Tem dado bastante que falar a
fusão entre o Sintra Football e o Estrela
da Amadora, aprovada este sábado em assembleia geral por 92% dos sócios. Embora
a percentagem tenha sido esmagadora, não têm faltado críticos a acusar os
responsáveis estrelistas de estarem a utilizar mecanismos legais para obterem com
facilidade algo que poderia demorar bastante tempo a conseguir em campo: chegar
ao Campeonato
de Portugal e ficar mais perto das ligas profissionais.
Apesar de se compreender que os seguidores
do futebol português estejam escaldados de manobras sujas e engenhosas por parte
de dirigentes com sede de protagonismo, também já sabemos que reina a má-fé, a
ignorância e a inveja nas caixas de comentários das redes sociais.
Se houvesse boa-fé de quem
comenta este tipo de acontecimentos, talvez neste momento se estivesse a saudar
o facto de em 2020, num tempo em que se assiste a tantas fraturas sociais
(países vs. países, regiões vs. regiões, brancos vs. negros, clubes vs. clubes,
ricos vs. pobres, novos vs. velhos, trabalhadores vs. patrões, direita vs.
esquerda, etc.), dois clubes se terem fundido.
Basta recordar que não é algo
novo e que, há várias décadas atrás, Sport
Lisboa e Benfica (1908), Sp.
Covilhã (1923), Ginásio
de Alcobaça (1946), O Elvas (1947) e Fafe
(1958), a título de exemplo, também nasceram de fusões. No caso de O Elvas, resultou
da fusão do Sporting Clube Elvense com o Sport Lisboa e Elvas, que na altura
competia na I
Divisão, e por isso disputou o patamar maior do futebol português assim que
foi fundado. Ou seja, um processo
semelhante ao do Club
Football Estrela da Amadora, que vai entrar diretamente no Campeonato
de Portugal em virtude de um dos clubes fundadores, o Sintra Football,
competir nesse escalão.
Depois, há que ter em conta a
proximidade geográfica. Para quem não tenha uma noção geográfica tão precisa, o
concelho de Sintra
e a freguesia de Queluz e Belas em particular – onde estava sediado o Sintra
Football – vivem paredes-meias com o município da Amadora.
Sem darmos muito por isso, sai-se da Amadora
e entra-se em Queluz e vice-versa. Não é por acaso que um dos hospitais mais
importantes da Área Metropolitana de Lisboa, o Hospital Prof. Dr. Fernando
Fonseca, também é designado por Hospital Amadora-Sintra. Quantos no país têm
dois (ou mais) concelhos na designação?
Por fim, outro fator importante a
ter em conta – o mais importante - é o contexto dos clubes. O Sintra Football era
um clube recente, fundado em 2007, mas que vinha numa trajetória incrivelmente ascendente,
ao ponto de em 2019-20 ter competido no Campeonato
de Portugal e eliminado o Vitória de Guimarães da Taça de Portugal. Mais do
que um clube, era uma equipa (sénior), sem camadas jovens nem campo próprio, e
que tem andado com as casas às costas durante 13 anos – na época passada jogou
fora do concelho de origem, em Oeiras. E apesar das subidas de divisão que
levaram o Sintra aos campeonatos nacionais, a estrutura era bastante rudimentar
e tinha no seu presidente, Dinis Delgado, um faz-tudo: presidente, diretor
desportivo, speaker, rececionista, chefe de claque, responsável pela
comunicação, etc. Ainda assim, teve o know-how
suficiente para levar o clube que criou a um nível elevado na hierarquia do
futebol português. Mas quanto mais tempo isso poderia durar e quanto mais
poderia o Sintra crescer nessas condições?
Já o Clube
Desportivo Estrela, uma espécie de sucessor do Estrela
da Amadora que nos habituámos a ver na I
Liga durante as décadas de 1990 e de 2000, tinha a base associativa,
camadas jovens desde os traquinas aos juniores e o Estádio José Gomes – ainda que
não fosse o proprietário – e herdou uma história riquíssima. Porém, tem faltado
o know-how para projetar a equipa
sénior de futebol um pouco mais além do que o meio da tabela da terceira e
última divisão distrital da AF Lisboa - o que tendo em conta o nome do clube,
até é embaraçoso.
É verdade que há um certo tacticismo
com a fusão, até porque mete os nomes de Paulo Lopo e André Geraldes ao
barulho, mas imagino que não tenha sido fácil para Dinis Delgado, que levou o
nome e a marca do Sintra Football até aqui, ver o clube que criou a tornar-se repentinamente
em apenas mais um capítulo da história do Estrela
da Amadora. E também não terá sido com certeza de ânimo leve que os
responsáveis e associados do Estrela,
que vinham paulatinamente a ressuscitar um clube histórico e com muito
significado para a Amadora, a alterarem o rumo de crescimento bastante
sustentado que estavam a levar.
Uma decisão rara, que junta a
fome de uns à vontade de comer de outros, numa altura em que é bem mais fácil
divergir do que convergir.
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