Há muito que os jogos entre
Benfica e Vitória
de Setúbal ganharam o estatuto de clássico de futebol português. Afinal,
ambos já se defrontaram em quase duas centenas de ocasiões, incluindo quatro
finais da Taça de Portugal e uma decisão da Supertaça Cândido de Oliveira.
Os primeiros confrontos oficiais
remontam a 1919, quando os sadinos participaram pela primeira vez no Campeonato
de Lisboa. Mas seis anos antes, a 15 de setembro de 1993, as águias
apadrinharam a inauguração do Campo dos Arcos, o primeiro recinto desportivo
dos setubalenses.
Mais tarde, depois de se ter
sagrado campeão lisboeta em 1923-24 e 1926-27, o Vitória
abandonou a Associação de Futebol de Lisboa e fundou a congénere
de Setúbal, juntamente com outros clubes no recinto. A partir daí os duelos
entre vitorianos e benfiquistas tiveram exclusivamente dimensão nacional, na I
Divisão e na Taça de Portugal.
Entre tantos duelos, vale a pena
ver aqui a nossa seleção dos dez mais marcantes, por ordem cronológica.
20 de janeiro de 1935 – I
Divisão (1.ª jornada)
Um jogo histórico para os dois
clubes, pois foi o primeiro encontro de cada um deles na I Divisão. Qualificaram-se
para este campeonato oito representantes dos quatro torneios regionais
considerados mais competitivos: quatro da AF Lisboa (Benfica, Sporting,
Belenenses e União Lisboa), dois da AF Porto (FC Porto e Académico do Porto),
um da AF Coimbra (Académica) e um da AF Setúbal (Vitória
FC).
No Campo das Amoreiras, o
primeiro estádio do Benfica, os encarnados venceram por 3-1, com um bis de Alfredo Valadas na primeira parte
(6 e 15 minutos) e um golo de Carlos Torres (70’), com o sadino Rendas a
reduzir já perto do final (84’).
20 de junho de 1943 – Taça de Portugal (final)
Uma final histórica, por ser a
primeira do Vitória
de Setúbal, que nessa época competiu na II Divisão, naquela que foi a
primeira presença de uma equipa de uma divisão secundária no jogo de atribuição
da Taça de Portugal. Mas também foi uma final histórica para o Benfica, que
garantiu nesse encontro a sua primeira dobradinha, imitando o feito do Sporting
em 1940-41, e tornou-se o primeiro clube a vencer pela segunda vez a prova.
O que teve pouca história foi
mesmo a partida, praticamente de sentido único, disputada nas Salésias. As
águias então orientadas pelo húngaro János Biri golearam por 5-1, com golo de
Rogério Pipi (12’) – o primeiro de 15 dele em finais da Taça, o que ainda é
recorde -, outro de Manuel da Costa (23’), um bis de Julinho (32’ e 88’) e um
autogolo de Armindo (75’). Para os sadinos, comandados por Armando Martins,
marcou Amador (58’).
1 de junho de 1961 – Taça de Portugal (Oitavos de final)
A 7 de maio de 1961, o Benfica vence
o Vitória
na Luz por 3-1 no jogo da primeira-mão. Porém, o segundo jogo foi agendado para
1 de junho, precisamente um dia depois da final da Taça dos Campeões Europeus
em que as águias bateram o Barcelona em Berna para se sagrarem campeãs
continentais pela primeira vez.
O Benfica tentou que a visita aos
sadinos fosse adiada, mas o Vitória
não aceitou e a Federação Portuguesa de Futebol também não fez muita questão.
Uma vez que a equipa principal estava a voltar da Suíça, os encarnados
fizeram-se representar no Campo dos Arcos com a equipa de reservas, o que
acabou por marcar a estreia de Eusébio de águia ao peito.
Eusébio marcou um golo (64’) e desperdiçou
um penálti – o primeiro de cinco que falhou em toda a carreira -, mas o Vitória,
então na II Divisão, venceu por 4-1, com bis
de Quim (6’ e 12’) e de Pompeu (59’ e 81’).
1 de julho de 1962 – Taça de Portugal (final)
Um ano depois da estreia de
Eusébio, as duas equipas voltam a defrontar-se na Taça de Portugal, mas desta
vez na final, disputada no Jamor. Tal como em 1943, os sadinos competiam nessa
época na II Divisão e voltaram a sair derrotados. Desta feita, o resultado foi
ligeiramente mais simpático para os setubalenses.
Após um nulo ao intervalo, coube
a Eusébio bisar no decorrer da segunda parte (57 e 84 minutos) para a formação
orientada por Fernando Caiado. Pelo meio, Cavém também marcou para os
encarnados (68’), que cerca de dois meses antes se tinham sagrado bicampeões
europeus.
Esta foi a 11.ª Taça de Portugal
para o Benfica, que na altura tinha conquistado tantas vezes a prova rainha
como o resto dos clubes na globalidade: Sporting (5), Belenenses (2), FC Porto
(2), Leixões (1) e Académica (1).
4 de julho de 1965 – Taça de Portugal (final)
Para o Vitória,
à quarta é que foi de vez. Depois dos insucessos das finais de 1943, 1954 e
1962, os sadinos juntaram-se ao restrito lote de clubes vencedores da Taça de Portugal em 1965.
Pela frente estava o tricampeão
Benfica, que nessa época tinha sido vice-campeão europeu e contava com um
inspirado Eusébio, que nesse mesmo ano ganhou a Bola de Ouro. Porém, o conjunto
orientado por Fernando Vaz venceu por 3-1, com golos de José Maria (8 minutos),
Jaime Graça (57’) e Armando Bonjour (83’). Pelas águias, tal como em 1962,
marcou Cavém.
21 de novembro de 1993 – I
Divisão (10.ª jornada)
Depois dos tempos áureos dos dois
clubes na década de 1960, o Vitória perdeu algum fulgor e chegou a andar pela
II Divisão. Já o Benfica continuava a ser um crónico candidato ao título, como
sempre o foi, mas ia sentindo dificuldades para travar a hegemonia iniciada
pelo FC Porto no final dos anos 1970.
À entrada para a 10.ª jornada do campeonato
de 1993-94, as águias lideravam a prova em igualdade pontual com o Boavista e o
Sporting, sem qualquer derrota, enquanto os sadinos seguravam a
lanterna-vermelha. Contudo, nada disso contou na tarde de 21 de novembro de
1993.
O avançado nigeriano Rashidi
Yekini foi a grande figura do encontro, ao apontar dois golos, o primeiro (29’)
e o penúltimo da tarde (73’). Com o resultado ainda a zeros, o jogador africano
protagonizou um grande momento, ao arrancar com a bola a meio do seu meio-campo
e, na cara de Neno, a rematar ao poste. E já com os sadinos a vencer por 1-0,
acertou com estrondo na trave. O estreante brasileiro Sérgio Araújo (39’) e o
esquerdino Paulo Gomes de livre direto (52’) dilataram a vantagem, Vítor
Paneira (55’) e Aílton (66’) reduziram-na, antes de Chiquinho Conde dar a
estocada final (82’).
“Lembro-me de o Vitória
de Setúbal ter dois jogadores muito importantes. Sobre a direita tinha um
brasileiro muito rápido que era o Sérgio Araújo e depois um ponta-de-lança
nigeriano, que infelizmente já morreu, que era o Yekini. Não era um jogador
muito dotado do ponto de vista técnico, mas fisicamente era impressionante… O Vitória
de Setúbal chega de forma muito fácil ao 3-0, depois houve uma reação e
chegamos ao 3-2 e estamos perto do 3- 3, mas aparece o 4-2 que sentencia o
jogo. Realmente, houve Vitória
de Setúbal a mais para Benfica a menos”, afirmou Toni ao jornal I duas
décadas depois.
“Não houve uma preparação
especial. Éramos uma equipa de vocação ofensiva, mas no início as coisas não estavam
a sair. Depois acabámos em sexto. Podíamos ter marcado mais golos. Éramos
fortes no contra-ataque e o Benfica apostou tudo na frente, mas não
aproveitámos”, recordou Raúl Águas ao Record em 2014.
22 de fevereiro de 2003 – I
Liga (23.ª jornada)
Mais um duelo de extremos, com o
Vitória a apresentar-se neste jogo na zona de despromoção, enquanto o Benfica
era segundo classificado. A classificação, porém, não se refletiu em campo
durante praticamente toda a primeira parte, uma vez que os sadinos já venciam
por 2-0 aos 23 minutos, com golos de Pascal e Rui Miguel.
Contudo, as águias não só não
baixaram os braços como deram a volta ao resultado e construíram uma goleada,
numa noite memorável para Simão Sabrosa, autor de um hat trick. O internacional português reduziu para 2-1 no final da
primeira parte, na execução de um livre direto. Depois fez o cruzamento para o
autogolo de Carlos (61’), antes de Tiago ter estabelecido a reviravolta (63’),
e colocou o resultado em 2-4 na conversão de uma grande penalidade (70’). Sokota,
com um remate à meia volta (80’), e novamente Simão, através de um remate
colocado (90+4’), completaram a goleada benfiquista.
“Uma segunda parte demolidora do
Benfica arrasou literalmente com a resistência dos sadinos, que tinham sido
superiores até ao intervalo, ao qual chegaram em vantagem amplamente merecida.
De resto, não fora um erro crasso do árbitro Mário Mendes à beira do intervalo,
ao deixar-se levar pela simulação de Zahovic, livre do qual resultou o primeiro
golo encarnado, e o Vitória teria entrado para o segundo tempo com dois golos
de vantagem. O que, como é evidente, teria repercussões diferentes a nível psicológico
numa e noutra equipa”, escreveu
o Record na crónica do jogo.
29 de maio de 2005 – Taça de Portugal (final)
40 anos depois, os dois clubes
voltavam a defrontar-se no Jamor, naquele que era o regresso do Vitória
à final da Taça de Portugal após 32 anos de ausência. O Benfica, que uma semana
antes se tinha sagrado campeão nacional após 11 anos de jejum, tinha a possibilidade
de conquistar a décima dobradinha da sua história, a primeira desde 1987.
O favoritismo era dos encarnados,
que tinham vencido os dois jogos entre as duas equipas para o campeonato – 4-0
na Luz e 2-0 no Bonfim
-, e começou a refletir-se bem cedo no resultado, com um golo madrugador de
Simão Sabrosa, aos quatro minutos, na conversão de uma grande penalidade.
No entanto, a formação orientada
por José Rachão queria fazer história e chegou ao empate aos 26 minutos,
através de um remate de Manuel José desviado por Ricardo Rocha para a baliza
benfiquista. Já no segundo tempo, Meyong
aproveitou uma defesa incompleta de Moreira para dar a volta ao marcador (72’).
Vários anos depois, Nuno Gomes
admitiu que houve “excesso de festejos” do título nacional por parte do plantel
benfiquista em vésperas da final, o que levou a desgaste e excesso de confiança
no Jamor.
5 de janeiro de 2008 – I Liga
(15.ª jornada)
Um jogo que estava empatado a
zero e a ser jogado com absoluta normalidade até aos 63 minutos, quando Luisão
trava Edinho em falta e em seguida reclama veemente com Katsouranis. O grego
não gostou e foi direto ao brasileiro, havendo troca de empurrões e de palavras
azedas entre ambos, o que obrigou à intervenção de companheiros de equipa como David
Luiz, Petit ou Maxi Pereira.
O treinador benfiquista José
Antonio Camacho agiu de imediato, retirando de campo os dois jogadores, que
cederam os respetivos lugares a Edcarlos e Mantorras. O avançado angolano
apenas precisou de três minutos em campo para inaugurar o marcador (72’), mas
Edinho restabeleceu a igualdade à beira do tempo de compensação (88’).
Na sequência do desentendimento,
a SAD encarnada começou por suspender preventivamente os dois jogadores, mas
decidiu por levantar primeiro a suspensão a Luisão, um dos capitães de equipa. “Conversámos
e já sei o que ele não gostou. Está tudo bem entre nós como sempre esteve”,
afirmou o brasileiro dias depois.
“Tivemos aquela discussão muito
feia em Setúbal, mas isso aproximou-nos ainda mais. Somos duas pessoas com uma
personalidade muito forte, muito vincada, e depois acabámos por falar cara a
cara. Foi muito importante”, recordou o grego ao Record,
em fevereiro de 2017.
31 de agosto de 2009 – I Liga
(3.ª jornada)
Não foi a maior goleada nos
confrontos entre os dois clubes. Essa ocorreu em 1954, quando o Benfica goleou
por 9-0. Porém, esses números já tinham caído em desuso quando as águias então
orientadas por Jorge Jesus, uma superequipa em que coabitavam nomes como Cardozo,
Saviola, Ramires, Di María e Aimar receberam o remendado Vitória
de Carlos Azenha, que se apresentou na Luz com um onze em que apenas Sandro
transitava da época anterior.
Para se ter a noção, ao intervalo
já havia 5-0, com golos de Javi García (16 minutos), Luisão (21’), Cardozo (29’
de grande penalidade), Aimar (35’) e Ramires (37’). No segundo tempo, Cardozo
completou o hat trick (65’ e 75’) – o
primeiro dele em Portugal - e o recém-entrado Nuno Gomes fechou a contagem
encarnada (85’), antes de Hélder Barbosa ter apontado o golo de honra dos
sadinos (90’).
No rescaldo da goleada, o jornal A Bola dedicou uma capa a Jorge
Jesus, apelidando-o de “exterminador implacável”, dando conta da palestra
agressiva do treinador ao intervalo, pedindo mais golos.
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