Tem dado pano para mangas a
questão dos treinadores sem as habilitações necessárias (nível IV – UEFA Pro) a
trabalhar em clubes na I Liga, com o
sportinguista Silas e o
braguista Rúben Amorim no epicentro do furacão.
De um lado e de outro têm chovido
argumentos, uns mais fundamentalistas, outros mais sensatos. A Associação
Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) mantém-se intransigente na sua luta,
mas agora o soundbite já não é a
ridícula comparação entre treinadores e médicos sem habilitações mas sim a
condução de veículos pesados para quem só está habilitado a conduzir ligeiros. Os
treinadores, nomeadamente os acima citados, que são os rostos mais mediáticos
da polémica, socorrem-se da experiência empírica acumulada ao longo das
carreiras de jogadores, em que tiveram contacto com alguns dos mais
conceituados treinadores portugueses de todos os tempos.
É legítimo acreditar que os
vários anos que Silas
passou às ordens de técnicos como José
Mourinho e Jorge
Jesus e em balneários de diferentes países lhe tenham dado uma bagagem
maior do que dez dias que um curso ministrado em larga escala por técnicos sem
grande sucesso lhe poderiam oferecer.
Mas também é legítimo não deixar
o futebol português transformar-se numa anarquia (ainda maior) e cair no perigo
de que várias equipas profissionais sejam orientadas por treinadores
verdadeiramente inaptos para a função, meros curiosos que, mais do que incompetentes tecnicamente
ou taticamente, poderão colocar em risco a integridade física dos atletas.
No meio desta guerra, há um
treinador que tem emergido de forma tão meteórica quanto sustentada, que não foi
futebolista nem adjunto de treinador de ponta e nem sequer tem as habilitações
necessárias para a competição em que trabalha: Luís
Freire.
Com apenas o curso de II nível,
tem apresentado resultados ano após ano, depois de ter adjuvado Filipe Moreira
no Mafra, no Tondela e no Oriental. Se costuma dizer-se que Jorge
Jesus começou a carreira de treinador por baixo, então o atual técnico do Nacional
da Madeira iniciou a sua no subsolo, na terceira divisão dos distritais da
Associação de Futebol de Lisboa. Em 2012-13 subiu o Ericeirense à ao segundo
escalão e em 2014-15 ao primeiro, o Pro-Nacional. Em 2015-16 voltou ao patamar
secundário dos distritais da AF Lisboa para promover o Pêro Pinheiro e na época
seguinte guiou o clube do concelho
de Sintra ao Campeonato de Portugal. E logo a seguir mudou-se para o Mafra,
clube que levou à conquista do Campeonato de Portugal e consequente subida à II
Liga.
Ou seja, no papel Luís
Freire não tem as habilitações necessárias para treinar na II Liga, mas na prática
tem galgado todas as divisões desde o patamar zero ao futebol profissional sem
queimar qualquer etapa. E neste momento está a levar o Nacional
aos lugares de promoção à I Liga, onde há-de chegar mais cedo ou mais tarde.
Não tenho dúvidas. Na época passada já deu um ar de sua graça quando, ao
leme do Estoril, venceu em Alvalade para a Taça da Liga e deu ao presidente
leonino Frederico
Varandas o pretexto ideal para despedir José
Peseiro.
Além dos resultados, nota-se
claramente que as equipas de Luís
Freire são equipas de autor, com um modelo de jogo bem definido e ideias
bem aplicadas. Quando
esteve à frente do Estoril, deu nas vistas pelo futebol elaborado e aprazível,
que em organização ofensiva se iniciava com uma saída assimétrica a três, com
apenas um lateral projetado e o outro ao lado dos centrais na primeira fase de
construção, e defensivamente pautava por uma forte reação à perda da bola. A
equipa do concelho
de Cascais pode não ter conseguido acompanhar a dinâmica de vitórias de
Paços de Ferreira e Famalicão, mas a verdade é que quem passou pelo banco dos
canarinhos depois da saída de Freire
(em janeiro de 2019) não fez melhor, tanto a nível de resultados como de
estética.
Nesta temporada, talvez por
conhecer melhor a II Liga, mas provavelmente também para tirar melhor partido
das características dos seus jogadores, o seu Nacional
tem mostrado um futebol diferente do que aquele que o
seu Estoril exibia. Os madeirenses
mostram o gosto pela posse de bola, mas mais do que progredir de forma apoiada,
convidam o adversário a subir no terreno para que depois os rapidíssimos
extremos Camacho e Riascos
possam atacar a profundidade, sempre com o ponta de lança hondurenho Bryan
Róchez à espreita na área.
E com os jornalistas, como é?
No caso dos jornalistas, nada
impede que uma pessoa sem licenciatura na área da comunicação social nem
habilitação com curso equivalente possa exercer jornalismo. A diferença está no
tempo de estágio antes da emissão da carteira profissional, que é de 12 meses
para os licenciados/habilitados e de 18 para os restantes.
Grandes nomes do jornalismo não
têm qualquer formação académica na área e alguns até desvalorizam o que se
aprende em vários anos de cursos de ensino superior em comparação com uma
aprendizagem de alguns meses nas redações.
Por outro lado, os jornalistas
são mão-de-obra especializada e por isso custa-me ver pessoas sem qualquer tipo
de formação nem passado na área a exercerem funções que deveriam ser
desempenhadas por jornalistas em meios de comunicação social. Vítor Baía a moderar programas de debate no Canal 11 é um desses casos.
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