Zequinha é o líder dos goleadores da Liga 3 em 2022-23 |
Não gosto de escrever ao sabor da espuma dos dias. Por isso publico este artigo poucos dias após o bonito golo de cabeça de Zequinha na goleada por 5-2 ao Belenenses ter passado de certa forma despercebido perante o bis de Gabriel Lima, o extraordinário golo de David Santos ou a exibição monstruosa de André Santos diante dos azuis.
Nas redes sociais são constantes
as referências à lealdade de Francesco Totti à AS
Roma e de Steven Gerrard ao Liverpool
durante toda a carreira, à incursão na Série B italiana que Gianluigi Buffon,
Pavel Nedved, David Trezeguet e outros não se importaram de fazer com a
camisola da Juventus
em 2006-07 e à forma como Alessandro Lucarelli acompanhou o Parma
após a despromoção administrativa à Série D em 2015 até recolocar os parmesãos
no primeiro
escalão de Itália em 2018, mas ainda se fala pouco dos resistentes que se
mantiveram no Vitória
de Setúbal após a descida de divisão na secretaria ao Campeonato
de Portugal em 2020.
Zequinha, Semedo,
Nuno Pinto, Mano, André Sousa, André
Pedrosa, João
Valido e Mathiola – tantos, para um clube que havia sido despromovido por
irregularidades financeiras… – foram os jogadores da equipa principal que
aceitaram baixar duas divisões para segurar o barco sadino.
Desses, por uma razão ou por outra, apenas o primeiro e último se mantêm no plantel. E, no caso de Zequinha, com um rendimento que sugere que ainda tem futebol para estar um nível acima. Foi
o melhor marcador do Campeonato
de Portugal em 2020-21 – com os mesmos 16 golos de Ricardo Rodrigues (Alverca)
–, na época seguinte foi o goleador-mor da equipa na Liga 3 – com os mesmos
oito golos de Varela, que fez mais onze jogos – apesar de ter estado afastado
dos relvados durante quatro meses e meio devido a uma lesão no joelho direito,
e na presente temporada é o principal artilheiro da Liga 3, mesmo estando ao
serviço de uma equipa que ocupa os lugares do fundo da tabela da sua série.
Mas resumir Zequinha a um jogador
leal ao Vitória
é demasiado redutor.
Em primeiro lugar, porque – pasme-se!
– o avançado de 36 anos não é propriamente uma figura unânime aos olhos dos
adeptos. À beira-Sado, é costume dizer-se que Setúbal é uma boa madrasta, mas
uma má mãe. Talvez por isso haja uma cobrança maior ao mais destacado filho da
terra na principal equipa da cidade por parte de uma ruidosa minoria, o que é audível nas bancadas do Bonfim
e está disponível aos olhos de todos nas redes sociais.
Em segundo lugar, porque Zequinha
é a alma e o coração da equipa, o que ainda tem sido mais evidente nesta
temporada, em que as coisas, coletivamente, estão a correr muito mal. De uma
forma contagiante e aguerrida, vamos vendo o n.º 87 do Vitória
constantemente aos esticões à procura de dar uma solução ofensiva aos
companheiros – e mesmo assim durar os 90 minutos… – e, em momentos defensivos,
a correr atrás da bola como se de um prato de comida se tratasse. De falta de
vontade e de não correr para trás jamais o podem acusar. Vendo a partir de
fora, diria que talvez se pudesse alhear a uma ou outra “boca” e desgastar menos
com conversas com árbitros e adversários, o que só lhe retira o foco do jogo,
mas não se pode negar que essa é uma atitude consonante com aquela que
demonstra quando a bola está a rolar. Tudo em defesa do seu Vitória.
Se algumas linhas acima escrevi
que Zequinha não é só lealdade, acrescento agora que também não é só lealdade e
atitude. Também é qualidade.
Pode fazer qualquer uma das
posições do ataque, mas, pessoalmente, gosto mais de o ver ao meio, de
preferência se tiver outro avançado ao lado. Além de ficar mais perto da zona
de finalização, consegue ser o tal “avançado associativo” que hoje está
tão na moda e vai vagabundeando livremente pelos três corredores, sempre com dinâmica
e proatividade. Esta temporada tem jogado como ponta de lança único e tem
correspondido, dando profundidade, largura, o tal futebol associativo e, acima
de tudo, golos, ainda que a zona de finalização fique algo despovoada quando este
internacional português pelas seleções jovens sai de lá. Leva 13 remates certeiros
na Liga 3 em 2022-23 e arrisco dizer que, se não fosse a ânsia de querer tanto
ajudar o clube do coração, ainda seria mais eficaz em frente à baliza.
Certamente que os adeptos do Vitória
gostariam de estar na I
Liga, mas seguramente que muitos adeptos de emblemas atualmente no primeiro
escalão gostariam de ter alguém que os representasse tão bem em campo como
Zequinha o faz no Bonfim.
Numa altura em que o clube não tem a maioria da SAD, é também ele um dos
bastiões que fazem com que as duas entidades sejam vistas como uma só. É uma
pena que, com o passar do tempo, vão diminuindo as hipóteses de o avançado setubalense
voltar a jogar pelo clube que tanto ama no patamar
maior do futebol português.
Um texto formidável onde não só ressalta a grande valorização ao futebol mas também a um clube bem abaixo do nível visível para o cidadão comum e também a valorização de um grande empenho, esforço e dedicação não só de Zequinha, como também, de um grupo que segue junto nesta ideia de conseguir levantar o Vitória Futebol Clube.
ResponderEliminarExtraordinário.