Adriano Lussivica está no Louletano desde o verão do ano passado |
A cumprir a primeira temporada em Portugal
no âmbito do protocolo entre a AFA e o Louletano, o jovem avançado Adriano Lussivica
tem estado a evoluir no Campeonato
de Portugal, o terceiro escalão do futebol luso.
Nascido a 7 de julho de 2000 na
República Democrática do Congo, foi viver aos cinco anos para o município de
Viana, em Luanda, onde cresceu. Criado com uma educação muito religiosa e
oriundo de uma família humilde, teve uma infância idêntica à de todas as
crianças das zonas periféricas de Luanda, com várias dificuldades devido à
falta de condições de saneamento, segurança e projetos sociais.
Mas foi no futebol que encontrou
um refúgio, começando a dar nas vistas nos Escorpiões da Boa Fé e na curta
passagem pelo Domante do Bengo, mas foram as suas exibições nos campeonatos de rua
que lhe deram a oportunidade de fazer testes na Academia de Futebol de Angola
(AFA). Passou no teste afirmou-se na formação da AFA, tendo visto o bom
desempenho coroado com uma chamada a seleção
angolana de sub-15, em 2014, para disputar o Torneio da CPLP.
ROMILSON TEIXEIRA - Quem é Adriano Lussivica e como se define?
ADRIANO LUSSIVICA - Sou uma
pessoa bastante amável e simples. Gosto muito de fazer amizade com gente nova,
respeito a diferença que existe entre eu e os outros, quer a nível
comportamental como social.
Com que idade e como surgiu o seu gosto pelo futebol?
Não me lembro concretamente com
que idade, mas a minha mãe diz que eu comecei a jogar desde muito pequeno, desde
os dois anos. Eu recusava qualquer brinquedo, só gostava de receber como prenda
uma bola de futebol.
Fez quase toda a formação na AFA. Como surgiu essa oportunidade de
entrar na Academia de Futebol de Angola?
Comecei no bairro, como qualquer
um, comigo não foi diferente, depois fui para o Escorpiões da Boa Fé, um clube
de Viana. depois joguei no Domant, mas foi algo rápido porque alguém me viu a
jogar no bairro com os meus amigos, simpatizou com a minha maneira de jogar,
disse-me que me levaria para a AFA e foi assim que entrei para a academia em
2013. Mas foi muito difícil porque havia mais de 500 atletas para o teste e só
precisavam de 50, e eu fui um dos escolhidos.
O que significou para o Adriano jogar numa das melhores academias de Angola?
Foi bom, porque sempre fui bem
tratado por todos, sempre me apoiaram em tudo e isso facilitou bastante. O
sentimento que tenho é de satisfação e de muito orgulho por tudo o que lá
aprendi. Hoje digo, sem medo de errar, que tudo que o que sou é graças à AFA,
que sempre investiu no meu bem-estar.
“Quando chegava a casa ouvia dizer que tinham assaltado ou baleado alguém”
Lussivica leva um golo em quatro jogos no Campeonato de Portugal |
Quais foram as principais dificuldades que enfrentou na AFA?
As principais dificuldades foram
a distância e os perigos que enfrentei durante cerca de três anos. Acordava às quatro
da madrugada, saía de casa meia hora depois e tinha de caminhar cerca cinco
quilómetros para apanhar o transporte do clube para os treinos. E regressava a casa
às 22.00 e por vezes às 23.00.
Alguma vez foi vítima de assalto ou de tentativa de roubo?
Graças a Deus nunca fui vítima,
mais sofri várias tentativas, das quais sempre me pus em fuga e nunca me apanharam.
Normalmente eu saía e quando regressava a casa ouvia dizer que tinham assaltado
alguém ou que alguém tinha sido baleado ou morto, coisas difíceis de acreditar,
mas era é a minha realidade. Infelizmente passei por isso muitas das vezes,
ouvia tiroteios de noite e tenho de sair pela madrugada.
Perante todas essas dificuldades nunca pensou em desistir? Como é que
um jovem atleta consegue superar estes traumas e seguir em frente?
Pessoalmente nunca pensei nisso,
mas a minha família a certa altura pensou, porque o índice de criminalidade
estava cada vez mais alto. Mas fui muito forte perante estes factos e
falei com os meus pais. Via a preocupação nos olhos deles, mas graças a Deus
sempre apoiaram as minhas decisões e conseguimos entender-nos quanto a isso,
concordando que eu deveria continuar. Tive também o apoio de um vizinho. Foi
uma fase incrível da minha vida, porque os meus pais nunca estiveram de acordo
que eu jogasse futebol, sempre foram contra, mas quando perceberam que eu tinha
talento foram eles que mais me apoiaram e que muito fizeram por mim.
Quais são as suas melhores memórias do tempo em que jogava na AFA?
Quando toda a minha família foi ver-me
a jogar, é algo que não tiro da minha cabeça, bem como jogo contra o FC
Porto no nosso estádio em 2014.
Em 2014 esteve nos jogos da CPLP a representar a seleção
angolana de sub-15. Como descreve esta experiência?
Foi um momento único na minha
vida, representar a seleção nacional é o sonho de qualquer jogador. Foi uma
grande experiência, pude partilhar balneários com grandes jogadores da minha
geração. Éramos adversários pelos clubes, mas naquele momento estávamos a
defender as mesmas cores, foi algo incrível para mim. Também tivemos a oportunidade
de desfrutar do futebol com atletas de outros países e saber um pouco das
culturas deles.
“Não conhecia o Louletano”
Lussivica estagiou no FC Porto e no Deportivo da Corunha |
Como surgiu a oportunidade de se mudar da AFA para o Louletano? Já
conhecia o clube?
Não conhecia o Louletano. Foi
fruto de uma um protocolo que o Louletano tem com a AFA, em que está acordado
que os atletas da AFA podem ter a oportunidade de poder representar o Louletano.
O que acha desse protocolo? Como foi o seu primeiro ano em Loulé?
Acho que é ótimo, porque nos dá a
oportunidade de poder jogar na Europa.
O meu primeiro ano no Louletano foi bom. Fui bem-recebido, as pessoas são super
boas, tratam-nos bem e isso ajudou muito na minha adaptação.
O que acha da massa adepta do clube e o que é que o Louletano significa
para si?
A nossa massa adepta não é muito
numerosa, mas é a melhor, porque estão sempre connosco, em todos momentos. O
Louletano é tudo para mim, tem uma grande importância na minha vida, porque as
pessoas acreditaram em mim e deram-me a oportunidade de poder desfrutar do futebol
europeu, por isso digo que o Louletano é tudo para mim. Não tenho palavras
para agradecer.
Como está a ser a sua adaptação a Portugal?
Foi fácil. Não pensava que seria
assim tão rápido e penso que isso se deve à forma como fomos recebidos.
A diferença é simples. Em Angola
apostamos mais num futebol direto. Uma ou outra equipa tenta jogar com
princípios de posse de bola, mas a maior parte aposta num futebol direto, com
muito contacto físico e individualismo. Mas importante referir que existem
alguns clubes com estes princípios do futebol
europeu. Já o futebol
português é mais tático, também ofensivo, mas com mais inteligência do que
força. Foram estes pontos que notei.
O seu primeiro golo pela equipa principal do Louletano foi frente Armacenenses
e foi um golaço! É capaz de descrever a jogada e o que sentiu quando a bola
entrou na baliza?
A bola vinha do corredor
esquerdo, de um cruzamento do Nuno [Pereira], e o nosso avançado [Érico
Castro] foi à disputa da mesma, mas o central fez o corte, porém, foi um
corte incompleto e a bola sobrou para a entrada da área. Eu fui disputar a bola
com o médio do Armacenenses, ganhei-a, passei-a ao nosso lateral direito,
desmarquei-me para trás, pedi a bola novamente, e não pensei duas vezes: só fiz
a receção e disparei logo para o lado oposto ao do guarda-redes. Foi um momento
de muita alegria e muita emoção, e o que tornou o golo mais especial ainda foi
o facto de o jogo estava empatado (2-2) e o meu golo deu a vitória. Foi um
momento único!
“Palavras são pobres demais para descrever a humildade do Hélio Pinto”
No Louletano teve dois colegas com um estatuto bem diferente: Ângelo
Taveira, uma promessa do Farense; e o Hélio Pinto, um jogador muito experiente,
que jogou em clubes como Benfica, APOEL e Legia Varsóvia. Que futuro perspetiva
ao primeiro e como foi partilhar o balneário com o segundo?
Fico sem palavras para descrever
essas duas grandes pessoas e grandes jogadores. Ao Ângelo
desejo tudo de bom e um futuro cheio de prosperidade, com muito sucesso na
carreira.
O Hélio Pinto é uma pessoa
espetacular, que não tenho palavras para descrever. Penso que palavras são
pobres demais para descrever humildade dele. O Hélio é de um outro nível, nunca
vi alguém como ele até agora no mundo do futebol. Ele está sempre disposto
ajudar, dar conselhos e tudo mais, e devo realçar que o Hélio já jogou a Liga
dos Campeões e defrontou o Real Madrid e outras grandes equipas. Tenho um
grande respeito por ele.
O Louletano divide os seus jogos por dois estádios, o Municipal de
Loulé e o Estádio Algarve. Que diferença sente ao jogar em cada um dos estádios
e em qual deles mais gosta de jogar?
Claro que nem se compara o Estádio
Algarve com o Municipal de Loulé, é sempre melhor jogar no Estádio Algarve. A
qualidade do relvado é totalmente diferente.
Durante a sua carreira fez estágios no FC
Porto e no Deportivo da Corunha. Fale-nos destas experiências.
Foram grandes momentos da minha
vida, porque tive a oportunidade de treinar com grandes jogadores, que hoje
atuam na I
Liga portuguesa e outros na II Liga espanhola. Foram grandes momentos em
que tive a oportunidade de aprender muita coisa. Ajudaram-me bastante a
perceber melhor as diferentes situações de jogo.
“Não passo um dia sem ver vídeos de Ronaldinho”
Como se define enquanto jogador e quais são as suas grandes
referências?
Eu sou um jogador rápido,
decisivo no último terço, com qualidade de passe e forte fisicamente e
tecnicamente. Gosto de ver o Ary Papel, Gelson Dala e Fredy Ribeiro. Também aprecio
muito Ronaldinho Gaúcho, atualmente não passo um dia sem ver os vídeos dele.
Que conselhos deixa a todos os jovens que sonham ser futebolistas?
Que não desistam dos seus sonhos,
que tudo é possível e que os resultados aparecem para aqueles que
trabalham. Devem gostar sempre de trabalhar arduamente para se tornarem grandes
jogadores.
Entrevista realizada
por Romilson Teixeira
Sem comentários:
Enviar um comentário