clube, e num contexto mais direcionado para o futebol, o olhar para a
formação é diferente. O Moitense
sempre foi um clube que tinha muitos jovens com grande talento e havia sempre
clubes grandes a recrutarem jogadores do Moitense.
Hoje, apesar de as condições terem melhorado, sinto que isso se perdeu um
pouco.
Durante vários anos trabalhou como treinador e coordenador na Escola
Academia Sporting
Moita. Como funcionam esse tipo de projetos, o que lhe pediam da parte do Sporting
e de que forma é que esse trabalho o influenciou como treinador?
A Escola Academia Sporting
foi onde aprendi mais sobre futebol até hoje. Este tipo de projetos
funciona/trabalha diretamente com o Sporting
Clube de Portugal. Para tentar ser o mais natural a responder, digo que
este tipo de projetos não se limita apenas a detetar talento para encaminhar
para a Academia de Alcochete, mas também para potenciar talento de raiz (do
zero). Sempre com uma matriz Sporting,
com treinadores ensinados e formados pelo Sporting
Clube de Portugal.
Este tipo de projeto funciona
como um género de equipas de formação, um nível inferior às equipas do Sporting
Clube de Portugal, que em turmas com determinados níveis, podem competir
nos campeonatos das associações distritais, de modo a detetar, treinar e
potenciar jovens para chegarem ao nível estipulado pelo Sporting.
Posso dizer que o facto de estar
numa escola Sporting
e ser o coordenador me influenciou como treinador a todos os níveis. Desde o
detetar talento, ensinar o jogo a um conjunto de miúdos e dentro das suas
debilidades passar-lhes motivação, experiências vividas no futebol,
responsabilidade, fazer e vê-los crescer, com olhos no futuro, sempre com a
motivação e inspiração de ser treinador e de os ver chegar o mais longe
possível.
“Há jogadores mais velhos que acreditam em mim e que me respeitam”
O plantel do Moitense que David Nogueira orientou em 2019-20 |
Gosta mais de treinar jovens ou seniores? No que difere a abordagem do
David a jogadores de grupos etários diferentes?
Muito sinceramente gosto mais de
treinar seniores. Calculo que todos os treinadores inicialmente têm o sonho de
treinar seniores. É isso que nos move para sermos treinadores. Mas acredito
que, pelo caminho, uns se sintam mais aptos para miúdos do que propriamente
para graúdos. Mas claramente seniores!
A abordagem a um sénior por vezes
é completamente diferente da abordagem a um miúdo. Mas por vezes é muito
idêntica. Até porque cada jogador tem sempre o seu lado de criança. Acho que é
algo que nunca morre.
Mas tudo tem uma base. Sejam
seniores ou miúdos. A base do respeito é fundamental! Tenho miúdos muito mais
novos do que eu que, além de acreditarem em mim, me respeitam e vice-versa. E
nos seniores ainda é mais importante esse respeito, pois, no meu caso, tenho
jogadores mais velhos que eu que acreditam em mim, mas sobretudo que me
respeitam. Por isso, o respeito para comigo e sobretudo para com o próximo é a
grande base.
Fale-nos um pouco do David Nogueira como treinador. Como gosta de ver
as suas equipas a jogar? Qual é o ADN das suas equipas?
O David Nogueira como treinador é
uma pessoa justa, mesmo que este mundo não seja o mais justo nem perto disso. É
um semi-treinador, porque ainda não provou nada. É uma pessoa ambiciosa,
trabalhadora, genuína, com muita força de vontade para o que der e vier. Pela
minha equipa e pelos meus dou tudo aquilo que for preciso. É como costumamos
dizer: estamos juntos para o que der e vier. Mas para tudo isso, temos um
grande compromisso, na base do respeito e do nosso trabalho diário.
Em relação às minhas equipas, são
equipas que nunca desistem. Seja em que situação for. Enquanto tivermos tempo,
enquanto tivermos ar, pernas e coração, vamos à luta. As minhas equipas deixam
sempre tudo em campo.
Mas em relação ao ADN, posso
dizer que são equipas de adaptação. Isto é, temos a nossa identidade, mas temos
cartas na manga, pois o jogo não é sempre igual, nem o adversário. As minhas equipas gostam de ter bola, ter
princípios fundamentais do jogo, mas poucas rotinas, pois não gosto de equipa
monótonas. Gosto de criatividade e sobretudo objetividade.
Aos 26 anos deixou de jogar futebol, depois de meia dúzia de anos com a
camisola do Moitense.
Porquê?
Deixei de jogar porque senti que
já não dava ao clube aquilo que o clube merecia. E porque o tempo para
conciliar o tempo de treinador com o de jogar já era escasso.
“Os meus tempos no Vitória
foram de muita vivência, felicidade, amizades, conquistas e sobretudo
crescimento individual”
David Nogueira ao lado de Rúben Vezo na formação do Vitória |
Além do Moitense
também passou pela formação do Vitória
de Setúbal e fez parte de uma geração que deu vários jogadores à equipa
principal e ao futebol profissional, como Rúben Vezo, Ricardo
Horta, Frederico
Venâncio, Kiko, Pedro
Mendes e Miguel
Lourenço. Que memórias guarda desses tempos?
Os tempos do Vitória
são tempos que não voltam mais, mas foram tempos de muita vivência, muita
felicidade, muitas amizades, conquistas e sobretudo crescimento individual.
Todos os nomes mencionados são meus amigos. Fomos colegas de equipa e somos
amigos. E há muitos mais nomes que não foram mencionados, que podiam ter
chegado mais longe e que também são grandes amigos. Esses tempos trouxeram-me
isso, grandes amizades acima de tudo. Tenho um grande orgulho nas equipas de
que fiz parte no Vitória.
E tenho ainda mais orgulho naqueles que vejo terem sucesso e sobretudo nas
amizades que ficaram.
Enquanto futebolista jogava no meio-campo. Como era o David Nogueira
jogador?
Enquanto jogador eu era um
jogador muito trabalhador. Não tinha o talento que outros tinham, mas era muito
dedicado e empenhado. Posso dizer que era muito agressivo [risos].
Para o David quais devem ser as características de um bom treinador?
Um bom treinador deve ser frontal,
o mais justo possível, genuíno, inovador, respeitador, dedicado e ambicioso.
Os treinadores portugueses estão cada vez mais valorizados no mercado
internacional, onde existem nomes sonantes como José
Mourinho, Marco
Silva, Jorge
Jesus, Paulo
Fonseca, Leonardo Jardim, André Villas Boas, Nuno Espírito Santo, Luís
Castro e Pedro
Martins. Ao que se deve o nível tão elevado dos treinadores portugueses? O
que há de especial na formação dos treinadores portugueses em relação aos
demais?
Tenho a opinião de que os
portugueses em geral têm uma grande capacidade de adaptação. Não se deixam
ficar porque hoje não foi possível. São lutadores e gostam de se superar. São
genuinamente ambiciosos e até pode ser algo cultural. Digamos que têm algo
especial.
Quais são os treinadores que tem como referência?
Os treinadores que tenho como
referência são José
Mourinho por tudo o que conquistou, Jurgen Klopp, Marcelo Bielsa pelo que
leio sobre os seus métodos inovadores e pela pessoa que é, Zinédine Zidane, Carlo
Ancelotti, Pep Guardiola, Jorge
Jesus, Vítor Pereira, Leonardo Jardim, Luís Castro, Eddie Howe e Julian
Nagelsmann, os dois últimos treinadores muito jovens, com que me identifico
muito.
Teve algum mentor que o impulsionou a seguir a carreira de treinador,
algum treinador que admira e que veja como um professor?
O meu grande amigo José Alexandre
Bruno. Aprendi muito com ele. Desde o futebol de formação até ao futebol
sénior. Se hoje sou treinador, posso
dizer que é graças a ele.
Onde nasceu e cresceu? Como foi a sua infância?
Nasci no Barreiro
e vivi a minha infância entre a Fonte da Prata e o Bairro da Caixa, ambos no
concelho da Moita.
Posso detalhar que comecei pelo basquetebol e só mais tarde fui para o futebol.
Mas sempre joguei futebol na rua com amigos. Fazia grandes jogatanas com os
amigos da minha idade e também com os mais velhos. Outros tempos, sem consolas
nem computadores. Sempre a pensar na rua e no futebol.
“Já me passou pela cabeça treinar em Angola,
onde o meu pai nasceu”
David Nogueira na altura em que jogava nos seniores do Moitense |
Quais são as suas raízes em Angola?
As minhas raízes em Angola
vêm da família do meu pai. O meu pai era angolano.
Nasceu em Luanda. Faleceu quando eu tinha 12 anos. Através dele tenho dupla
nacionalidade.
O que conhece do futebol
angolano?
Conheço muito do futebol
angolano. Tenho lá amigos e acompanho o Girabola.
Através da Academia Sporting,
tive acesso aos projetos que estão a ser desenvolvidos no futebol
angolano, tanto na formação do jogador angolano,
como no futebol sénior angolano.
Gostava de um vir trabalhar no futebol
angolano?
Confesso que sim. É algo que já
me passou pela cabeça treinar onde nasceu o meu pai.
No Moitense
tem às suas ordens vários jogadores com ligações a Angola,
nomeadamente Helmut Ari, Jorge Costa, Bruno Santos e João Santos. Falam muito
sobre as vossas raízes?
Dentro do balneário temos várias
raízes. Várias culturas. Falamos de todas! Graças a Deus temos um grande
balneário e, como costumamos dizer, um balneário sem um angolano,
não é um balneário – é uma brincadeira nossa. Mas sim, às vezes em conversas
falamos de coisas sobre Angola,
ou de vivências dos nossos parentes.
Como tem gerido a sua equipa nessa fase de pandemia?
O que tem sido mais difícil?
Nesta fase o que tem sido mais
difícil é o contacto. Sinto saudades do balneário, de festejarmos juntos, dos
convívios, dos treinos, de tudo. Tentamos estar o máximo número de vezes em
contacto e tentamos que os jogadores se mantenham em constante movimento, em
treinos na rua e em parques.
Qual é o seu maior sonho enquanto treinador de futebol?
Tenho dois: ser treinador
profissional e treinar na Premier
League.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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