João Lameira ajudou o Real SC a chegar à fase de acesso à Liga 3 |
Faz parte da geração
de ouro de 1999, foi campeão
europeu de sub-17 em 2016, passou pela formação de Sporting
e FC
Porto, chegou a ser chamado por Nuno Espírito Santo aos treinos dos azuis
e brancos e agora vai brilhando no meio-campo do Real
SC, procurando demonstrar que é uma promessa do futebol português ainda bem
a tempo de ser cumprida.
Em entrevista, João Lameira
recorda as passagens pelos dois grandes e o memorável dia da conquista do título
europeu, aborda o que poderá ter falhado para não estar a jogar ao mais
alto nível, explica porque João
Félix não jogava tanto quanto gostaria nas camadas jovens dos dragões,
vaticina o que os adeptos do Vitória
de Guimarães podem esperar de Bino e passa ainda em revista uma curta carreira
mas da qual fazem parte clubes históricos como União
de Leiria e Académica.
RUI COELHO - O Real
SC assegurou a presença no playoff de
acesso à Liga 3 na última jornada da fase regular do Campeonato
de Portugal e o João Lameira foi um jogador muito influente nesta campanha,
uma vez que foi titular nos 19 jogos que disputou. Que balanço faz, a nível
individual e coletivo, do que já se jogou nesta temporada?
JOÃO LAMEIRA - O objetivo inicial
era o playoff de acesso à II
Liga, pelo investimento feito e por o clube ser estável e nos últimos anos
andar sempre a lutar pela subida, mas quando sentimos que não o conseguimos
devido a muitos altos e baixo que estávamos a ter, tínhamos de garantir o
playoff de acesso à Liga 3, e penso que conseguimos cumprir esse objetivo com
uma excelente prestação nesta reta final.
O Real
SC já disputou a II
Liga, mas é um clube que se tem destacado sobre os talentos que tem
desenvolvido na sua formação. O que tem achado deste emblema da Linha de Sintra?
Tenho achado um clube fenomenal
para o de Campeonato
de Portugal. É um clube com condições fantásticas. Há poucos clubes de II
Liga com condições assim: estável e com pessoas em torno do clube muito
prestáveis e ambiciosas.
Nesta temporada o João Lameira já foi orientado por três treinadores,
Hugo Martins, Luís Pinto e agora Luís Loureiro. Que opinião tem acerca de cada
um deles? Quais são as diferenças essenciais entre os métodos deles?
São treinadores diferentes, mas
todos com uma ideia comum que é o principal: tentar sair a jogar com bola, não
ter medo de assumir.
Houve algum companheiro de equipa que o tivesse surpreendido mais pela
positiva?
Quando vim para aqui não conhecia
nenhum jogador, então não vinha com nenhuma ideia sobre algum jogador
específico, mas penso que, no geral, temos um plantel com muita qualidade, dos
melhores do Campeonato
de Portugal.
O panfleto que lhe mudou a vida
João Lameira celebrou o 22.º aniversário dia 19 |
Voltemos atrás no tempo. O João é natural de Santa Maria da Feira. Como
foi a sua infância e como é que a bola entrou para a sua vida?
A minha infância foi normal, como
a da maior parte das crianças. Os meus pais sempre “trabalharam” muito para mim,
para me ajudar no sentido futebolístico e escolar, para tentar conciliar as
duas coisas. E o futebol entrou mesmo pelo meio escolar, pois estava em aulas
no ensino primário quando um treinador do clube da minha terra veio entregar
uns panfletos para umas captações para ganharem jovens para a formação. Então
eu cheguei a casa e mostrei à minha mãe e decidi que queria experimentar.
Os seus primeiros passos no futebol são dados precisamente no clube da
sua terra, o Caldas de São Jorge. Quais são as melhores recordações que guarda
desses tempos?
Não me recordo muito bem. O que
mais me recordo é daquele campo pelado que deixava muitas marcas sempre que
íamos ao chão, e isso são coisas que ficam e que nos orgulham de onde começámos.
Entretanto deu o salto para o clube
mais emblemático do concelho de Santa Maria da Feira, o Feirense. Que
balanço faz dos quatro anos que passou nos fogaceiros?
Foi um balanço muito positivo. Consegui
fazer bastantes jogos, ganhar campeonatos, ter visibilidade e encontrar
treinadores que me ajudaram muito a crescer.
“Fui abaixo quando me dispensaram do Sporting”
João Lameira jogou pelos infantis do Sporting |
Entretanto, representou os infantis do Sporting
em 2011-12, tendo jogado ao lado de Daniel
Bragança, Thierry Correia e Rafael Leão. Como correu essa experiência e
como tem visto o trajeto desses seus ex-companheiros?
Essa foi a minha primeira
experiência fora da zona de conforto. Não foi fácil. Treinava em Arcozelo, no
concelho de Vila Nova de Gaia, e tinha de ir todos os fins de semana para
Lisboa de autocarro. Joguei quase todos os jogos, mas infelizmente no final da
época fui dispensado.
Tenho visto de uma maneira muito
positiva o trajeto deles, porque com a qualidade deles só tinham de conseguir
afirmar-se nos clubes e ter a oportunidade, porque sem oportunidade nada se
consegue.
Tendo em conta que não ficou no Sporting,
como digeriu a sua saída?
Não foi fácil, porque
principalmente, como disse, foi o meu primeiro ano fora da minha zona de
conforto e num clube grande português. E no meu ponto de vista a época tinha-me
corrido muito bem, e no final da época quando me dispensaram fui abaixo, mas
felizmente tive sempre a família e amigos do meu lado, que me apoiaram e sabiam
da minha qualidade. Isso ajudou-me a não atirar com a toalha ao chão.
“João Félix era baixinho, magrinho e não jogou tanto como gostaria no FC Porto”
As melhores memórias são os
tempos que passámos no balneário com os nosso colegas. O balneário é sagrado, é
onde podemos conseguir levantar-nos da derrota, festejarmos nas vitórias e
fazer as nossas brincadeiras.
Partilhou o balneário com Diogo Costa, Diogo Queirós, Diogo Leite,
Diogo Dalot, Vitinha, João Mário, Fábio Vieira e Romário Baró. Como tem visto o
trajeto de cada um deles no futebol profissional?
Acho que têm feito um trajeto
fantástico, e estou muito feliz por eles, porque realmente foram muitos anos a
partilhar o balneário. Chega a uma altura que já são quase como família e
espero que ainda consigam chegar mais longe.
Na formação do FC
Porto também teve João
Félix como companheiro de equipa. Como era ele na altura? Surpreendeu-o
esta evolução que levou o Atlético
Madrid a pagar mais de 120 milhões de euros pela sua transferência para a
capital espanhola?
De facto, foi um dos jogadores com
que já joguei que mais me surpreendeu na sua evolução. Na altura que jogou
comigo já se notava os seus dotes de craque, mas era baixinho, magrinho e
muitas vezes há clubes que não apostam tanto em jogadores assim e infelizmente
não jogou tanto como ele gostaria. Trocou de clube e nesse clube ajudaram-no a
crescer em todos os sentidos e deu para ver a sua evolução muito rápida. Nunca
pensei que um jogador que esteve comigo na formação e não jogava habitualmente
fosse um dia valer 120 milhões, mas é mais do que merecido.
“Bino é um treinador ‘à Porto’. O Vitória enquadra-se bem nesse tipo de jogo”
Nas camadas jovens do FC
Porto teve como treinador o novo técnico do Vitória
de Guimarães, Bino. O que achou dos métodos dele e que estilo de futebol os
adeptos vitorianos podem esperar?
É um treinador que ajuda os
jogadores no que precisaram, gosta de um estilo de jogo aguerrido e com
qualidade, muito “à Porto”,
como esteve lá vários anos. Penso que o Vitória
se enquadra bem nesse tipo de jogo.
“O título europeu de sub-17 em 2016 Foi um dos dias mais felizes da minha vida”
João Lameira sagrou-se campeão europeu de sub-17 em 2016 |
O dia 21 de maio de 2016 foi certamente um dos dias que jamais irá
esquecer, ao conquistar o Campeonato
da Europa de sub-17. Como viveu esse torneio e, sobretudo, dia da final?
Qual foi o segredo para que essa conquista fosse alcançada?
Sem dúvida que foi um dos dias,
senão o dia mais feliz da minha vida! Esse torneio eu penso que foi vivido de
uma forma muito natural, havia muito entrosamento na nossa equipa, parece que
não havia pressões. Começámos logo o primeiro jogo com 25 mil pessoas no
estádio no jogo de abertura contra a seleção da casa [Azerbaijão].
A final foi uma coisa que nós
sonhávamos desde o início, sabíamos que não ia ser fácil, pois uma seleção como
a de Espanha tem sempre muita qualidade. Mas estivemos focados do início ao
fim, com uma garra e fome de vencer aquele jogo como nunca. Fomos a penáltis e, no último penálti, em que
o jogador espanhol falha, nem queríamos acreditar. Ficou tudo meio parado é só
quando caímos em nós é que começamos a correr e a festejar. Já nos apelidavam
de geração de ouro e penso que era mais do que merecido. A nossa união era muito grande.
O João Lameira faz parte dessa célebre
geração de 1999. É uma geração de ouro do futebol português?
Sim sem dúvida que é uma geração
de ouro, bicampeões da Europa, muitos também foram vice-campeões da Europa juntamente
com os jogadores de 1998. Ganhámos vários torneios, poucas eram as seleções que
nos faziam frente.
“No FC Porto não me foram dadas as oportunidades que merecia”
Chegou a ser chamado para ir treinar à primeira equipa do FC
Porto?
Sim, fiz dois treinos pela equipa
principal quando o treinador era o Nuno Espírito Santo.
Tendo em conta o seu historial na formação do FC
Porto e nas seleções jovens nacionais, sente que falhou em algo por ainda
não se ter afirmado nas ligas profissionais? Se sim, no que julga que falhou?
Sinto que falhei não como
profissional já, mas no final da minha formação, porque chega a uma altura em
que pensamos que já somos jogadores e ainda nos falta crescer muito. Mas desde
o meu primeiro ano profissional já amadureci muito e no FC
Porto não me foram dadas as oportunidades que merecia, pelo que trabalhava,
mas como digo, é o futebol, temos de estar preparados para tudo e eu estou mais
preparado do que nunca.
“Fiquei três meses sem receber na União de Leiria”
Lameira representou a União de Leiria em 2019-20 |
No verão de 2019 assinou pela União
de Leiria. O que o levou a tomar a decisão de ir jogar para o Campeonato
de Portugal?
Foi principalmente pelo clube que
é, um histórico, uma cidade fantástica, adeptos fenomenais e um clube que
merecia estar nas ligas profissionais, com condições muito boas e um estádio
como há poucos. E claro que precisava de fazer uma época plena, a jogar para
conseguir mais.
Em dezembro de 2019 protagonizou um momento que deu muito que falar, ao
ficar imóvel juntamente com os seus companheiros de equipa no primeiro minuto
de um jogo frente ao Torreense,
em protesto devido aos salários em atraso. Como viveu essa situação, ainda por
cima longe de casa, o que levou a equipa a decidir por essa forma de
manifestação? Quantos meses ficou sem receber?
Tínhamos que fazer algo que
fizesse impacto, não só pelo nosso clube, mas por muitos outros que estavam na
nossa situação. Dado que o jogo estava a dar no Canal 11, não havia melhor forma de protestar. Fiquei três meses
sem receber.
Entretanto foi emprestado à Académica,
mas acabou por só jogar pelos sub-23. O que achou desse histórico
clube do futebol português?
Acho que é um clube que podia
estar melhor financeiramente, pelo clube que é, o histórico que tem e as
condições existentes. Mas no geral gostei de lá estar e aprendemos sempre
alguma coisa por onde passamos.
Imaginamos que esteja focado nos objetivos do Real
SC neste playoff de acesso à Liga 3, mas no final da temporada certamente
que o telefone tocará. Em que nível competitivo espera jogar na próxima época?
Espero que seja um nível melhor. Gostava
de fazer uma época em pleno na nossa II
Liga, estou à espera da oportunidade. Se não, pelo menos na Liga 3, num
clube com ambição de subir.
Propomos-lhe um desafio. Elabora um onze ideal de jogadores com quem
tenha jogado.
Guarda-redes: Diogo Costa;
Defesas: Diogo Dalot,
Diogo Queirós, Diogo Leite e Rúben
Vinagre;
Médios: Florentino,
Domingos Quina e Daniel
Bragança;
Avançados: Trincão, Zé
Gomes e João
Félix
E que treinadores mais o marcaram e porquê?
Tive um treinador que me marcou
bastante na formação, chamava-se Pedro Alves, que me moldou em bastante parte
do que sou hoje: agressivo e nunca a dar um lance por perdido. Penso que em
parte a minha passagem pelo FC
Porto ajudou-me ainda mais no sentido de qualidade, saber jogar, perceber
momentos do jogo, e não há assim nenhum treinador que possa mencionar porque
penso que todos tínhamos a sua qualidade e todos me ensinaram uma parte do que
sou hoje.
Entrevista realizada por Rui Coelho
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