Na supercompetitiva e caótica II
Liga, onde quem normalmente leva a melhor não é quem tem mais qualidade, mas
sim quem erra menos, ainda há espaço para um futebol mais elaborado e
esteticamente mais aprazível associado a resultados desportivos. É o caso do
Estoril de Luís Freire, um clube e um treinador que vinham de realidades distintas,
mas que estão a funcionar bem em conjunto à beira do final da primeira volta,
com os canarinhos a praticarem bom futebol e a estarem envolvidos na luta a
três pela subida ao primeiro escalão, juntamente com Famalicão e Paços de
Ferreira.
Com um plantel recheado de
jogadores experientes e com perfil atlético, talvez fosse mais fácil para o
treinador de 33 anos não inventar muito, montar uma equipa pragmática, à procura
de chegar à frente em transições sem se desmontar muito e à espera que
avançados com a capacidade de Kléber, Roberto, Sandro Lima ou Dadashov
resolvessem na área contrária. Contudo, o homem que guiou Ericeirense, Pêro
Pinheiro e Mafra a subidas de divisão em campeonatos não profissionais nas
últimas épocas tem mostrado que tem ideias próprias e não tem receio de as colocar
em prática.
Na estreia numa liga profissional,
implementou uma construção de jogo arrojada e pouco vista no futebol mundial. A
equipa, que no papel se poderá esquematizar em 4x2x3x1 ou 4x4x2, posiciona-se
em 3x4x3 (ou 3x2x4x1 ou 3x6x1, como preferirem), com os dois centrais e um dos
laterais – o direito, neste caso – a assegurarem a saída de bola, ao contrário
do que normalmente se vê: os dois centrais e um médio entre eles.
Quem não tiver a visão viciada e
por isso não saber que João Góis (ou Pedro Queirós) é um lateral direito, até
poderá persistir que o sistema canarinho é de três centrais e não de quatro
defesas. E, na realidade, não há como negar que na fase ofensiva é isso que acontece.
O lateral esquerdo (Furlan) aparece projetado e aberto no respetivo corredor,
enquanto no lado direito é o extremo Aylton que cumpre missão paralela. E
aquele que no papel é um extremo esquerdo (Filipe Soares), surge em zonas
interiores, ocupando o espaço entre linhas em cunha com o segundo avançado
(Sandro Lima).
Perante esta disposição no
terreno, os dois elementos do duplo pivot
do meio-campo (Gonçalo
Santos e Wallyson)
mostram-se aos defesas para começar a ligar o jogo, podendo prosseguir essa
ligação com um futebol de pé para pé para os segundos avançados (Filipe Soares
e Sandro Lima), explorar o espaço de que os alas (Aylton ou Furlan) possam dispor
ou esticar diretamente no ponta de lança (Dadashov), que se fixa mais entre os
centrais adversários. Entre tantas trocas e movimentações, imagine-se a dificuldade de quem está do outro lado para acertar marcações.
Estoril em fase defensiva, com os quatro defesas alinhados |
No entanto, quem no momento
ofensivo vê um 3x4x3 também vislumbra um 4x4x2 (ou 4x2x3x1) na fase defensiva,
com o lateral esquerdo (Furlan) a surgir na mesma linha dos restantes três
defesas e o (falso) extremo esquerdo (Filipe Soares) a fechar o flanco. E a
transição ataque-defesa, que separa os dois momentos referidos, caracteriza-se
por uma rápida e agressiva reação à perda da bola, com o duplo pivot a ter um papel fundamental na
pressão e na ocupação dos espaços enquanto o lateral e o extremo do lado
esquerdo transitam para o posicionamento defensivo.
Um Estoril assimétrico, mas com
ideias próprias e de recheado de qualidade para lutar pelo regresso ao patamar
maior do futebol português.
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