O pitbull holandês que jogava de óculos. Quem se lembra de Edgar Davids?
Edgar Davids foi eleito para a equipa ideal do Euro 2000
Permitam-me, neste artigo, uma
nota pessoal. Comecei a ver futebol em meados de 2000, aos oito anos, à boleia
da euforia de grande parte da minha turma com a eminência de o Sporting
se sagrar campeão após 18 anos de jejum. Concluída a temporada de clubes, e
de forma a consolidar essa paixão recente pelo desporto-rei, entrou em minha
casa o Campeonato
da Europa através da televisão. Na altura, ainda sem Florentino Pérez na
presidência do Real
Madrid nem magnatas a tomar conta dos principais clubes ingleses, o talento
estava muito melhor distribuído do que está hoje. As seleções ainda eram o
expoente máximo do futebol – hoje não, hoje são os clubes de topo que são
verdadeiras seleções.
A forma como um miúdo de oito
anos olha para o futebol é diferente de a de um adulto. Os que marcavam os
golos, faziam defesas impossíveis e fintavam bem é que eram, aos meus olhos, os
melhores. E também fixa mais certos pormenores extrafutebol: os beijos na
careca de Barthez, o rabo de cavalo de Emmanuel Petit, a barba e o cabelo loiros
a contrastar com a cor de pele de Abel Xavier, o penteado sempre impecável de
Nuno Gomes, os vários “Van” da Holanda
e, claro, aquele jogador holandês negro que usava óculos e tinha rastas, Edgar
Davids. Lembro-me de o meu pai me
explicar que não era uma questão de estética, mas de proteção na sequência de um acidente que o então
futebolista da Juventus
tinha sofrido. Afinal, não tinha sido um acidente, mas sim uma doença, um
glaucoma que começou a ser desenvolvido em 1995 e ao qual teve de ser operado
em 1999. Desde a cirurgia, passou a utilizar óculos de proteção. Mas Davids não era só o tipo dos óculos.
Aliás, até foi escolhido para o onze ideal do Euro
2000. Também era um médio que, embora baixo (1,69 m), era bastante combativo,
trabalhador, rápido, forte e resistente, o que lhe valeu várias alcunhas, sendo
que a de “pitbull”, atribuída por Louis van Gaal, foi a que melhor pegou. E a
essa combatividade aliava qualidade técnica, visão de jogo, dinâmica e capacidade
de drible, fazendo lembrar o futebol de rua. Nascido no Suriname em 13 de
março de 1973, cresceu nos Países
Baixos, fez a formação no Ajax
e fez a estreia pela equipa principal aos 18 anos e cinco meses, tendo ajudado
a equipa
de Amesterdão a conquistar três campeonatos, a Taça
UEFA em 1991-92 e a Liga
dos Campeões em 1994-95. Em 1995-96 participou na caminhada até à final da Champions
perdida para a Juventus
nos penáltis, tendo inclusivamente falhado uma das grandes penalidades.
A seguir à final perdida, Davids
beneficiou da Lei Bosman para se transferir a custo zero para o AC
Milan, na companhia do companheiro de equipa Michael Reiziger, mas não
vingou e acabou por se mudar para a Juventus
depois de uma longa recuperação de uma lesão grave. Na vecchia
signora formou uma fantástica parceria a meio-campo com Zinédine
Zidane, que atuava mais adiantado. Em cerca de seis anos em Turim venceu
três campeonatos e uma Supertaça, tendo sido apelidado de “minha sala de
máquinas de um homem só” por parte do treinador Marcello Lippi. Nesse período
também participou nas caminhadas até às finais da Champions
em 1997-98 e 2002-03.
No primeiro semestre de 2004 foi
emprestado ao Barcelona,
ajudando os catalães
a se restabelecerem como uma equipa de topo em Espanha,
e em 2004-05 regressou a Itália
para representar o Inter
de Milão, mas sem grande sucesso. A partir daí iniciou a curva
descendente da carreira, tendo passado por Tottenham,
voltado ao Ajax
e representado o Crystal Palace no Championship. Paralelamente, somou 74
internacionalizações e seis golos pela seleção
da Holanda, hoje designada Países
Baixos. Marcou presença nos Campeonatos da Europa de 1996, 2000
e 2004 e no Mundial 1998.
Após pendurar as botas iniciou
uma modesta carreira de treinador, tendo tido uma surpreendente passagem pelo
comando técnico do Olhanense,
então no Campeonato
de Portugal, em 2020-21.
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