quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Killer Kelly, a portuguesa que largou tudo pelo wrestling



























Quem é a Raquel Lourenço e quem é a Killer Kelly?
São a mesma pessoa, mas a Killer Kelly é mais intensa do que a Raquel. Ambas fora do ringue ou estão a rir ou estão extremamente sérias. Só que a Killer Kelly pode estar sempre a rir, mas quando ouve a sineta entra num modo intenso e vai magoar alguém.

Como surgiu a personagem Killer Kelly?
Cresci a ver WWE, mas a partir do momento que comecei a ver mais wrestling descobri wrestling japonês e apaixonei-me completamente. É um estilo totalmente diferente. Sempre gostei de wrestling, mas também de artes marciais e então descobri o melhor dos dois mundos. A Killer Kelly que é isso, não é aquela superstar que estamos habituados a ver na WWE. Bebi bastante de lutadores como Low Ki e Katsuyori Shibata, que é um dos meus wrestlers favoritos. Peguei nos dois e construi a Killer Kelly.

Como tomaste a decisão de te tornares uma wrestler?
Desde o primeiro momento que vi wrestling na televisão decidi que era isso que queria fazer para a minha vida. Desde os meus 10 anos até aos 14 estive sempre à procura de como podia chegar à WWE. Lembro-me de escrever no Google 'como me posso tornar uma wrestler?' ou 'como posso chegar à WWE?' e descobri que havia wrestling em Portugal. O sonho quase se tornou uma realidade, mas sempre pensei que nunca iria chegar à WWE. Entretanto a vida pessoal e profissional meteu-se no caminho e desisti um bocado da ideia, até que aos 24 anos tentei...


O que te fez emigrar?
Era designer gráfica, tinha um emprego e tinha o meu caminho traçado nessa profissão. Mas depois pensei 'é agora ou nunca'. Procurei a melhor escola de wrestling, pensei na escola de Lance Storm [em Calgary, no Canadá], mas era muito longe. Depois procurei pela melhor escola da Europa e apareceu-me a WXW [Westside Xtreme Wrestling] da Alemanha, que tinha lutadores que conhecia. Vi que já muita gente treinou lá e que tinha apartamento e ginásio, o que era fixe. Decidi ir passar lá uma semana para ver como corria e fiquei extremamente apaixonada pelo estilo de vida, por a academia estar 24 horas por dia disponível para treinar, do negócio deles, que todas as semanas dão espetáculos, e decidi mudar-me de vez para a Alemanha. Na altura o meu namorado, o Rafa, teve a mesma ideia e foi para a Alemanha comigo, em setembro de 2017.

O que te disse a família?
No início não tinha dito nada a ninguém. Comprei a viagem, estava a planear fazer as minhas malas e uma semana antes contei-lhes. A minha família ficou chocada. Eu já tinha uma carreira, era designer gráfica, muito possivelmente ia ter dentro de meses o meu emprego de sonho nessa área e de repente larguei tudo para seguir um sonho. Diziam-me que tinha de ter um emprego decente, para não largar a minha carreira, perguntaram-me se estava boa da cabeça. Mas disse-lhes: 'vou ter a vossa idade e vou arrepender-me de não ter seguido o meu sonho'. O meu pai ficou bastante chateado, a minha mãe disse para seguir o meu sonho, mas que voltasse se as coisas estivessem a correr mal. Quando comecei a lutar na WXW, eles não entendiam que havia federações que não a WWE e perguntavam-me se continuava a ser designer na Alemanha. Cheguei em setembro de 2017, em outubro já estava a fazer parte da WXW e em maio recebi o convite da WWE e em junho já estava a estrear-me. Foi tudo bastante rápido.


Como chegaste à WWE?
O meu trajeto foi bastante estranho. Ainda não tinha feito nenhuma candidatura, nunca fiz um tryout [estar à experiência] e do nada eles descobriram-me. Enviaram-me um email e perguntaram-me se estava disponível. Perguntei: 'Como é que vocês sabem que eu existo? Como é que me contactaram?' As minhas colegas tinham feito tryouts, enviado candidaturas, estavam em contacto... eu não. Perguntaram-me se queria fazer um combate para um torneio por um título.

O que significa seres a primeira portuguesa a lutar na WWE?
Nunca pensei que algum português chegasse à WWE. Nunca nunca nunca. Sempre pensei que Portugal é um país pequenino, em que nunca reparam e que não tem cultura de wrestling. Terem-me escolhido é uma honra enorme e uma coisa em que ainda não acredito que aconteceu. Parece que estou a sonhar acordada.

Esta é uma boa altura para se ser mulher no wrestling. Isso contribuiu para chegares à WWE?
Sem dúvida que contribuiu. Se não fosse a Women's Revolution, tenho a certeza absoluta que não tinham pegado em mim. Ajudou-me bastante e é uma ótima altura para se ser lutadora de wrestling. Uma ótima altura! Temos mais oportunidades, temos mais combates, apostam mais em nós. Por muito que as outras lutadoras tivessem talento, com a Victoria e Molly Holly, elas não tinham tempo. Se não estiveres a lutar na televisão semana após semana, não consegues melhorar e provar o quão melhores estás. Eles tinham só combates de dois ou três minutos, e às vezes com estipulações. Felizmente, hoje em dia já nos dão todo o tempo do mundo e sabem que, quando entramos no ringue, conseguimos fazer um bom trabalho.

Achas que esta corrente feminista que atravessa o desporto mundial também influenciou a WWE?
Foi uma corrente mundial, em quase todas as vertentes. Começou no mundo do desporto. A Ronda Rousey era a maior estrela do UFC e a WWE pegou nisso com resultados. Nós valemos o mesmo que os homens ou talvez até mais.


Como é a tua rotina?
A minha rotina é... all over the place [em todo o lado]. Moro em Essen, na Alemanha, mas passo muito tempo no Reino Unido, vou aos Estados Unidos e agora estou cá em Portugal. Estou sempre a viajar de um lado para o outro. Não tenho tempo para ter uma rotina. Tenho que me habituar a isto e ter uma rotina mais ou menos como os lutadores da WWE, com refeições já feitas e ginásios identificados em cada cidade. Adoro, mas é super stressante.

É fácil viver do wrestling?
Se tiveres um contrato, é seguríssimo. Se estiveres a lutar em promotoras independentes e não tiveres contrato, é super arriscado. Tinha meses em que fazia muito bom dinheiro, com combates e vendas de merchandising, mas tinha outros meses em que não havia assim tantos espetáculos. Felizmente, sempre fui aquela pessoa que gosta de poupar dinheiro na conta-poupança, por isso nunca me vi assim tão mal. Mas a partir do momento que a WWE me ofereceu o contrato, a minha vida mudou completamente. Estou super estável. Não tenho que me preocupar em guardar dinheiro para o próximo mês porque se não tiver combates ou me lesionar.

Atualmente estás afastada dos ringues devido a lesão…
Treinamos para fazer tudo de uma maneira segura, para não nos aleijarmos e para não aleijarmos o adversário. Mas tudo pode acontecer. Há duas semanas, estava a treinar, a fazer um golpe super simples, e do nada a rapariga enrolar e eu bati de cabeça. E pronto: concussão. Pode acontecer de várias maneiras. No verão, a correr de um canto para o outro do ringue, torci o tornozelo e tive de ficar quatro semanas de baixa. Devido à minha concussão, terei de ser vista por um médico nos Estados Unidos para voltar a lutar. Os riscos estão sempre presentes e felizmente que nenhuma das lesões foi muito grave. Mas já não tenho sintomas. Pode ter-se lesões muito graves e a carreira pode acabar de um momento para o outro. É tudo planeado, é suposto ser tudo seguro, mas é como andar na rua e ser-se atropelado por um autocarro.


Não entras em ringue com medo de te aleijares?
Não gosto de pensar nisso. Porque se pensar, é mais provável que aconteça. Tens que estar 100 % segura de que o vais fazer no ringue vai correr bem. Para isso serve falar com a adversária antes, ter tudo bem estruturado e que ela perceba o que vai acontecer. Tive recentemente um combate com uma japonesa na WXW em que ela não falava inglês: vi que ela se tinha esquecido de fazer uma coisa qualquer e então prendi-a numa submissão e tentei dizer-lhe, mas ela não percebeu. Então fiz outra coisa. Isso acontece muitas vezes.

Como são os teus treinos?
A nível de ringue, treino na WXW e no Performance Center da WWE. Temos treinos de ringue, de promos e ginásio. Vou ao ginásio quase todos os dias se não tiver a viajar. Restrições alimentares... não tenho nenhumas [risos]. Estou a comer o que me aparece à frente. Estou sempre a viajar, não tenho aquela rotina alimentar. Numa semana normal, treino duas vezes por semana no ringue. Muitas das vezes é só uma vez porque há espetáculos.

Sais muito amassada dos combates e dos treinos?
Sim. Muito! Quando acabo um treino, tenho de ir para casa dormir, porque fico exausta de tantas quedas e de ter de levantar pessoas.

Chegaste à Alemanha em setembro de 2017 e passados poucos meses foste coroada campeã da WXW. Como é que isso aconteceu?
Isso aconteceu em dezembro de 2017. Cheguei em setembro à Alemanha, em outubro já estava a lutar para a WXW e Na altura fez sentido para eles colocarem-me como a primeira campeã feminina da promotora. Talvez por ser a rapariga que saiu de Portugal para seguir o sonho dela e veio de propósito da WXW. Passado um mês perdi o título para a Toni Storm. Foi um dos meus combates favoritos, ela é uma superestrela. Foi o meu primeiro e único título.



O wrestling é pré-programado, mas sentes que o título foi um reconhecimento do teu trabalho?
Há muitas pessoas que dizem que é indiferente darem-lhe títulos ou não. Para mim foi muito especial, foi a WXW a dar reconhecimento ao facto de eu ter mudado de Portugal especificamente para estar com eles, treinar com eles e fazer parte dos espetáculos. Darem-me o título foi uma espécie de reconhecimento pelo meu trabalho de outubro a dezembro. Quando me o tiraram, fiquei triste, porque estava à espera de ter um reinado mais longo. Mas eu percebi: não estava preparada para ser campeã, de todo. Compreendi obviamente.

Sentes-te mais à vontade a lutar ou a falar?
Como podes ver, eu não me sinto muito à vontade a falar. Odeio falar, meto os pés pelas mãos [risos]. Sinto-me muito mais confortável a lutar.

O que te dizem por seres portuguesa?
‘Oh... Cristiano Ronaldo, yes!’ Também me perguntam se é perto de Espanha. E eu digo que sim, mas que não é Espanha.

Como é que te tens adaptado à gastronomia, clima, idioma e cultura da Alemanha?
Em termos gastronómicos, é terrível. Odeio completamente a comida alemã. Tenho sorte de haver um Lidl perto de minha casa onde faço as minhas compras e cozinho sempre. As pessoas são muito frias e tenho sorte porque o pessoal do wrestling fala inglês e por isso sinto-me mais familiarizada. Ainda não aprendi a falar alemã, não gosto [risos].

E o design gráfico, como ficou?
Continuei a trabalhar na Alemanha, mas com os treinos e os combates ao fim de semana e quando descobri que ia fazer uma carreira a sério no wrestling, decidi desistir de ser designer gráfica e concentrar-me no wrestling.


Quais são os teus objetivos e sonhos enquanto wrestler?
Tenho bastantes metas a alcançar e já tenho todas visualizadas. Primeiro quero ganhar o título feminino do NXT UK, depois mudar-me para a América, fazer parte do Raw ou do Smackdown, ganhar um título e ter um combate na Wrestlemania.

Quais são as tuas referências?
Katsuyori Shibata, Minoru Suzuki... é quase tudo japonês. Dentro da WWE tenho a Charlotte Flair, que é aquilo tudo que eu quero ser: é atlética, linda, sabe falar e basicamente é o pacote completo. Tem tudo tudo tudo.

Qual é a tua adversária de sonho?
Charlotte, Asuka, Sasha Banks e outra vez a Meiko Satomura.

Recentemente realizou-se o PPV Royal Rumble. Vês-te a participar num?
Gostava imenso de participar neste Royal Rumble mas não posso. Gostava imenso. No futuro, vejo-me a participar num Royal Rumble e num Evolution [PPV exclusivamente feminino]. Já em 2019? Vamos dizer 2019, vamos dizer...

Como recordas os teus primeiros tempos no wrestling?
Lembro-me muito bem do meu primeiro treino. Tinha 15 anos e foi em Arroios. Basicamente passei duas ou três horas a cair no chão. No dia a seguir estava morta, de rastos. Foi horrível. Os meus treinos nesse sítio não eram muito bons e só aparecia esporadicamente. Já com 16 anos, descobri o Wrestling Portugal, ganhei motivação e ia lá muito regularmente. Com o secundário e a universidade no caminho, comecei a ir só uma vez por mês porque estava tão focado nos meus estudos e na minha vida pessoal que o wrestling ficou para trás. Depois quando comecei a trabalho tive mais tempo, foquei-me mais no wrestling, passei a ir aos treinos mais frequentemente, participei em eventos mais regularmente, tive mais combates e depois mudei-me para a Alemanha.



Havia poucas mulheres no WP…
Tinha a Iolanda Domingues, com a qual lutava duas a três vezes durante o ano. Quando finalmente meti na cabeça que queria fazer isto como carreira, não havia mulheres. Então, só lutava com rapazes, o que não me importo. Gosto, porque é mais fácil dar porrada a um homem [risos].

Para terminar: O que o wrestling tem tão de especial?
Sou uma cinéfila. Adoro cinema, adoro filmes e adoro desporto. E o wrestling é o melhor dos dois mundos. É um filme da ação em direto. Tudo aquilo que eu gosto. É uma peça de teatro repleta de ação.
























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