Quem
é a Raquel Lourenço e quem é a Killer Kelly?
São
a mesma pessoa, mas a Killer Kelly é mais intensa do que a Raquel. Ambas fora
do ringue ou estão a rir ou estão extremamente sérias. Só que a Killer Kelly
pode estar sempre a rir, mas quando ouve a sineta entra num modo intenso e vai
magoar alguém.
Como
surgiu a personagem Killer Kelly?
Cresci
a ver WWE, mas a partir do momento que comecei a ver mais wrestling descobri
wrestling japonês e apaixonei-me completamente. É um estilo totalmente
diferente. Sempre gostei de wrestling, mas também de artes marciais e então
descobri o melhor dos dois mundos. A Killer Kelly que é isso, não é aquela superstar
que estamos habituados a ver na WWE. Bebi bastante de lutadores como Low Ki
e Katsuyori Shibata, que é um dos meus wrestlers favoritos. Peguei nos dois e
construi a Killer Kelly.
Como
tomaste a decisão de te tornares uma wrestler?
Desde
o primeiro momento que vi wrestling na televisão decidi que era isso que queria
fazer para a minha vida. Desde os meus 10 anos até aos 14 estive sempre à
procura de como podia chegar à WWE. Lembro-me de escrever no Google 'como me
posso tornar uma wrestler?' ou 'como posso chegar à WWE?' e descobri que havia
wrestling em Portugal. O sonho quase se tornou uma realidade, mas sempre pensei
que nunca iria chegar à WWE. Entretanto a vida pessoal e profissional meteu-se
no caminho e desisti um bocado da ideia, até que aos 24 anos tentei...
O
que te fez emigrar?
Era
designer gráfica, tinha um emprego e tinha o meu caminho traçado nessa
profissão. Mas depois pensei 'é agora ou nunca'. Procurei a melhor escola de
wrestling, pensei na escola de Lance Storm [em Calgary, no Canadá], mas era
muito longe. Depois procurei pela melhor escola da Europa e apareceu-me a WXW
[Westside Xtreme Wrestling] da Alemanha, que tinha lutadores que conhecia. Vi
que já muita gente treinou lá e que tinha apartamento e ginásio, o que era
fixe. Decidi ir passar lá uma semana para ver como corria e fiquei extremamente
apaixonada pelo estilo de vida, por a academia estar 24 horas por dia
disponível para treinar, do negócio deles, que todas as semanas dão
espetáculos, e decidi mudar-me de vez para a Alemanha. Na altura o meu
namorado, o Rafa, teve a mesma ideia e foi para a Alemanha comigo, em setembro
de 2017.
O
que te disse a família?
No
início não tinha dito nada a ninguém. Comprei a viagem, estava a planear fazer
as minhas malas e uma semana antes contei-lhes. A minha família ficou chocada.
Eu já tinha uma carreira, era designer gráfica, muito possivelmente ia ter
dentro de meses o meu emprego de sonho nessa área e de repente larguei tudo
para seguir um sonho. Diziam-me que tinha de ter um emprego decente, para não
largar a minha carreira, perguntaram-me se estava boa da cabeça. Mas
disse-lhes: 'vou ter a vossa idade e vou arrepender-me de não ter seguido o meu
sonho'. O meu pai ficou bastante chateado, a minha mãe disse para seguir o meu sonho,
mas que voltasse se as coisas estivessem a correr mal. Quando comecei a lutar
na WXW, eles não entendiam que havia federações que não a WWE e perguntavam-me
se continuava a ser designer na Alemanha. Cheguei em setembro de 2017, em
outubro já estava a fazer parte da WXW e em maio recebi o convite da WWE e em
junho já estava a estrear-me. Foi tudo bastante rápido.
Como
chegaste à WWE?
O
meu trajeto foi bastante estranho. Ainda não tinha feito nenhuma candidatura, nunca
fiz um tryout [estar à experiência] e do nada eles descobriram-me.
Enviaram-me um email e perguntaram-me se estava disponível. Perguntei: 'Como é
que vocês sabem que eu existo? Como é que me contactaram?' As minhas colegas
tinham feito tryouts, enviado candidaturas, estavam em contacto... eu
não. Perguntaram-me se queria fazer um combate para um torneio por um título.
O
que significa seres a primeira portuguesa a lutar na WWE?
Nunca
pensei que algum português chegasse à WWE. Nunca nunca nunca. Sempre pensei que
Portugal é um país pequenino, em que nunca reparam e que não tem cultura de
wrestling. Terem-me escolhido é uma honra enorme e uma coisa em que ainda não
acredito que aconteceu. Parece que estou a sonhar acordada.
Esta
é uma boa altura para se ser mulher no wrestling. Isso contribuiu para chegares
à WWE?
Sem
dúvida que contribuiu. Se não fosse a Women's
Revolution, tenho a certeza absoluta que não tinham pegado em mim.
Ajudou-me bastante e é uma ótima altura para se ser lutadora de wrestling. Uma
ótima altura! Temos mais oportunidades, temos mais combates, apostam mais em
nós. Por muito que as outras lutadoras tivessem talento, com a Victoria e Molly
Holly, elas não tinham tempo. Se não estiveres a lutar na televisão semana após
semana, não consegues melhorar e provar o quão melhores estás. Eles tinham só
combates de dois ou três minutos, e às vezes com estipulações. Felizmente, hoje
em dia já nos dão todo o tempo do mundo e sabem que, quando entramos no ringue,
conseguimos fazer um bom trabalho.
Achas
que esta corrente feminista que atravessa o desporto mundial também influenciou
a WWE?
Foi
uma corrente mundial, em quase todas as vertentes. Começou no mundo do
desporto. A Ronda Rousey era a maior estrela do UFC e a WWE pegou nisso com
resultados. Nós valemos o mesmo que os homens ou talvez até mais.
Como
é a tua rotina?
A
minha rotina é... all over the place
[em todo o lado]. Moro em Essen, na Alemanha, mas passo muito tempo no Reino
Unido, vou aos Estados Unidos e agora estou cá em Portugal. Estou sempre a
viajar de um lado para o outro. Não tenho tempo para ter uma rotina. Tenho que
me habituar a isto e ter uma rotina mais ou menos como os lutadores da WWE, com
refeições já feitas e ginásios identificados em cada cidade. Adoro, mas é super
stressante.
É
fácil viver do wrestling?
Se
tiveres um contrato, é seguríssimo. Se estiveres a lutar em promotoras
independentes e não tiveres contrato, é super arriscado. Tinha meses em que
fazia muito bom dinheiro, com combates e vendas de merchandising, mas tinha
outros meses em que não havia assim tantos espetáculos. Felizmente, sempre fui
aquela pessoa que gosta de poupar dinheiro na conta-poupança, por isso nunca me
vi assim tão mal. Mas a partir do momento que a WWE me ofereceu o contrato, a
minha vida mudou completamente. Estou super estável. Não tenho que me preocupar
em guardar dinheiro para o próximo mês porque se não tiver combates ou me
lesionar.
Atualmente
estás afastada dos ringues devido a lesão…
Treinamos
para fazer tudo de uma maneira segura, para não nos aleijarmos e para não
aleijarmos o adversário. Mas tudo pode acontecer. Há duas semanas, estava a
treinar, a fazer um golpe super simples, e do nada a rapariga enrolar e eu bati
de cabeça. E pronto: concussão. Pode acontecer de várias maneiras. No verão, a
correr de um canto para o outro do ringue, torci o tornozelo e tive de ficar
quatro semanas de baixa. Devido à minha concussão, terei de ser vista por um
médico nos Estados Unidos para voltar a lutar. Os riscos estão sempre presentes
e felizmente que nenhuma das lesões foi muito grave. Mas já não tenho sintomas.
Pode ter-se lesões muito graves e a carreira pode acabar de um momento para o
outro. É tudo planeado, é suposto ser tudo seguro, mas é como andar na rua e
ser-se atropelado por um autocarro.
Não
entras em ringue com medo de te aleijares?
Não
gosto de pensar nisso. Porque se pensar, é mais provável que aconteça. Tens que
estar 100 % segura de que o vais fazer no ringue vai correr bem. Para isso
serve falar com a adversária antes, ter tudo bem estruturado e que ela perceba
o que vai acontecer. Tive recentemente um combate com uma japonesa na WXW em
que ela não falava inglês: vi que ela se tinha esquecido de fazer uma coisa
qualquer e então prendi-a numa submissão e tentei dizer-lhe, mas ela não
percebeu. Então fiz outra coisa. Isso acontece muitas vezes.
Como
são os teus treinos?
A
nível de ringue, treino na WXW e no Performance Center da WWE. Temos treinos de
ringue, de promos e ginásio. Vou ao ginásio quase todos os dias se não tiver a
viajar. Restrições alimentares... não tenho nenhumas [risos]. Estou a comer o
que me aparece à frente. Estou sempre a viajar, não tenho aquela rotina
alimentar. Numa semana normal, treino duas vezes por semana no ringue. Muitas
das vezes é só uma vez porque há espetáculos.
Sais
muito amassada dos combates e dos treinos?
Sim.
Muito! Quando acabo um treino, tenho de ir para casa dormir, porque fico
exausta de tantas quedas e de ter de levantar pessoas.
Chegaste
à Alemanha em setembro de 2017 e passados poucos meses foste coroada campeã da
WXW. Como é que isso aconteceu?
Isso
aconteceu em dezembro de 2017. Cheguei em setembro à Alemanha, em outubro já
estava a lutar para a WXW e Na altura fez sentido para eles colocarem-me como a
primeira campeã feminina da promotora. Talvez por ser a rapariga que saiu de
Portugal para seguir o sonho dela e veio de propósito da WXW. Passado um mês
perdi o título para a Toni Storm. Foi um dos meus combates favoritos, ela é uma
superestrela. Foi o meu primeiro e único título.
O
wrestling é pré-programado, mas sentes que o título foi um reconhecimento do
teu trabalho?
Há
muitas pessoas que dizem que é indiferente darem-lhe títulos ou não. Para mim
foi muito especial, foi a WXW a dar reconhecimento ao facto de eu ter mudado de
Portugal especificamente para estar com eles, treinar com eles e fazer parte
dos espetáculos. Darem-me o título foi uma espécie de reconhecimento pelo meu
trabalho de outubro a dezembro. Quando me o tiraram, fiquei triste, porque
estava à espera de ter um reinado mais longo. Mas eu percebi: não estava
preparada para ser campeã, de todo. Compreendi obviamente.
Sentes-te
mais à vontade a lutar ou a falar?
Como
podes ver, eu não me sinto muito à vontade a falar. Odeio falar, meto os pés
pelas mãos [risos]. Sinto-me muito mais confortável a lutar.
O
que te dizem por seres portuguesa?
‘Oh...
Cristiano Ronaldo, yes!’ Também me perguntam se é perto de Espanha. E eu digo
que sim, mas que não é Espanha.
Como
é que te tens adaptado à gastronomia, clima, idioma e cultura da Alemanha?
Em
termos gastronómicos, é terrível. Odeio completamente a comida alemã. Tenho
sorte de haver um Lidl perto de minha casa onde faço as minhas compras e
cozinho sempre. As pessoas são muito frias e tenho sorte porque o pessoal do
wrestling fala inglês e por isso sinto-me mais familiarizada. Ainda não aprendi
a falar alemã, não gosto [risos].
E
o design gráfico, como ficou?
Continuei
a trabalhar na Alemanha, mas com os treinos e os combates ao fim de semana e
quando descobri que ia fazer uma carreira a sério no wrestling, decidi desistir
de ser designer gráfica e concentrar-me no wrestling.
Quais
são os teus objetivos e sonhos enquanto wrestler?
Tenho
bastantes metas a alcançar e já tenho todas visualizadas. Primeiro quero ganhar
o título feminino do NXT UK, depois mudar-me para a América, fazer parte do Raw
ou do Smackdown, ganhar um título e ter um combate na Wrestlemania.
Quais
são as tuas referências?
Katsuyori
Shibata, Minoru Suzuki... é quase tudo japonês. Dentro da WWE tenho a Charlotte
Flair, que é aquilo tudo que eu quero ser: é atlética, linda, sabe falar e
basicamente é o pacote completo. Tem tudo tudo tudo.
Qual
é a tua adversária de sonho?
Charlotte,
Asuka, Sasha Banks e outra vez a Meiko Satomura.
Recentemente
realizou-se o PPV Royal Rumble. Vês-te a participar num?
Gostava
imenso de participar neste Royal Rumble mas não posso. Gostava imenso. No
futuro, vejo-me a participar num Royal Rumble e num Evolution [PPV
exclusivamente feminino]. Já em 2019? Vamos dizer 2019, vamos dizer...
Como
recordas os teus primeiros tempos no wrestling?
Lembro-me
muito bem do meu primeiro treino. Tinha 15 anos e foi em Arroios. Basicamente
passei duas ou três horas a cair no chão. No dia a seguir estava morta, de
rastos. Foi horrível. Os meus treinos nesse sítio não eram muito bons e só
aparecia esporadicamente. Já com 16 anos, descobri o Wrestling Portugal, ganhei
motivação e ia lá muito regularmente. Com o secundário e a universidade no
caminho, comecei a ir só uma vez por mês porque estava tão focado nos meus
estudos e na minha vida pessoal que o wrestling ficou para trás. Depois quando
comecei a trabalho tive mais tempo, foquei-me mais no wrestling, passei a ir
aos treinos mais frequentemente, participei em eventos mais regularmente, tive
mais combates e depois mudei-me para a Alemanha.
Havia
poucas mulheres no WP…
Tinha
a Iolanda Domingues, com a qual lutava duas a três vezes durante o ano. Quando
finalmente meti na cabeça que queria fazer isto como carreira, não havia
mulheres. Então, só lutava com rapazes, o que não me importo. Gosto, porque é
mais fácil dar porrada a um homem [risos].
Para
terminar: O que o wrestling tem tão de especial?
Sou
uma cinéfila. Adoro cinema, adoro filmes e adoro desporto. E o wrestling é o
melhor dos dois mundos. É um filme da ação em direto. Tudo aquilo que eu gosto.
É uma peça de teatro repleta de ação.
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