terça-feira, 7 de março de 2023

Como não admirar Zequinha?

Zequinha é o líder dos goleadores da Liga 3 em 2022-23
Não gosto de escrever ao sabor da espuma dos dias. Por isso publico este artigo poucos dias após o bonito golo de cabeça de Zequinha na goleada por 5-2 ao Belenenses ter passado de certa forma despercebido perante o bis de Gabriel Lima, o extraordinário golo de David Santos ou a exibição monstruosa de André Santos diante dos azuis.

Nas redes sociais são constantes as referências à lealdade de Francesco Totti à AS Roma e de Steven Gerrard ao Liverpool durante toda a carreira, à incursão na Série B italiana que Gianluigi Buffon, Pavel Nedved, David Trezeguet e outros não se importaram de fazer com a camisola da Juventus em 2006-07 e à forma como Alessandro Lucarelli acompanhou o Parma após a despromoção administrativa à Série D em 2015 até recolocar os parmesãos no primeiro escalão de Itália em 2018, mas ainda se fala pouco dos resistentes que se mantiveram no Vitória de Setúbal após a descida de divisão na secretaria ao Campeonato de Portugal em 2020.
 
Zequinha, Semedo, Nuno Pinto, Mano, André Sousa, André Pedrosa, João Valido e Mathiola – tantos, para um clube que havia sido despromovido por irregularidades financeiras… – foram os jogadores da equipa principal que aceitaram baixar duas divisões para segurar o barco sadino. Desses, por uma razão ou por outra, apenas o primeiro e último se mantêm no plantel. E, no caso de Zequinha, com um rendimento que sugere que ainda tem futebol para estar um nível acima. Foi o melhor marcador do Campeonato de Portugal em 2020-21 – com os mesmos 16 golos de Ricardo Rodrigues (Alverca) –, na época seguinte foi o goleador-mor da equipa na Liga 3 – com os mesmos oito golos de Varela, que fez mais onze jogos – apesar de ter estado afastado dos relvados durante quatro meses e meio devido a uma lesão no joelho direito, e na presente temporada é o principal artilheiro da Liga 3, mesmo estando ao serviço de uma equipa que ocupa os lugares do fundo da tabela da sua série.
 
Mas resumir Zequinha a um jogador leal ao Vitória é demasiado redutor.
 
Em primeiro lugar, porque – pasme-se! – o avançado de 36 anos não é propriamente uma figura unânime aos olhos dos adeptos. À beira-Sado, é costume dizer-se que Setúbal é uma boa madrasta, mas uma má mãe. Talvez por isso haja uma cobrança maior ao mais destacado filho da terra na principal equipa da cidade por parte de uma ruidosa minoria, o que é audível nas bancadas do Bonfim e está disponível aos olhos de todos nas redes sociais.
 
Em segundo lugar, porque Zequinha é a alma e o coração da equipa, o que ainda tem sido mais evidente nesta temporada, em que as coisas, coletivamente, estão a correr muito mal. De uma forma contagiante e aguerrida, vamos vendo o n.º 87 do Vitória constantemente aos esticões à procura de dar uma solução ofensiva aos companheiros – e mesmo assim durar os 90 minutos… – e, em momentos defensivos, a correr atrás da bola como se de um prato de comida se tratasse. De falta de vontade e de não correr para trás jamais o podem acusar. Vendo a partir de fora, diria que talvez se pudesse alhear a uma ou outra “boca” e desgastar menos com conversas com árbitros e adversários, o que só lhe retira o foco do jogo, mas não se pode negar que essa é uma atitude consonante com aquela que demonstra quando a bola está a rolar. Tudo em defesa do seu Vitória.

 
Se algumas linhas acima escrevi que Zequinha não é só lealdade, acrescento agora que também não é só lealdade e atitude. Também é qualidade.
 
Pode fazer qualquer uma das posições do ataque, mas, pessoalmente, gosto mais de o ver ao meio, de preferência se tiver outro avançado ao lado. Além de ficar mais perto da zona de finalização, consegue ser o tal “avançado associativo” que hoje está tão na moda e vai vagabundeando livremente pelos três corredores, sempre com dinâmica e proatividade. Esta temporada tem jogado como ponta de lança único e tem correspondido, dando profundidade, largura, o tal futebol associativo e, acima de tudo, golos, ainda que a zona de finalização fique algo despovoada quando este internacional português pelas seleções jovens sai de lá. Leva 13 remates certeiros na Liga 3 em 2022-23 e arrisco dizer que, se não fosse a ânsia de querer tanto ajudar o clube do coração, ainda seria mais eficaz em frente à baliza.
 
Certamente que os adeptos do Vitória gostariam de estar na I Liga, mas seguramente que muitos adeptos de emblemas atualmente no primeiro escalão gostariam de ter alguém que os representasse tão bem em campo como Zequinha o faz no Bonfim. Numa altura em que o clube não tem a maioria da SAD, é também ele um dos bastiões que fazem com que as duas entidades sejam vistas como uma só. É uma pena que, com o passar do tempo, vão diminuindo as hipóteses de o avançado setubalense voltar a jogar pelo clube que tanto ama no patamar maior do futebol português.







 
 





1 comentário:

  1. Um texto formidável onde não só ressalta a grande valorização ao futebol mas também a um clube bem abaixo do nível visível para o cidadão comum e também a valorização de um grande empenho, esforço e dedicação não só de Zequinha, como também, de um grupo que segue junto nesta ideia de conseguir levantar o Vitória Futebol Clube.

    Extraordinário.

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