Zidane procura fugir a Del Piero e ao compatriota Trezeguet |
Falar da minha primeira
memória de um jogo entre Real
Madrid e Juventus
é regressar à infância, a um tempo em que não havia dois ou três
candidatos à Bola de Ouro, mas sim cerca de uma dúzia. Talvez
ninguém desse lote mais alargado apresentasse os números de
Cristiano
Ronaldo, Lionel
Messi e mais recentemente Lewandowski e Benzema,
mas tinham uma classe e um carisma tremendos. Neste jogo – ou
melhor, neste duplo confronto – que recordo estão vários desses
nomes: Roberto Carlos, Zinedine
Zidane, Luís Figo, Raúl, Ronaldo, Pavel Nedved e Alessandro Del
Piero.
E agradeçam o meu poder
de síntese pois consegui deixar de fora aquele que na altura era
considerado por muitos o melhor guarda-redes do mundo (Buffon), um
dos avançados mais temíveis do futebol mundial (David Trezeguet) e
um dos centrocampistas mais conceituados e carismáticos na altura
(Edgar Davids).
O Real
Madrid era o campeão europeu e contava com uma equipa recheada
de galácticos, mas do outro lado estava uma Juventus
que se preparava para conquistar o bicampeonato em Itália.
Na primeira-mão das meias-finais da Liga
dos Campeões 2002-03, no Santiago Bernabéu, a formação
de Turim preocupou-se em chegar viva ao reencontro da semana
seguinte. Aos 23 minutos, Ronaldo isolou-se e, com frieza, bateu
Buffon. E contra a corrente, Trezeguet empatou no final da primeira
parte, aproveitando uma bola perdida na área na sequência de vários
ressaltos. Os merengues
voltaram a marcar aos 73', por Roberto Carlos, num pontapé de
ressaca no seguimento de um canto, mas não ficaram propriamente
tranquilos quando o apito final confirmou a vitória por 2-1.
“O Real
Madrid sentiu muito a ausência de Raúl, e a lesão de Ronaldo,
no começo da segunda parte, ainda baralhou mais o campeão europeu.
A Juventus,
segura de si e sempre imperturbável, marcou um golo e teve mérito
na forma como cortou linhas de passe e acertou nas marcações. A
juntar à classe e à disciplina de jogo que patenteia, a vecchia
signora descansou mais com a saída de Ronaldo, autor do
primeiro golo da noite, num tiro indefensável após combinação
entre Figo e Morientes. Portillo, que entrou para o lugar do Bola de
Ouro, não tem a força, a classe e a velocidade do fenómeno.
Sem Ronaldo, a Juve
respirou um pouco melhor, acabando por sofrer o segundo, num remate
colocadíssimo de Roberto Carlos, após canto de Figo. A presença de
Morientes na equipa titular fez com que Guti jogasse ao lado de
Makelele. O avançado espanhol atuou perto de Ronaldo, respondendo a
Juventus
com Iuliano e Ferrara no eixo (curiosamente vão ficar de fora na
segunda mão). O golo de Ronaldo, aos 23 minutos, não espicaçou a
Juventus.
O Real
manteve o pé no acelerador na procura do segundo. Já Figo
infernizava a vida a Birindelli. Só que a Juve
é uma fortaleza e sabe reagir. Com alguma sorte pelo meio, ao cair
do pano para o intervalo, Trezeguet empatou. Na segunda parte, Lippi
colocou Thuram no eixo defensivo, Birindelli viajou para a direita,
entrando Pessotto para marcar Figo. O português começou bem e
sentou por duas vezes o lateral. Sem Ronaldo, o Real
perturbou-se e a equipa ficou partida. Reagiu a Juve
que foi trocando a bola, segurando o empate. O pressing do
Real
nos últimos 20 minutos deu frutos: Roberto Carlos marcou e, nos
últimos segundos, Figo e Helguera quase sentenciavam a eliminatória.
A Juve
saiu de Madrid a sorrir: basta-lhe um golo para chegar à final”,
podia ler-se na edição do jornal O Jogo do dia seguinte.
No mítico Estádio Delle
Alpi, na segunda-mão, os jogadores da Juventus
superaram-se e alcançaram uma vitória por 3-1, tendo chegado a
estar com três golos de vantagem. Trezeguet deu o mote aos 12
minutos, ao marcar o primeiro, à boca da baliza, após Del Piero
ganhar nas alturas a Míchel Salgado. No final da primeira parte Del
Piero fez o 2-0, na sequência de um belíssimo trabalho individual.
No início do segundo tempo Figo dispôs de uma grande penalidade,
mas permitiu a defesa de Buffon. Aos 73', Nedved sentenciou a
eliminatória através de um pontapé fantástico, mas pouco depois
viu um cartão amarelo que o tirou da final
frente ao AC Milan. Até ao apito final, Zidane
marcou o golo de honra do Real
Madrid em Turim.
“A Juventus
qualificou-se para a final
da Liga dos Campeões ao bater o Real
Madrid, que sentiu em demasia o golo madrugador de Trezeguet,
perturbando-se e abrindo brechas imperdoáveis nas linhas atrasadas.
A ausência de Makelele, as fragilidades físicas evidenciadas por
Raúl, o momento intermitente de Ronaldo, lançado apenas na segunda
parte, as gritantes debilidades defensivas, a classe de Del Piero e
Nedved, foram contras a mais mesmo para a que é considerada a equipa
maravilha do circuito mundial. Na
final de 28 de Maio, em Old Trafford, a Juve, a fazer uma
época notável, encontrará outra equipa italiana, o Milan. Não
se confirmou o desejo de Rui Costa que queria encontrar Figo na
final. A Juve
não deixou, e a estrela portuguesa tem razões de sobra para não
esquecer o embate de ontem no Delle Alpi: falhou um penálti (67’),
quando estava 2-0, que podia ter invertido o curso aos
acontecimentos, levou um amarelo e não teve a interferência no jogo
ofensivo merengue
como costuma ter. O golo de Zidane,
aos 87’, ainda trouxe alguma emoção ao clássico que a equipa de
Turim, com uma frieza impressionante, controlou, garantindo a sua
oitava presença na final.
Figo ficará ligado ao afastamento do Real
Madrid, porque falhou no altura de não falhar. O que é raro. Na
marcação de um penálti, a castigar derrube de Montero a Ronaldo, o
extremo português partiu sem confiança e denunciou o remate. No
mesmo lance, o suíço Urs Meier, que dirigiu o encontro, errou duas
vezes: Ronaldo partiu em posição irregular e Montero, que fez a
falta, devia ter visto o cartão vermelho direto, mas nem o amarelo
viu, o que, no caso, até seria o segundo”, escreveu o jornal O
Jogo.
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