quinta-feira, 6 de julho de 2023

Rui Sá: “Amora B? Procura do aperfeiçoamento é inimiga do sucesso desportivo”

Rui Sá está no comando técnico do Amora B desde 2021-22
Por vezes fica a saber no sábado à tarde alguns jogadores que devem jogar no domingo, é obrigado a olhar para as idades quando formula um onze e está sujeito a perder atletas para a equipa principal e recrutar juniores a qualquer momento.
 
Em entrevista, Rui Sá admite que é “duro” e “aliciente” ser treinador de uma equipa B, neste caso a do Amora, diz não perceber os motivos de uma eventual exclusão dos bês amorenses da Taça AF Setúbal, traça os objetivos para a próxima época e revela se sentiu ou não que poderia ter uma oportunidade como técnico do plantel principal quando João Pereira saiu.
 
DAVID PEREIRA - O Rui Sá tem sido o treinador do Amora B praticamente desde que o projeto foi retomado, em 2021-22, tendo conquistado o título da II Distrital na primeira época e assegurado a permanência na I Distrital na segunda. Que balanço faz destes dois anos?
RUI SÁ – Foram dois anos muito duros. Trabalhar com jovens jogadores que rapidamente deixam de ter idade para jogar em contexto de equipa B, estar sempre a reformular equipas, levar jogadores acima e trazer jogadores de baixo (sub-19) são projetos muito duros. É duro e é aliciante trabalhar com jogadores mais jovens e tentar potenciá-los ao máximo de forma a poderem chegar mais acima e fazerem carreiras de excelência.
 
E qual é o próximo passo?
O próximo passo da equipa B é estar cada vez mais capaz e com jogadores com mais capacidade para alimentar cada vez mais a equipa A. Esse é o grande objetivo. Queremos uma equipa a jogar com cada vez mais qualidade, com melhores princípios e dotar os jogadores de todas as valências para quando chegarem acima, para a distância entre a I Distrital e a Liga 3 não ser tão grande.
 
Mas a diferença entre a Liga 3 e o Campeonato de Portugal ainda é menor. O objetivo também não passa por colocar os jogadores a competir num contexto competitivo mais elevado?
Isso seria ótimo, mas naturalmente não deixa de ser uma ideia difícil. O nosso princípio não passa pelo resultado, o nosso princípio passa pela qualidade e no que queremos incutir nos nossos jogadores. Não nos preocupamos em ganhar a qualquer custo. Gostamos de ganhar e de ter sucesso, mas naturalmente muitas vezes a procura do aperfeiçoamento condiciona esse mesmo processo desportivo. O adquirir da maturidade para estarem mais acima muitas vezes é inimiga do sucesso desportivo. Claro que, se fosse uma possibilidade, não enjeitaríamos, mas o principal foco está nos jogadores e na potenciação desses mesmos jogadores.  
 
As equipas B nos clubes de I Liga contribuem para uma transição mais suave de júnior para sénior de jogadores que normalmente têm contrato por alguns anos e que teriam como alternativa os empréstimos. No caso do Amora, cuja equipa principal está na Liga 3 e que normalmente oferece contratos mais curtos, quais são as principais vantagens de ter uma equipa B?
A mais valia é que ter uma equipa de sub-19 nos campeonatos nacionais permite que a transição para o futebol sénior, que é muito grande, não se perca. A equipa B, acolhendo alguns desses sub-19, é um espaço de transição e de maturação que, caso não existisse, dificilmente conseguiriam chegar à equipa A o maior número de jogadores. Num ou em dois anos será possível perceber se têm condições para dar o salto. No ano passado tivemos três ou quatro jogadores que viveram esse contexto que conseguiram contratos profissionais e isso só foi possível porque existia este espaço de crescimento. Hoje em dia fala-se muito do José Mário, mas começou a época começou na equipa B e terminou na equipa A, e o Guilherme Magalhães fez o mesmo percurso. Ou seja, tem um espaço de crescimento em baixo que, se não existisse, não sei qual teria sido a opção para crescer e evoluir para depois serem aproveitados em cima.
 
Esses jogadores estavam inscritos nas duas competições? Como funciona essa burocracia?
Fala-se muito de as equipas B irem buscar acima para jogar abaixo. Os espaços das equipas B, em termos de regulamento, têm as faixas etárias muito bem definidas e identificadas. Quando um jogador vem de cima para baixo, passando de uma competição profissional para uma amadora, visa somente recuperar lesões. Não vem à procura do sucesso desportivo, vem à procura de aproveitar esse jogador em contexto de equipa B, porque vem de parado, por lesão ou castigo, ou não foi utilizado nesse fim de semana, e vai para a equipa B para ter esses minutos para estar mais apto para quando for chamado a competir pela equipa A. Não podem vir todos, mas é devidamente pensado durante a semana.
 
E, por outro lado, qualquer jogador da equipa B está elegível para jogar pela equipa A?
Todos os jogadores da equipa B do Amora estão inscritos na Liga 3. Não há jogadores inscritos na competição distrital, todos eles fazem parte do lote de inscritos da equipa A, uns com contrato profissional e outros com contrato amador. Naturalmente que todos os jogadores que foram contratos para a equipa A estão no espaço da equipa A em treino.
 

“Somos informados no sábado à tarde de jogadores que devem competir no domingo”

Rui Sá levou Amora B ao 12.º lugar na I Distrital em 2022-23
Há sempre um limitado número de jogadores que, em termos etários, podem ser a exceção numa equipa B. É quase um Sudoku. O Rui tem muitas dores de cabeça para escolher a equipa tendo em conta todas essas condicionantes?
É complicado, é uma gestão complicada. É contra tudo aquilo que aprendemos, que é o processo, a repetição e o trabalho em equipa. Mas é um processo normal e natural. Há jogadores que nos chegam para ser opção sem terem trabalhado durante a semana connosco e somos informados no sábado à tarde que devem competir no domingo. É o processo normal das equipas B. Não visa nunca a componente desportiva na procura do resultado. Tem a ver sim com esses jogadores terem minutos, por virem de lesão e precisarem de um espaço para ganharem rotinas e ritmo. O mesmo se passa quando temos juniores em contexto de equipa B. São jovens que não trabalham connosco, mas que estão identificados e que achamos que devem competir num nível competitivo sénior, mais exigente, para poder crescer. Se fizermos as contas aos sub-19 e aos jogadores de equipa A que jogaram na equipa B, foram muitos mais os sub-19.
 
Em termos de modelo de jogo e sistema tático, é o Rui que escolhe o que pretende implementar ou existem diretrizes que tem de respeitar?
Geralmente, é definido pela equipa técnica, mas normalmente há uma orientação para equipa B, sub-19 e sub-18 jogarem sempre no mesmo sistema. A equipa A, que é uma equipa de rendimento, tem a possibilidade de alterar consoante o entendimento da equipa técnica. Sem sermos rígidos ao máximo, temos uma linha de orientação que seguimos, para ser mais fácil a transição de baixo para cima.
 
Tenho falado com outros treinadores de equipas da I Distrital e todos têm grande influência na construção do plantel. Isso também acontece com o treinador de uma equipa B?
Temos um departamento de scouting, que durante toda a época vai identificando jogadores com potencial para integrar a estrutura do Amora, e depois vamos discutindo entre equipa técnica e departamento de scouting, que vai identificando e recrutando jogadores. Não sou eu que os escolho todos, naturalmente. Tenho a minha opinião, como tem o diretor do departamento, e depois chegamos a um consenso no sentido de encontrar aquilo que melhor serve os interesses do Amora, tendo em conta o perfil técnico, físico e a personalidade que procuramos.
 
Como está a correr a construção do plantel? A grande maioria são ex-juniores ou jogadores recém-chegados ao Amora?
Estamos a falar de alguns jogadores que vamos manter da época passada, de jogadores sub-19 que transitam e outros jogadores que temos identificados e fomos recrutar porque acreditamos que vão ser mais-valias na equipa B, mas com os olhos na equipa A. Alguns jogadores vão ter que nos deixar porque atingiram o limite de idade e não vão transitar para a equipa A.
 

“Não vejo o motivo pelo qual não possamos participar na Taça AF Setúbal

Rui Sá foi jogador do Amora em 1995-96
Ao contrário das restantes equipas da I Distrital, na época passada o Amora B não pôde participar na Taça AF Setúbal, cuja fase de grupos antecede o início do campeonato. Já tem a indicação se isso vai voltar a acontecer nesta temporada?
Não tenho. Foi uma situação com que nos deparámos no início da época passada. Se seguirem a linha de orientação da época passada, não participaremos. Para nós é um problema grande, porque perdemos duas semanas sem equipas para competir enquanto as outras equipas estavam em competição. Para nós vai ser complicado. Não vejo o motivo pelo qual não possamos participar. Temos apenas uma equipa A que está noutra competição.
 
A não participação na Taça significa que o Amora B vai iniciar a pré-época mais tarde?
Exatamente. Estamos à espera que saem todos os quadros competitivos para agendarmos todos os jogos de treino que queremos fazer.
 
Na época passada não conseguiram agendar nenhum jogo de preparação?
Não conseguimos. Todas as equipas estavam em competição. Tínhamos outra equipa B no nosso distrito [Fabril], mas não foi possível realizar esse jogo.
 
Vão jogar sempre no Serrado ou existe a hipótese de fazerem alguns jogos na Medideira?
Quando a equipa A está em competição, jogamos sempre no Serrado. Quando a equipa A termina a competição, e aconteceu isso nas últimas jornadas da época passada, passámos para o relvado da Medideira. No primeiro da equipa B, jogámos sempre na Medideira, porque a equipa A jogava sempre no Complexo Carla Sacramento.
 

“Oportunidade na equipa principal? Não é coisa que me passe pela cabeça…”

A equipa principal do Amora mudou de treinador. Quando soube que João Pereira não ia continuar, chegou a sentir que poderia ter a sua oportunidade?
Honestamente, não é coisa que me preocupe ou que me passe pela cabeça. Sou bem tratado e acarinhado e estou num projeto sólido e consistente. Creio que o facto de estar a renovar ano após ano significa que as pessoas estão contentes com o meu trabalho. Estou ali para servir o Amora. No que acharem que eu possa ser uma mais-valia, podem contar comigo. Honestamente, não senti que pudesse possibilidade de eu ser ou deixar de ser. Nada me foi dito. Não foi tema.
 
Mas é normal, se analisarmos o que acontece em Portugal e não só, o treinador de uma equipa B ser sempre um potencial candidato ao cargo de treinador da equipa principal…
Admito que sim, mas não tive isso em mente e nada me foi apresentado. Estou a trabalhar na equipa B já há largos meses a preparar a próxima época.
 
Já falou com o Pedro Duarte? O que conhece do novo treinador da equipa principal do Amora?
Ainda não falámos. Foi recentemente apresentado, mas vamos ter muito tempo para conversar e alinharmos a estratégia do Amora. Sei que já teve no estrangeiro, na II Liga e já treinou os escalões de formação do Sp. Braga. O feedback que eu tenho é de que é uma pessoa de trabalho e que vai ter todo o sucesso do mundo, tal como teve o João Pereira, e terá todas as condições para que o Amora faça, no mínimo, o mesmo que fez no ano passado.
 
O Rui Sá foi jogador do Amora em 1995-96, numa época em que a equipa desceu da II Divisão B à III Divisão, poucos anos após ter estado na II Liga. Quais são as principais diferenças entre o clube que deixou há 27 anos e aquele em que trabalha atualmente?
Na principal dimensão que define um clube, a massa crítica e a massa adepta presente e viva, não notei muita diferença. O Amora continua vivo, bem vivo, com muitos adeptos, muita gente e com a localidade muito envolvida no clube. Em termos de infraestruturas, está muito mais dotado do que quando passei pelo Amora como jogador, a todos os níveis: tem um complexo de treinos excelente, tem um estádio com melhorias diárias e está muito mais capaz para estar um nível muito mais elevado.
 




 




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