Desde que regressou pela última
vez à I Liga em 2004-05 que o objetivo do Vitória Futebol Clube é o mesmo a
cada época que passa: a permanência. E não deixou de o ser mesmo nas três
temporadas em que foi conseguido o apuramento para as competições europeias,
porque essas foram meramente campanhas mais tranquilas e que nada de
proporcional tiveram a ver com orçamento, ambição ou estabilidade diretiva e
financeira aquando do tiro de partida.
O habitual, época após época, tem
sido ver os sadinos envolvidos na fuga à despromoção até à derradeira jornada,
por vezes até conseguindo sair da zona de descida na última ronda dos
campeonato. Foi assim em 2006/07 após vitória no terreno da Naval e em 2017-18 depois de triunfo na receção ao Tondela. Mas em 2008-09, 2012-13 e 2015-16 também entraram na última jornada com a corda na
garganta. E desengane-se quem pense que 2009-10, 2010/11, 2011/12, 2014-15 e 2018-19 foram épocas
tranquilas, porque não foram, tal como 2019-20 não está a ser.
Mas se já nos parece normal ver o
Vitória a lutar pela permanência época após época, o anormal é a quantidade de
temporadas que leva nisto sem descer de divisão. Isto porque, olhando para o
campeonato português e para as principais ligas europeias, os crónicos candidatos
à despromoção acabam por, mais tarde ou mais cedo, descer mesmo.
Para se ter a noção, desde que os setubalenses subiram pela
última vez à I Liga, apenas os chamados três grandes, o Sp. Braga e o Marítimo
não desceram. Sim, é verdade, nesta década e meia até o Vitória de Guimarães
andou pela II Liga. E até deu para o Boavista ser despromovido na secretaria e
ser promovido seis anos depois também secretaria, assim como deu para o Paços
de Ferreira passar duas épocas no segundo escalão e pelo meio ir a um play-off da Liga dos Campeões. E o
próprio Rio Ave, que se está a tornar num crónico candidato à Europa, esteve
afastado da elite em 2006-07 e 2007-08.
Mas não é só em Portugal que é
assim. Este case study assume
dimensão internacional. Veja-se o caso
espanhol. No mesmo período, apenas sete equipas estiveram sempre na I Liga:
Real Madrid, Barcelona, Atlético Madrid, Valencia, Athletic Bilbao e Sevilha.
Nenhuma delas costuma entrar nas derradeiras jornadas com a corda na garganta e
todas atingiram finais europeias desde 2004. Até Real Sociedad, Betis, Villarreal,
Deportivo, Málaga e Celta de Vigo, que já neste século participaram na Liga dos Campeões, passaram pelo segundo escalão.
Nápoles e Juventus defrontaram-se na Série B em 2006/07 |
Viajando por Inglaterra, a paisagem é muito semelhante. Apenas Arsenal, Chelsea, Everton, Manchester City, Manchester United,
Tottenham e Liverpool estiveram sempre entre a elite desde 2004 e todos são
crónicos candidatos, no mínimo, a lugares europeus. E neste século já vimos
Leicester e Newcastle na Liga dos Campeões e Fulham e Middlesbrough em finais
europeias.
E se olharmos para Itália, percebemos realmente que a
longevidade da resistência do Vitória é um fenómeno. Desde que os sadinos regressaram pela última vez à I Liga, somente
Inter, Milan, Roma, Lazio, Fiorentina e Udinese não passaram por divisões
inferiores. Sim, até Juventus e Nápoles andaram pela Série B. E se há algo
para o qual estes clubes não têm lutado nas últimas jornadas de cada campeonato
é a permanência.
Na Alemanha, desde 2004-05 que só uma mão cheia de clubes não deixou a
Bundesliga: Bayern Munique, Bayer Leverkusen, Borussia Dortmund, Schalke 04 e Werder Bremen. Ou para se
perceber melhor a dimensão do que o Vitória está a fazer: até Estugarda e
Wolfsburgo, que foram campeões nos últimos 15 anos, já passaram pela II Liga. E
o mesmo se aplica aos históricos Borussia M’Gladbach, Hamburgo ou Eintracht Frankfurt. Ou
então, basta dizer que o Leipzig ainda não existia nem quando Carlos Carvalhal
devolveu os sadinos ao primeiro escalão nem quando os guiou à conquista da Taça
da Liga.
Terminamos a nossa viagem pelas
principais ligas em França, onde encontramos os casos que mais se assemelham ao
Vitória. Desde 2004/05, nove equipas estiveram sempre na Ligue 1: Bordéus, Lille, Lyon, Marselha, Nice, Paris
Saint-Germain, Rennes, Saint-Étienne e Toulouse. Sim, clubes que chegámos a
ver na Liga dos Campeões como Mónaco, Montpellier, Nantes, Lens ou Auxerre
passaram por divisões inferiores neste período. O Toulouse é a equipa que mais
vezes tem dançado na corda bamba: esteve à beira da despromoção em 2003-04,
2007-08, 2014-15, 2015-16 e 2017-18. Porém, também foi terceiro classificado em
2006/07 e quarto em 2008/09. De resto, algumas dessas nove sobreviventes
tiveram ou outro campeonato mais sobressaltado, mas a norma foi sempre a
tranquilidade e o conforto da primeira metade da tabela.
O Vitória de Setúbal é mesmo uma exceção à regra, conseguindo estar durante um período longo na I Liga apesar das dificuldades anuais em garantir a permanência. Até quando? E o que será mais provável: ver os sadinos dar um passo em frente e voltar a ser o crónico candidato à Europa que foi nas décadas de 1960 e 1970 ou a descida de divisão?
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