sábado, 27 de novembro de 2021

Mawete: “A melhor memória que tenho do Benfica é um cântico dos adeptos com o meu nome”

Mawete Júnior marcou dois golos em 12 jogos pelo Benfica
Antiga promessa do Benfica, Mawete Júnior decidiu pendurar as botas em 2012, desiludido com o futebol, quando tinha apenas 31 anos. O avançado angolano que em tempos teve direito a um cântico por parte dos adeptos benfiquistas, é agora um empresário no ramo da produção e prestações de serviços.
 
Em entrevista, o antigo jogador dos encarnados recorda o dia em que João Vieira Pinto o deixou envergonhado no balneário, fala sobre Vale e Azevedo e a aprendizagem com Manuel Cajuda num empréstimo ao Sp. Braga e mostra-se bastante crítico para com o nível e a desorganização do futebol angolano.
 
ROMILSON TEIXEIRA - O Mawete retirou-se desde 2012, quando tinha apenas 31 anos. O que é feito de si e porque decidiu pendurar as botas tão cedo?
MAWETE JÚNIOR -  Agora o Mawete é um empresário no ramo da produção e da prestação de serviços. Decidi pendurar as botas por estar desiludido com o futebol e pela proposta de trabalho feita pelo meu pai.
 
O Mawete ficou mais conhecido pelo tempo que passou no Benfica. Como surgiu a possibilidade de integrar as camadas jovens das águias e quais são as principais memórias dos anos que passou na Luz?
Sim, a minha passagem pelo Benfica foi o melhor caminho para o auge da minha carreira. A possibilidade de ingressar nas camadas jovens foi através da minha ida para uma equipa local da zona onde vivia, o Clube Desportivo Recreativo de Massamá́, em 1992. Calhámos no mesmo grupo que o Benfica e logo na 2.ª jornada do campeonato defrontámos o Benfica no campo n.º 5 do antigo Estádio da Luz e, mesmo perdendo por 2-4, fiz um golo e os responsáveis do Benfica logo mostraram interesse na minha aquisição para a época seguinte. Nesse ano fiz uma boa época desportiva, apesar do interesse de outros grandes clubes de Portugal e concretizei o meu desejo e o dos responsáveis do Benfica em ingressar no Benfica.
As memórias são muitas, mais é impossível esquecer o primeiro dia em que entrei no Benfica, o primeiro treino na equipa principal do Benfica, o primeiro golo com a camisola do Benfica em jogos oficiais, mas a melhor de todas, ter conseguido fazer com que os adeptos fizessem um cântico com meu nome para me verem a jogar [“Ó Toni, mete o Mawete!”]. Tenho boas memórias das pessoas, sem poder esquecer as más memórias, as lesões que comprometeram minha carreira.
 
O Mawete estreou-se na equipa principal pela mão de Jupp Heynckes em setembro de 1999. Que recordações tem desse dia e do jogo de estreia no Estádio da Luz? O que sentiu?
Sim, o mister Jupp Heynckes, depois de ter vencido a Liga dos Campeões pelo Real Madrid, chegou ao Benfica e na visita que fez ao Estádio da Luz para assinar o seu contrato, foi assistir a um jogo das camadas jovens do Benfica, Benfica-Louletano, e nesse jogo saí do banco e marquei dois golos, numa vitória por 4-0, e depois desse jogo ele marcou-me e assim que assumiu cargo de treinador do Benfica chamou-me para fazer parte da equipa principal. O meu jogo de estreia é algo emocionalmente difícil de esquecer, pois pela primeira vez entrei num estádio com mais de 90 mil pessoas a assistir ao jogo, senti um nervosismo e uma ansiedade enorme de entrar em campo, e quando entrei na segunda parte do jogo, nos primeiros minutos só olhava para o público, uma moldura humana incrivelmente linda, mas foi lindo participar na vitória por 2-0 do Benfica contra o Estrela da Amadora.
 

Quando João Pinto o deixou envergonhado no balneário do Benfica

Mawete na capa de um jornal após marcar pelo Benfica
No Benfica teve companheiros de equipa como Enke, Maniche, João Vieira Pinto, Poborsky, Nuno Gomes, Zahovic, Simão Sabrosa, Drulovic e Mantorras. Quem mais o impressionou? Tem alguma história engraçada com algum deles que nos possa contar?
Eram todos grandes jogadores, com os quais tive muito gosto em compartilhar o campo. Aprendi com cada um deles, mas sem duvida o João Vieira Pinto se destacava de todos, pois era um jogador fabuloso.
Histórias engraçadas tenho muitas e seria difícil contar todas, mas destaco a minha primeira vez no balneário da equipa sénior do Benfica, onde por brincadeira os colegas me fizeram sentar no lugar do capitão João Pinto, pensando eu que seria um lugar vago. Quando o João Pinto chega ao balneário e olha para mim sentado no lugar dele e diz: "Oh miúdo, o que fazes aí? Sentes-te bem aí?". Todo o balneário caiu a rir e eu todo envergonhado a ir procurar outro sítio para me sentar.
 
Na altura em que o Mawete se estreou pelo Benfica, o presidente era ainda o polémico Vale e Azevedo. Que recordações tem dele?
A principal recordação que tenho dele foi no dia da assinatura do contrato profissional e na conferência de imprensa. Era uma pessoa atenciosa.
 
 
Nas épocas em que esteve na Luz, o Benfica sentia grandes dificuldades para lutar verdadeiramente pelo título de campeão. Como era o clube nessa altura?
Essas épocas em que estive no Benfica devem ter sido das piores temporadas do Benfica a nível financeiro e isso afetou muito o clube para poder lutar para o título. O clube tinhas boas pessoas, bons profissionais, mas carecia de estabilidade financeira para apostar na luta pelo título.
 
O Mawete era apontado como grande promessa do Benfica. O que faltou para não ter tido mais oportunidades na equipa principal?
O Mawete era uma grande aposta do Benfica e uma das grandes promessas do futebol europeu. Tive oportunidades e aproveitei todas, por isso consegui fazer o meu nome no Benfica e ainda hoje ser lembrado, mas tive o azar de ter tido duas graves lesões que comprometeram o meu sucesso. Rompi os tendões de Aquiles de cada pé e isso condicionou e muito a minha progressão no futebol, numa altura em que essa lesão ainda tinha poucas formas de ser rapidamente ultrapassada, pois foi a mesma lesão que fez Marco Van Basten abandonar o futebol, e ele só rompeu um tendão.
 

A aprendizagem com Cajuda e a “linda cidade de Braga”

Mawete chegou a Braga juntamente com Ricardo Esteves
Na segunda metade da época 2001-02 esteve emprestado ao Sp. Braga. Como correu essa curta aventura e como foi trabalhar com o carismático Manuel Cajuda?
Foi um empréstimo fora dos meus planos, que me caiu inicialmente muito mal, pois era o segundo avançado que o Benfica tinha e estava a marcar golos, por isso nunca entendi o motivo de ter de ser emprestado, mas a curta passagem pelo Sp. Braga foi muito produtiva. Trabalhar às ordens do mister Cajuda fizeram-me crescer muito como homem e pela primeira vez vi o futebol fora de um grande clube, vi como Não era facilitada a vida de um jogador fora de um grande clube, mas agradeço muito ao mister Cajuda e ao Sp. Braga pela oportunidade de os representar e de aprender com eles e com a linda cidade de Braga.
 

“Fizemos história ao colocar o Olivais e Moscavide na II Liga

Em 2005-06 representou o Olivais e Moscavide, ajudando o clube lisboeta a subir à II Liga. Que recordações tem dessa época em que partilhou o balneário com Miguel Veloso, que viria a tornar-se um jogador importante no futebol português?
Depois de uma conturbada rescisão de contrato com o Benfica, rumei ao Olivais e Moscavide. Foi uma época incrível, em que conheci e convivi com grandes jogadores e juntos conseguimos fazer história ao colocar o Olivais e Moscavide na II Liga. Não é todos dias que se cria um registo na história, foi muito bom.
O Miguel Veloso, era meu garoto desde o Benfica e tivemos o prazer de ser colegas, depois de muito me ver a jogar e tendo eu sido um exemplo para muitos jovens das camadas jovens do Benfica, tive o prazer de lhe dar alguns conselhos para se tornar o jogador importante que foi e de o ter derrotado na Playstation, no jogo PES [risos]. Fiquei muito feliz com o sucesso dele, mereceu.
 
Seguiram-se experiências fora de Portugal, nomeadamente em Inglaterra, Bélgica e Malta. Que balanço faz das passagens por esses países?
Tentei emigrar para tentar relançar a minha carreira. Foram boas experiências, mas os resultados não foram os esperados, porque a informação sobre a minha lesão nos tendões colocava sempre uma pulga atrás da orelha das pessoas para uma possível recaída. Contudo, consegui dar uma boa imagem do Mawete e do meu futebol por onde passei e até hoje sou recordado.
 

“Nível do futebol angolano é muito baixo”

Mawete Júnior jogou em Inglaterra, Bélgica e Malta
Entretanto estreou-se no futebol angolano com a camisola do FC Cabinda. Como correu a essa aventura de quase dois anos?
A aventura no FC Cabinda fui uma muito boa, pois nunca quis deixar o futebol sem ter experimentado jogar no futebol do meu país. Foras dois anos de muito suor e lágrimas, com grandes alegrias pelo meio, pois não foram anos fáceis para um clube que tinha grandes dificuldades financeiras e organizacionais e falta de experiência no futebol angolano ao mais alto nível.
 
O que achou na altura do nível do futebol angolano é como foi para si viver em Cabinda? Como eram as condições dos clubes fora de Luanda?
O nível de futebol em Angola em relação aos países por onde passei é muito baixo, pois existe uma falta de constituição, organização, incentivos e profissionalismo no futebol angolano. Os clubes fora de Luanda são os que mais sofrem e mais dificuldades enfrentam, principalmente os que não têm um patrocinador fixo.
 
Nunca jogou pela seleção principal de Angola. O que falhou?
Tive somente uma convocatória para a seleção nacional de Angola, para um particular frente a Portugal em que um lindo jogo de futebol se transformou num campo de batalha e com cadeiras a voar da bancada, uma tristeza. Joguei sim pelas seleções de sub-20 e sub-23 de Angola. Foi lindo ouvir o hino, representar as seleção e fazer parte de um grupo de jogadores que em 2006 conseguiu levar Angola ao seu primeiro Campeonato do Mundo. Não consegui ter mais internacionalizações devido à minha lesão nos tendões e ao tempo que fiquei em recuperação. No futebol, o tempo não espera e a cada ano que passa aparecem novos valores.
 
Como foi a sua infância? Onde nasceu e cresceu e quando é que a bola entrou para a sua vida?
A minha infância foi abençoada, graças a Deus não me faltou nada, tive bom berço, sou de bolo e leite. Nasci em Luanda, cresci no bairro de Alvalade e a bola entrou na minha vida desde que eu aprendi a gatinhar, pois eu enquanto criança dormia e acordava com uma bola. Quando estava na rua sem uma bola, chutava as pedras que encontrava no caminho, por isso acho que posso dizer que a bola nasceu em mim.
 
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os quais jogou.
1- Enke
2- Miguel
3- Paulo Madeira
4- Fernando Meira
5- Rojas
6- Calado
7- Simão Sabrosa
8- Joao Vieira Pinto
9- Mantorras
10- Roger
11- Hugo Porfírio
 
Mawete foi aposta de Toni no Benfica
E que treinadores mais o marcaram e porquê? Foi orientado por treinadores como Heynckes, Toni, Jesualdo Ferreira e Manuel Cajuda…
O mister Jupp Heynckes por ser o primeiro treinador de uma equipa sénior a apostar em mim, o mister Toni por ter também apostado em mim e ajudado a tornar-me melhor jogador, o mister Cajuda por me ter ajudado a deixar de ser menino e a me tornar homem em tenra idade. Mas não posso esquecer os treinadores das camadas jovens: mister Rui, mister Bastos Lopes, mister Chalana, mister Arnaldo Cunha, mister Nené e mister José Morais, todos eles foram importantes para a minha aprendizagem e crescimento no futebol.
 

“Dói-me ver a desorganização do futebol angolano

Continua a acompanhar o futebol angolano? Que opinião tem sobre o Girabola e oque acha da atual geração de futebolistas angolanos?
Para ser sincero, acompanho pouco o futebol angolano, porque me dói ver a desorganização do futebol angolano. Angola sempre teve boas gerações de futebolistas, o problema está na gestão do nosso futebol que ofusca os jovens valores.
 
O que acha que os países africanos devem fazer para atrair os africanos expatriados ou descendentes que atuam fora do continente e acabam por representar seleções europeias?
Países africanos como Senegal, Gana, Mali e outros já́ estão a fazer o certo para atrair os seus jogadores a representarem o país, por isso não tenho nada para dizer, é só́ pedir Angola para que os imite.
 
Entrevista realizada por Romilson Teixeira











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