quarta-feira, 13 de maio de 2020

Fátima. Aparições ou alegadas aparições?

Santuário de Fátima recebe anualmente milhares de peregrinos
Não venho aqui prolongar a velha discussão entre crentes e não crentes – como é o meu caso – sobre a existência ou não das várias figuras mitológicas de cada religião. Primeiro, porque há inúmeros documentos escritos em múltiplos idiomas onde os fiéis das várias crenças se podem refugiar. Depois, porque acima de tudo se trata de uma questão de fé. E quando à Bíblia ou ao Corão se junta a fé, de pouco vale trocar argumentos.


Porém, em Portugal há um fenómeno de tal maneira enraizado na sociedade – raízes essas solidificadas durante o período de ditadura, marcado pela ausência de uma imprensa livre – que pouco ou nada se discute: Fátima. Eu próprio nunca me tinha debruçado sobre o assunto até um professor no ensino superior ter desafiado a turma a imaginar o fenómeno das aparições no século XXI.

Reza a história que três crianças entre os sete e os dez anos – os tais pastorinhos – testemunharam meia dúzia de aparições de Nossa Senhora do Rosário de Fátima na Cova da Iria, em Fátima, concelho de Ourém. A primeira terá ocorrido a 13 de maio de 1917 e, daí e em diante, o fenómeno terá sido repetido durante seis meses seguidos, sempre a dia 13 – a exceção foi em agosto, quando ocorreu a dia 19 – até outubro. A última aparição terá mesmo sido testemunhada por milhares de pessoas, mas jornalistas presentes no local garantem nada ter visto.

E se acontecesse em 2020? Quem acreditaria em três pirralhos que diziam ter visto a aparição de uma santa? Chegaria a ser notícia na imprensa regional? Mais: chegaria até a ser levado a sério pelos pais das crianças? Pois…

Também é necessário recordar que, naquela altura, Portugal vivia uma fase bastante turbulenta. A monarquia tinha dado lugar à República, marcada por instabilidade governativa e por um conflito entre o poder político e a Igreja. E dezenas de milhares de soldados portugueses tinham saído do país para participar na Primeira Guerra Mundial e combater em Angola e Moçambique, colónias que tinham sido invadidas por forças alemães. Além disso, Portugal era um país maioritariamente católico, pobre e inculto.

Apesar deste contexto caótico e da ausência de provas credíveis, o fenómeno não só é celebrado anualmente como leva ao Santuário de Fátima milhares de peregrinos a 13 de maio, quando se cumpre o aniversário da primeira aparição. E a quem se exige máximo rigor, como é o caso dos órgãos de comunicação social, continua a referir-se a “aparições” e não a “alegadas aparições”. Nem parece que vivemos num estado laico. Está enraizado (ponto).




















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