A minha primeira memória de… um jogo entre Sporting e Farense
Sportinguista João Vieira Pinto rodeado de defesas algarvios
A minha primeira memória de um
jogo entre Sporting
e Farense
remonta quase aos primórdios do meu trajeto como amante de futebol. O facto de
os leões
terem sido campeões nacionais após um longo jejum de 18 anos e o brilhante Euro
2000 de Portugal foi uma espécie de clique para muitos miúdos como eu, que na
altura tinha apenas oito anos de idade.
Sobre este jogo em concreto,
recordo que seguia em viagem para o Alentejo
com os meus pais à hora do jogo, pelo que ia acompanhando o relato pela rádio,
dentro dos possíveis, porque eram tantos ou mais os períodos em que ouvia a
narração como aqueles em que ouvia o barulho das interferências. A tecnologia nem
a qualidade do sinal não eram como são hoje, muito menos quando se ia em
estradas como o IC1. Campeão em título, o Sporting
de Augusto Inácio podia ter perdido unidade influentes na conquista do título,
como Duscher, Vidigal ou De Franceschi, mas os reforços eram sonantes: Paulo
Bento, Sá Pinto, João Pinto e Dimas eram internacionais portugueses; Phil Babb era
um central com passado no Liverpool, Horvath era um médio internacional pela
forte República Checa e o avançado internacional norte-americano Kirovski tinha
um passado por clubes como Manchester United e Borussia
Dortmund. Do outro lado estava o Farense
de Manuel Balela, onde resistiam poucas das principais figuras do clube da
década 1990. O goleador marroquino Hassan era uma das exceções.
Apesar da diferença de valores e
do ambiente de festa no velhinho Estádio
José Alvalade, que antes do apito inicial acolheu a cerimónia de entrega do
troféu de campeão nacional, os algarvios
revelaram-se um osso duro de roer. Os verde
e brancos venceram na jornada inaugural do campeonato
em 2000-01, mas por apenas 1-0, com o único golo do encontro a ser apontado por
João Pinto, de cabeça, na sequência de um canto executado a partir do lado direito
por Edmilson e de um desvio de Acosta ao segundo poste. Curiosamente, o golo
foi marcado na baliza sul, a mesma em que, com a camisola do Benfica,
apontou um hat trick nos 3-6 de 1994.
“Campeão… económico. Uma romaria
de crentes sportinguistas
emoldurou Alvalade,
emprestando ao recinto sportinguista
a roupagem dos grandes jogos. Ainda com o título a animar esses peregrinos da
crença leonina,
importa dizer que o Sporting
não foi capaz de corresponder por inteiro à expectativa que rodeou a sua
entrada na I
Liga 2000-01. Encurtando razões: sem se poder dizer que os campeões
desmereceram dos galões que tão justamente ostentam, não deixa de ser verdade
que faltou peso qualitativo à exibição sportinguista”,
podia ler-se na crónica do jornal O Jogo,
assinada por Joaquim Rita.
Quando as duas equipas se
defrontaram na primeira jornada da segunda volta, o Sporting
então já orientado por Fernando Mendes ocupava o terceiro lugar no campeonato,
a cinco pontos do líder Boavista
(mais um jogo) e a um do vice-líder FC
Porto. Já o Farense
estava relativamente tranquilo a meio da tabela classificativa, com 11 pontos
de vantagem sobre a primeira equipa em zona de despromoção. No São Luís, os algarvios
impuseram-se em casa e bateram os leões
de Alvalade pela primeira vez em quase dois anos. Rui Jorge na própria
baliza (43 minutos) e Marco Nuno (57’) marcaram para os leões
de Faro, Pedro Barbosa reduziu para os verde
e brancos ao cair do pano (89’). “O Farense
voltou a vencer o Sporting
em casa, doze anos depois, e deu um passo importante rumo a uma temporada
tranquila, enquanto os leões
falharam uma grande oportunidade de se aproximarem do FC
Porto, numa jornada que marca o ressurgimento do Benfica
e da qual o Boavista
sai como grande vencedor. A equipa de Manuel Balela realizou uma exibição taticamente
eficiente, marcando bem as principais unidades criativas do Sporting
e colocando em campo um pressing
notável, que raramente deu ao adversário tempo e espaço. A velocidade no
contra-ataque, aliada a alguma felicidade no lance do primeiro golo (Rui Jorge
na própria baliza), chegou para agarrar os três pontos”, escreveu o Record.
No arranque da temporada
seguinte, os dois conjuntos defrontaram-se em Faro à sexta jornada, numa altura
em que tanto o Farense
de Alberto Pazos como o Sporting
de Laszlo Bölöni estavam empatados no nono lugar, com sete pontos. No entanto,
a recém-chegada de Mário Jardel, que levava dois golos (ambos de penálti) em
outros tantos jogos, dava alguma esperança aos sportinguistas. Logo aos cinco minutos de jogo no
São Luís, mais do mesmo: golo de Jardel na conversão de um penálti, a castigar
falta do guarda-redes Raúl Iglesias sobre Marius Niculae. À passagem da meia hora, Carlos
Costa empatou para os algarvios,
com um desvio ao segundo poste na resposta a um livre lateral apontado por
Carlos Fernandes a partir do lado esquerdo. O empate arrastou-se durante
quase uma hora e o nó apenas foi desatado já nos derradeiros minutos, com mais
dois golos de Jardel (88’ e 90’), ambos de cabeça e na resposta a cruzamentos
de Paulo Bento a partir do lado direito. “Quem duvidava da utilidade de
Mário Jardel no Sporting,
quem questionava a possibilidade de o brasileiro repetir em Alvalade
a singular série de golos obtida com a camisola do FC
Porto, ficou ontem totalmente elucidado: Jardel marcou os três golos da
sofrida vitória leonina
em Faro, dois deles de cabeça e nos últimos minutos de uma partida nem sempre
bem jogada mas quase sempre muito disputada. Se um hat trick tem um valor intrínseco que ninguém ousa contestar, este
de Jardel caiu do céu para as hostes verde-brancas,
que depois do triunfo na Dinamarca (que vinha na sequência de um outro em Alvalade,
perante o Gil
Vicente) gostariam naturalmente de ver confirmada a tese do ‘temos equipa’.
Mas custou. E, se calhar, ainda nem todos os leões
ficaram totalmente convencidos”, escreveu o Record.
Nessa temporada de 2001-02, as
duas equipas viriam a defrontar-se por mais duas vezes, ambas em Alvalade.
A primeira foi num jogo a contar para a 5.ª eliminatória da Taça
de Portugal, teve cinco golos e todos na segunda parte: Bruno Mestre abriu
o ativo para os algarvios
(49 minutos) e Quaresma
(53), Jardel (75’ g.p. e 90’) e André Cruz (79’) apontaram os golos da
reviravolta leonina. “Um Sporting
em manifesta poupança de esforços excedeu-se ontem em golos ante o Farense,
passando aos oitavos-de-final da Taça
de Portugal. O triunfo leonino
é justo, mas os 4-1 não definem com clareza o que aconteceu nos 90 minutos, não
tanto pelas oportunidades de golo criadas, mas, fundamentalmente, pela
qualidade de jogo praticado. A ausência de Niculae, que no jogo com o Varzim
arranjou forma de defrontar o Benfica,
a exemplo de Paulo Bento, obrigou Bölöni a mexer na estrutura da equipa, a
qual, ao contrário do habitual, evoluiu num 4x4x2, o que não merece qualquer
reparo. Críticas, em matéria de ordem tática, têm, sim, de ser dirigidas ao Farense,
que apostou num 5x4x1 e que, tardiamente, raciocinou que poderia e deveria ser
mais ousado”, podia ler-se no Record.
Por fim, em fevereiro de 2002, um
Sporting
bastante envolvido na luta pelo primeiro lugar viu-se privado de Jardel perante
um Farense
que ocupava a zona de despromoção, mas os verde
e brancos sobreviveram sem o seu goleador e repetiram o resultado da época
anterior, vencendo por 1-0 com um golo aos 36 minutos de… João Pinto. “Numa noite de profunda
desinspiração da maior parte dos seus jogadores, o Sporting
levou de vencida o Farense
e regressou à liderança da I
Liga em grande parte graças à genialidade de João Vieira Pinto. O número 25
dos leões
pegou no jogo, carregou a sua equipa às costas e ainda marcou o golo do
triunfo. Quando saiu, aos 76 minutos, o Estádio
José Alvalade rendeu-lhe uma mais do que merecida ovação e a curva sul
cantou o seu nome. De facto, é difícil imaginar como dariam os leões
a volta à sua filial
algarvia, sem a luz inspiradora que brotou de João Pinto a indicar-lhes o
caminho. Provavelmente ontem, mais do que nunca, o Sporting
teve razões para dizer, pelo facto de poder contar com o antigo menino de ouro
da Luz nas suas fileiras, a frase ‘lucky
me’”, escreveu o Record.
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