Não venho aqui prolongar a velha
discussão entre crentes e não crentes – como é o meu caso – sobre a existência
ou não das várias figuras mitológicas de cada religião. Primeiro, porque há
inúmeros documentos escritos em múltiplos idiomas onde os fiéis das várias
crenças se podem refugiar. Depois, porque acima de tudo se trata de uma questão
de fé. E quando à Bíblia ou ao Corão se junta a fé, de pouco vale trocar
argumentos.
Porém, em Portugal há um fenómeno
de tal maneira enraizado na sociedade – raízes essas solidificadas durante o
período de ditadura, marcado pela ausência de uma imprensa livre – que pouco ou
nada se discute: Fátima. Eu próprio nunca me tinha debruçado sobre o assunto
até um professor no ensino superior ter desafiado a turma a imaginar o fenómeno
das aparições no século XXI.
Reza a história que três crianças
entre os sete e os dez anos – os tais pastorinhos – testemunharam meia dúzia de
aparições de Nossa Senhora do Rosário de Fátima na Cova da Iria, em Fátima, concelho de Ourém. A primeira terá ocorrido a 13 de maio de 1917 e, daí e em diante, o
fenómeno terá sido repetido durante seis meses seguidos, sempre a dia 13 – a exceção
foi em agosto, quando ocorreu a dia 19 – até outubro. A última aparição terá mesmo
sido testemunhada por milhares de pessoas, mas jornalistas presentes no local
garantem nada ter visto.
E se acontecesse em 2020? Quem
acreditaria em três pirralhos que diziam ter visto a aparição de uma santa? Chegaria
a ser notícia na imprensa regional? Mais: chegaria até a ser levado a sério
pelos pais das crianças? Pois…
Também é necessário recordar que,
naquela altura, Portugal vivia uma fase bastante turbulenta. A monarquia tinha
dado lugar à República, marcada por instabilidade governativa e por um conflito
entre o poder político e a Igreja. E dezenas de milhares de soldados
portugueses tinham saído do país para participar na Primeira Guerra Mundial e combater
em Angola
e Moçambique, colónias que tinham sido invadidas por forças alemães. Além
disso, Portugal era um país maioritariamente católico, pobre e inculto.
Apesar deste contexto caótico e
da ausência de provas credíveis, o fenómeno não só é celebrado anualmente como
leva ao Santuário de Fátima milhares de peregrinos a 13 de maio, quando se
cumpre o aniversário da primeira aparição. E a quem se exige máximo rigor, como
é o caso dos órgãos de comunicação social, continua a referir-se a “aparições”
e não a “alegadas aparições”. Nem parece que vivemos num estado laico. Está
enraizado (ponto).
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