Mawete Júnior marcou dois golos em 12 jogos pelo Benfica |
Antiga promessa do Benfica,
Mawete Júnior decidiu pendurar as botas em 2012, desiludido com o futebol, quando
tinha apenas 31 anos. O avançado angolano
que em tempos teve direito a um cântico por parte dos adeptos benfiquistas,
é agora um empresário no ramo da produção e prestações de serviços.
Em entrevista, o antigo jogador dos
encarnados
recorda o dia em que João Vieira Pinto o deixou envergonhado no balneário, fala
sobre Vale e Azevedo e a aprendizagem com Manuel Cajuda num empréstimo ao Sp.
Braga e mostra-se bastante crítico para com o nível e a desorganização do futebol
angolano.
ROMILSON TEIXEIRA - O Mawete retirou-se desde 2012, quando tinha apenas
31 anos. O que é feito de si e porque decidiu pendurar as botas tão cedo?
MAWETE JÚNIOR - Agora o Mawete é um empresário no ramo da
produção e da prestação de serviços. Decidi pendurar as botas por estar
desiludido com o futebol e pela proposta de trabalho feita pelo meu pai.
O Mawete ficou mais conhecido pelo tempo que passou no Benfica.
Como surgiu a possibilidade de integrar as camadas jovens das águias e quais
são as principais memórias dos anos que passou na Luz?
Sim, a minha passagem pelo Benfica
foi o melhor caminho para o auge da minha carreira. A possibilidade de
ingressar nas camadas jovens foi através da minha ida para uma equipa local da
zona onde vivia, o Clube Desportivo Recreativo de Massamá́, em 1992. Calhámos
no mesmo grupo que o Benfica
e logo na 2.ª jornada do campeonato defrontámos o Benfica
no campo n.º 5 do antigo Estádio da Luz e, mesmo perdendo por 2-4, fiz um golo
e os responsáveis do Benfica
logo mostraram interesse na minha aquisição para a época seguinte. Nesse ano
fiz uma boa época desportiva, apesar do interesse de outros grandes clubes de
Portugal e concretizei o meu desejo e o dos responsáveis do Benfica
em ingressar no Benfica.
As memórias são muitas, mais é
impossível esquecer o primeiro dia em que entrei no Benfica,
o primeiro treino na equipa principal do Benfica,
o primeiro golo com a camisola do Benfica
em jogos oficiais, mas a melhor de todas, ter conseguido fazer com que os
adeptos fizessem um cântico com meu nome para me verem a jogar [“Ó Toni, mete o Mawete!”]. Tenho boas memórias
das pessoas, sem poder esquecer as más memórias, as lesões que comprometeram
minha carreira.
O Mawete estreou-se na equipa principal pela mão de Jupp Heynckes em
setembro de 1999. Que recordações tem desse dia e do jogo de estreia no Estádio
da Luz? O que sentiu?
Sim, o mister Jupp Heynckes,
depois de ter vencido a Liga
dos Campeões pelo Real Madrid, chegou ao Benfica
e na visita que fez ao Estádio da Luz para assinar o seu contrato, foi assistir
a um jogo das camadas jovens do Benfica,
Benfica-Louletano,
e nesse jogo saí do banco e marquei dois golos, numa vitória por 4-0, e depois
desse jogo ele marcou-me e assim que assumiu cargo de treinador do Benfica
chamou-me para fazer parte da equipa principal. O meu jogo de estreia é algo
emocionalmente difícil de esquecer, pois pela primeira vez entrei num estádio
com mais de 90 mil pessoas a assistir ao jogo, senti um nervosismo e uma
ansiedade enorme de entrar em campo, e quando entrei na segunda parte do jogo, nos
primeiros minutos só olhava para o público, uma moldura humana incrivelmente
linda, mas foi lindo participar na vitória por 2-0 do Benfica
contra o Estrela
da Amadora.
Quando João Pinto o deixou envergonhado no balneário do Benfica
Mawete na capa de um jornal após marcar pelo Benfica |
No Benfica
teve companheiros de equipa como Enke, Maniche, João Vieira Pinto, Poborsky,
Nuno Gomes, Zahovic, Simão Sabrosa, Drulovic e Mantorras. Quem mais o
impressionou? Tem alguma história engraçada com algum deles que nos possa
contar?
Eram todos grandes jogadores, com
os quais tive muito gosto em compartilhar o campo. Aprendi com cada um deles,
mas sem duvida o João Vieira Pinto se destacava de todos, pois era um jogador
fabuloso.
Histórias engraçadas tenho muitas
e seria difícil contar todas, mas destaco a minha primeira vez no balneário da
equipa sénior do Benfica,
onde por brincadeira os colegas me fizeram sentar no lugar do capitão João
Pinto, pensando eu que seria um lugar vago. Quando o João Pinto chega ao balneário
e olha para mim sentado no lugar dele e diz: "Oh miúdo, o que fazes aí? Sentes-te
bem aí?". Todo o balneário caiu a rir e eu todo envergonhado a ir procurar
outro sítio para me sentar.
Na altura em que o Mawete se estreou pelo Benfica,
o presidente era ainda o polémico Vale e Azevedo. Que recordações tem dele?
A principal recordação que tenho
dele foi no dia da assinatura do contrato profissional e na conferência de
imprensa. Era uma pessoa atenciosa.
Nas épocas em que esteve na Luz, o Benfica
sentia grandes dificuldades para lutar verdadeiramente pelo título de campeão.
Como era o clube nessa altura?
Essas épocas em que estive no Benfica
devem ter sido das piores temporadas do Benfica
a nível financeiro e isso afetou muito o clube para poder lutar para o título.
O clube tinhas boas pessoas, bons profissionais, mas carecia de estabilidade
financeira para apostar na luta pelo título.
O Mawete era apontado como grande promessa do Benfica.
O que faltou para não ter tido mais oportunidades na equipa principal?
O Mawete era uma grande aposta do
Benfica
e uma das grandes promessas do futebol europeu. Tive oportunidades e aproveitei
todas, por isso consegui fazer o meu nome no Benfica
e ainda hoje ser lembrado, mas tive o azar de ter tido duas graves lesões que
comprometeram o meu sucesso. Rompi os tendões de Aquiles de cada pé e isso
condicionou e muito a minha progressão no futebol, numa altura em que essa lesão
ainda tinha poucas formas de ser rapidamente ultrapassada, pois foi a mesma lesão
que fez Marco Van Basten abandonar o futebol, e ele só rompeu um tendão.
A aprendizagem com Cajuda e a “linda cidade de Braga”
Mawete chegou a Braga juntamente com Ricardo Esteves |
Na segunda metade da época 2001-02 esteve emprestado ao Sp.
Braga. Como correu essa curta aventura e como foi trabalhar com o
carismático Manuel Cajuda?
Foi um empréstimo fora dos meus
planos, que me caiu inicialmente muito mal, pois era o segundo avançado que o Benfica
tinha e estava a marcar golos, por isso nunca entendi o motivo de ter de ser
emprestado, mas a curta passagem pelo Sp.
Braga foi muito produtiva. Trabalhar às ordens do mister Cajuda fizeram-me
crescer muito como homem e pela primeira vez vi o futebol fora de um grande
clube, vi como Não era facilitada a vida de um jogador fora de um grande clube,
mas agradeço muito ao mister Cajuda e ao Sp.
Braga pela oportunidade de os representar e de aprender com eles e com a
linda cidade de Braga.
“Fizemos história ao colocar o Olivais e Moscavide na II Liga”
Em 2005-06 representou o Olivais e Moscavide, ajudando o clube lisboeta
a subir à II
Liga. Que recordações tem dessa época em que partilhou o balneário com
Miguel Veloso, que viria a tornar-se um jogador importante no futebol
português?
Depois de uma conturbada rescisão
de contrato com o Benfica,
rumei ao Olivais e Moscavide. Foi uma época incrível, em que conheci e convivi
com grandes jogadores e juntos conseguimos fazer história ao colocar o Olivais
e Moscavide na II
Liga. Não é todos dias que se cria um registo na história, foi muito bom.
O Miguel Veloso, era meu garoto
desde o Benfica
e tivemos o prazer de ser colegas, depois de muito me ver a jogar e tendo eu
sido um exemplo para muitos jovens das camadas jovens do Benfica,
tive o prazer de lhe dar alguns conselhos para se tornar o jogador importante
que foi e de o ter derrotado na Playstation, no jogo PES [risos]. Fiquei muito
feliz com o sucesso dele, mereceu.
Seguiram-se experiências fora de Portugal, nomeadamente em Inglaterra,
Bélgica e Malta. Que balanço faz das passagens por esses países?
Tentei emigrar para tentar relançar
a minha carreira. Foram boas experiências, mas os resultados não foram os
esperados, porque a informação sobre a minha lesão nos tendões colocava sempre
uma pulga atrás da orelha das pessoas para uma possível recaída. Contudo,
consegui dar uma boa imagem do Mawete e do meu futebol por onde passei e até
hoje sou recordado.
“Nível do futebol angolano é muito baixo”
Mawete Júnior jogou em Inglaterra, Bélgica e Malta |
Entretanto estreou-se no futebol
angolano com a camisola do FC Cabinda. Como correu a essa aventura de quase
dois anos?
A aventura no FC Cabinda fui uma
muito boa, pois nunca quis deixar o futebol sem ter experimentado jogar no
futebol do meu país. Foras dois anos de muito suor e lágrimas, com grandes
alegrias pelo meio, pois não foram anos fáceis para um clube que tinha grandes
dificuldades financeiras e organizacionais e falta de experiência no futebol
angolano ao mais alto nível.
O que achou na altura do nível do futebol
angolano é como foi para si viver em Cabinda? Como eram as condições dos
clubes fora de Luanda?
O nível de futebol em Angola
em relação aos países por onde passei é muito baixo, pois existe uma falta de constituição,
organização, incentivos e profissionalismo no futebol
angolano. Os clubes fora de Luanda são os que mais sofrem e mais
dificuldades enfrentam, principalmente os que não têm um patrocinador fixo.
Nunca jogou pela seleção
principal de Angola. O que falhou?
Tive somente uma convocatória
para a seleção
nacional de Angola, para um particular frente a Portugal em que um lindo
jogo de futebol se transformou num campo de batalha e com cadeiras a voar da
bancada, uma tristeza. Joguei sim pelas seleções de sub-20 e sub-23 de Angola.
Foi lindo ouvir o hino, representar as seleção e fazer parte de um grupo de
jogadores que em 2006 conseguiu levar Angola
ao seu primeiro Campeonato do Mundo. Não consegui ter mais internacionalizações
devido à minha lesão nos tendões e ao tempo que fiquei em recuperação. No
futebol, o tempo não espera e a cada ano que passa aparecem novos valores.
Como foi a sua infância? Onde nasceu e cresceu e quando é que a bola
entrou para a sua vida?
A minha infância foi abençoada, graças
a Deus não me faltou nada, tive bom berço, sou de bolo e leite. Nasci em
Luanda, cresci no bairro de Alvalade e a bola entrou na minha vida desde que eu
aprendi a gatinhar, pois eu enquanto criança dormia e acordava com uma bola.
Quando estava na rua sem uma bola, chutava as pedras que encontrava no caminho,
por isso acho que posso dizer que a bola nasceu em mim.
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os
quais jogou.
1- Enke
2- Miguel
3- Paulo Madeira
4- Fernando Meira
5- Rojas
6- Calado
7- Simão Sabrosa
8- Joao Vieira Pinto
9- Mantorras
10- Roger
11- Hugo Porfírio
Mawete foi aposta de Toni no Benfica |
E que treinadores mais o marcaram e porquê? Foi orientado por
treinadores como Heynckes, Toni, Jesualdo Ferreira e Manuel Cajuda…
O mister Jupp Heynckes por ser o
primeiro treinador de uma equipa sénior a apostar em mim, o mister Toni por ter
também apostado em mim e ajudado a tornar-me melhor jogador, o mister Cajuda
por me ter ajudado a deixar de ser menino e a me tornar homem em tenra idade.
Mas não posso esquecer os treinadores das camadas jovens: mister Rui, mister
Bastos Lopes, mister Chalana, mister Arnaldo Cunha, mister Nené e mister José Morais,
todos eles foram importantes para a minha aprendizagem e crescimento no
futebol.
“Dói-me ver a desorganização do futebol angolano”
Continua a acompanhar o futebol
angolano? Que opinião tem sobre o Girabola
e oque acha da atual geração de futebolistas angolanos?
Para ser sincero, acompanho pouco
o futebol
angolano, porque me dói ver a desorganização do futebol
angolano. Angola
sempre teve boas gerações de futebolistas, o problema está na gestão do nosso
futebol que ofusca os jovens valores.
O que acha que os países africanos devem fazer para atrair os africanos
expatriados ou descendentes que atuam fora do continente e acabam por
representar seleções europeias?
Países africanos como Senegal,
Gana, Mali e outros já́ estão a fazer o certo para atrair os seus jogadores a
representarem o país, por isso não tenho nada para dizer, é só́ pedir Angola
para que os imite.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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