“Não perdemos nenhum jogo para o
campeonato até à primavera [primeira derrota foi nas Antas, na 21.ª jornada,
após 18 vitórias e dois empates]. Com o título praticamente ganho, focámo-nos
na Taça
dos Campeões [Europeus]. Atingimos os quartos de final depois de afastarmos
os pequenos irlandeses do Linfield e os gregos do Olympiakos. Mas agora
estávamos frente a frente com um duro opositor – Liverpool,
campeão de Inglaterra e vencedor de três Taças
dos Campeões nos últimos sete anos. Como muitos suecos, eu tinha sido um
adepto do Liverpool
na minha juventude. Agora ia ter a hipótese de liderar uma equipa no lendário Anfield”,
contextualizou o treinador
nórdico no livro autobiográfico Sven – A Minha História,
publicado em 2013. “Sentia que podíamos desafiar o Liverpool.
O principal era não sofrermos muitos golos na primeira mão, fora. Construí uma
equipa de certa forma defensiva e jogámos bem. Mas, no segundo tempo, não
conseguimos aguentar a pressão do Liverpool
e Ian Rush marcou. Fiquei satisfeito com o 0-1. Continuávamos com boas
hipóteses de seguir em frente. Em Lisboa, as coisas seriam diferentes”,
recordou Eriksson.
Essa expetativa, talvez demasiado
alta, acabou por ferir o treinador
sueco quando se deparou com o desfecho da eliminatória. “Em casa, optei por
uma equipa muito mais ofensiva, com dois pontas de lança, Nené e Manniche. O
início foi positivo, mas, aos dez minutos, tudo se desmoronou. O Liverpool
conseguiu pôr um centro na nossa grande área e, apesar de a cabeçada de Ronnie
Whelan ter sido fraca e na direção do guarda-redes, a bola passou pelo meio das
pernas de Bento. E tudo ficou pior ainda. Perdemos a bola no nosso meio-campo e
Kenny Dalglish e Ian Rush trocaram-na entre si antes de ser colocada num
isolado Craig Johnston que fez o 2-0. Estava tudo perdido. Ainda marcámos um
golo na segunda parte [por Nené, aos 74’], mas o Liverpool
fez mais dois [por Rush aos 78’ e Whelan aos 84’], ganhando por 4-1. Estávamos
fora da Taça
dos Campeões. Os adeptos sentiram a derrota muito fortemente. Havia grandes
esperanças em chegar à final e foi como se o balão do clube esvaziasse. Bem
como o meu. Comecei a pensar se já não teria chegado o mais longe que era
possível com o Benfica”,
escreveu o treinador
sueco na obra autobiográfica.
A juntar a este desalento, Eriksson
deparou-se com o interesse de um clube importante no panorama europeu. “Certo
dia, vinha do treino a conduzir, quando um táxi se colou ao meu carro buzinando
e fazendo sinais de luzes. Um homem, no assento traseiro, fazia-me sinais para
encostar. Descobri que era um empregado da Embaixada de Itália e que me trazia
uma mensagem – Dino Viola queria falar comigo. Dino Viola era o presidente da AS
Roma”, contou o técnico
sueco. “O homem da Embaixada disse-me
que o nosso encontro devia ser altamente confidencial. Deu-me o contacto de
Viola e urgiu-me a ligar-lhe o mais rapidamente possível. Fui imediatamente
para casa e fiz a chamada. Riccardo Viola, um dos dois filhos de Dino, atendeu.
Explicou-me que o seu pai ficara verdadeiramente impressionado com a forma como
o Benfica
jogara contra a AS
Roma na época anterior. Estavam à procura de um técnico, e queriam
naturalmente saber se o sueco
que fizera tão bom trabalho no Benfica
estaria interessado no cargo”, prosseguiu Eriksson,
que “não disse sim de imediato”, “mas podia tê-lo feito”, pois percebeu “desde
logo que era uma oportunidade que não devia desperdiçar”. Quando defrontou a AS
Roma na Taça
UEFA em março de 1983, ficou apaixonado por Itália, tendo mesmo dito à
mulher, Anki, que os dois haveriam de viver na capital transalpina. E quis o
destino que essa oportunidade batesse à porta: “Era o melhor campeonato do
mundo. E agora tinha um convite para treinar os campeões italianos.”
Dino Viola e Sven-Göran Eriksson na capital italiana
Entretanto, o empresário do
treinador, o compatriota Börje Lantz, foi a Roma para negociar e voltou com um
contrato pronto para Eriksson
assinar. “Tudo parecia em ordem. Só havia um problema: em Itália, havia regras
especiais para os treinadores não italianos. Não podiam ter contacto com a
equipa durante o jogo. Não podiam sentar-se no banco. Nils Liedholm
ultrapassara essa burocracia porque se tornara cidadão italiano. Foi-me
garantido, no entanto, que as regras iriam mudar para a época que se seguiria.
Mas não foi assim tão rápido”, contou o treinador, que também teve um contacto
do Tottenham
e foi abordado para comandar o Barcelona
de Diego
Maradona.
“Definitivamente, não queria
ver-me embrulhado na burocracia italiana, mas tinha-me sido prometido que as
regras iriam ser alteradas antes do início da época seguinte. Itália era o meu
destino preferido. Queria ir para Roma. Já tinha tomado a decisão”, continuou Eriksson,
que ainda teria de tratar de convencer o presidente do Benfica
a libertá-lo. Um assunto para gerir com pinças, até pela boa relação que se
estabeleceu entre ambos: “Havia uma pessoa que eu tinha medo de desiludir –
Fernando Martins.” “Depois da primeira época no Benfica,
o meu contrato fora renovado e, tal como no Gotemburgo, pedi para se incluir
uma cláusula que me permitisse sair se houvesse um convite de outro grande
clube estrangeiro. Isso não queria dizer que Fernando Martins me deixasse sair
facilmente. Queria que eu ficasse. Fui almoçar com ele e com Börje ao Hotel
Altis. Quando lhe falei na AS
Roma e na decisão que havia tomado, ficou transtornado. ‘Não, mister, não
pode fazer isso’, disse. Procurou convencer-me a ficar, garantindo que iria
comprar mais jogadores e fazer o Benfica
maior do que nunca. Senti-me como se o estivesse a trair; a ele, aos jogadores
e aos adeptos. Ainda bem que Börje estava ao meu lado. Ele adorava estas
coisas: discussões e negociações. Relembrou a Fernando Martins o excelente
trabalho que eu tinha feito no Benfica.
Mesmo que gostasse muito do cargo, tinha chegado a altura de o entregar a
outro, justificou”, revelou Eriksson,
que após ganhar o campeonato se deslocou à capital italiana ver a AS
Roma defrontar o Liverpool
na final da Taça
dos Campeões Europeus: “Mantive-me discreto na bancada enquanto via a minha
nova equipa ser dramaticamente derrotada nos penalties.”
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