domingo, 17 de outubro de 2021

Artur: “Fico feliz por me verem como um ídolo de Ovar e da Ovarense”

Artur Marques é uma figura emblemática da Ovarense
Há quem o conheça como o “Artur da Ovarense”, por ter feito no emblema de Ovar grande parte da formação e do seu percurso como futebolista profissional. Por amor ao clube, rejeitou propostas para jogar na I Liga e, já como treinador, dirigiu os vareiros nos campeonatos distritais da Associação de Futebol de Aveiro depois de ter orientado a Oliveirense na II Liga.
 
Em entrevista, o antigo médio recorda a época em que foi companheiro de equipa de Sérgio Conceição nos juniores do FC Porto e as passagens por Oliveirense, União Micaelense e Avanca.
 
RUI COELHO - O Artur representou vários clubes durante a sua carreira de jogador, mas fez grande parte da formação e do seu percurso no futebol profissional na Ovarense, clube no qual já veio a trabalhar como treinador. É justo falar de si como o “Artur da Ovarense”?
ARTUR - Sim, tenho 20 anos de Ovarense e por acaso dei uma entrevista em que o título era “o Artur da Ovarense”. É evidente que tenho uma grande relação com o clube, e que me veem como uma figura e um ídolo da terra e do clube e fico imensamente feliz, porque concretizei um sonho de criança que era jogar no clube da minha terra e sinto muito orgulho na carreira que fiz com essa camisola.
 
O Artur passou pelos juniores do FC Porto, foi o rosto dos anos dourados da Ovarense e ainda jogou na II Liga ao serviço da Oliveirense. Que balanço faz da sua carreira?
Fui um felizardo em poder fazer o que mais gostava e ser profissional de futebol. Só me faltou jogar na I Liga, tenho muitos anos de II Liga quer como jogador quer como treinador, na Ovarense tive uma carreira fantástica e sou o jogador com mais jogos na II Liga pelo clube.
A Oliveirense foi um clube que me acolheu de braços abertos e onde tive anos maravilhosos. Estarei eternamente grato, acabei lá a minha carreira, acabei por ficar na estrutura do clube como treinador adjunto e mais tarde como principal.
A única mágoa que levarei comigo é não ter acabado a carreira na Ovarense.
 
Voltemos atrás no tempo. Nasceu em Ovar e começou a jogar futebol na Ovarense. Como foi a sua infância e como é que a bola entrou na sua vida? 
Sou do Furadouro e na década de 1980 eu ia sempre com o meu pai de bicicleta para ir ver a Ovarense, que na altura jogava na antiga III Divisão, tinha eu 10 anos e não falhava um jogo em casa - a minha paixão pelo clube era e é enorme - e quando a Ovarense abriu as captações eu e os meus amigos do Furadouro íamos a pé para Ovar para treinar e foi aí que tudo começou. Tive uma infância fantástica, em que tudo era brincadeira de rua, ao contrário dos tempos de hoje, passava horas e horas na rua a jogar à bola e descalço. Passei muito tempo na praia, os meus pais eram pescadores. Da minha casa à praia era só atravessar a estrada. Eram tempos únicos, que nos deixam muitas recordações e saudades.
 

Sérgio Conceição era muito resmungão já nos juniores do FC Porto

Em 1992-93 jogou nos juniores do FC Porto ao lado de jogadores como Hilário e Sérgio Conceição. Como correu essa experiência?
Sim, fomos campeões nacionais com o saudoso Costa Soares. Foi uma experiência enriquecedora não só com o Sérgio e o Hilário, que foram os dois que acabaram por ter uma grande carreira internacional, mas também jogava nessa equipa Bock (grande avançado merecia outros palcos), Romeu, Rui Óscar, Mariano, Madureira, Artur Alexandre, Avelino (guarda-redes), Edgar, Carlos Filipe, Pedro Moreira e Nilton. Conhecer outra realidade e outra cultura e sair da minha zona de conforto fez-me crescer como homem e como jogador.
 
Conheceu Sérgio Conceição quando ele ainda era muito jovem. Como era o atual treinador do FC Porto na altura? Já se notava a personalidade vincada e a azia acentuada na hora da derrota?
Sim, sim. Tinha um temperamento nada fácil, era muito resmungão. Já na altura tinha uma personalidade muito forte e já era um líder por natureza, sabia o que queria. Era um craque!
 
O Artur fez parte dos anos dourados da Ovarense durante as décadas de 1990 e 2000. Que memórias guarda desses tempos? Quais foram os melhores momentos que viveu?
Tempos fantásticos. Pertencer à história deste clube, por onde passaram campeões do mundo, campeões europeus e campeões nacionais da I Liga, a minha estreia nos seniores, o meu primeiro golo (na Madeira com o Nacional), ter sido campeão nacional da II Divisão e subir à II Liga, as excelentes épocas na II Liga e ter partilhado o balneário com jogadores fantásticos que por cá passaram e com os quais fiz amizades para a vida foram os melhores momentos. Os jogos no Marques da Silva eram sempre especiais.
 

“Tive a possibilidade de jogar na I Liga, mas renovei pela Ovarense

Artur com a camisola vareira na década de 1990
O Artur acabou por nunca se ter estreado na I Liga. Alguma vez houve essa possibilidade?
Sim, houve a possibilidade de sair para a Naval e mais tarde o Penafiel, mas a direção, quando soube do interesse a meio da época, propôs-me a renovação do contrato e sinceramente nem hesitei e acabei por renovar e não me arrependo de nada, se fosse hoje voltava a fazer o mesmo.  Era no meu clube que queria estar, não me imaginava com outra camisola e acalentava o sonho de jogar na I Liga com a Ovarense. Se não houvesse os problemas financeiros, penso que em 2004-05 estava tudo preparado para atacarmos a subida e tenho a certeza que iríamos conseguir, na altura subiam três equipas. Andámos sempre nos três primeiros lugares até que surgiram os problemas e infelizmente foi tudo por água abaixo.
 
No início de 2006 terminou a sua ligação à equipa vareira, que iniciou nessa altura uma queda a pique na hierarquia do futebol português. Como viu a queda do clube e, na sua opinião, o que a motivou?
Foi muito duro, depois de tantos anos assistir à queda do meu clube… Nem nos meus piores pesadelos pensei que alguma vez iria passar pelo que passei, foi a maior tristeza e mágoa que tive na minha carreira. O motivo é público, problemas financeiros que dificilmente seriam resolvidos, foi um rude golpe ainda hoje dói só de pensar! Ao fim de 17 anos e deixar tudo para trás, vocês nem queiram imaginar.
 
Por outro lado, como tem visto este renascimento do futebol sénior da Ovarense? Renascimento esse que já contou com a participação do Artur…
Depois de um interregno houve uma direção que teve a coragem de fazer renascer o futebol, sabendo de antemão dos problemas existentes. Quando saí da Oliveirense, passado uns tempos    abri o meu negócio e tinha decidido abdicar do futebol profissional e foi precisamente nessa altura que Paulo Campino, Rui Teles e Teixeirinha me desafiaram para regressar e tentar colocar o clube na I Distrital. Aceitei o desafio, muita gente me chamou de maluco, que não o devia de fazer, pois ia da II Liga para os distritais, mas penso que estava na hora de ajudar o meu clube e acordar este monstro adormecido e envolver a cidade com o clube. Isso foi conseguido aos poucos e neste momento o clube está no caminho certo, traçou um rumo, tem uma nova direção com ideias bem vincadas do que pretende para o clube e espero que daqui para a frente o clube volte com passos sustentados aos patamares nacionais.
 

“Meio ano na União Micaelense? Não gostei muito”

Após deixar a Ovarense rumou à União Micaelense. Como correu esse meio ano nos Açores?
Sinceramente, não gostei muito. Depois de tantos anos na Ovarense e acabar essa ligação como acabou, precisava de um desafio longe de casa até para limpar a cabeça, mas ir sem a família custou imenso, vinha jogar ao continente de 15 em 15 dias, ficava cá um dia e depois tinha que voltar. Também encontrei muito amadorismo no clube, era pouco organizado. Se fosse hoje, era das poucas coisas que me fariam voltar atrás. Não iria.
 

“Adorei estar no Avanca”

No verão de 2006 voltou para território continental para ingressar no Avanca. Como correu essa aventura?
Adorei estar no Avanca, o clube tinha acabado de subir à II Divisão B e acolheram-me de braços abertos. É um clube muito familiar, com umas condições de trabalho fantásticas, um plantel muito jovem, mas com qualidade, uma equipa técnica top (mister Nazi, prof. Nuno, Coelho, Zequinha) excelentes diretores. Fiz uma época excelente, garantimos a permanência na II Divisão B e só tenho que estar grato ao Avanca, que me proporcionou condições para que eu pudesse voltar a outros patamares.
 

“A Oliveirense é um enorme clube, passei lá anos maravilhosos”

Artur passou três anos na Oliveirense
Um ano depois assinou pela Oliveirense, clube pelo qual voltou a jogar na II Liga. Que balanço faz dos anos que passou na equipa de Oliveira de Azeméis e como viveu a subida ao segundo escalão?
Quando o Pedro Miguel, que já tinha trabalhado comigo na Ovarense, me convidou, nem hesitei. Eu queria muito voltar ao profissionalismo e a Oliveirense tinha como objetivo a subida à II Liga.  E que grande temporada nós fizemos, estivemos cerca de oito meses sem uma única derrota, fomos campeões nacionais e tínhamos um balneário do melhor que apanhei no futebol. A Oliveirense é um enorme clube, uma grande instituição, passei lá anos maravilhosos, voltei a jogar na II Liga e infelizmente tive uma grave lesão que me obrigou a terminar a carreira já com 35 anos. Também estivemos com um pé na I Liga, mas infelizmente não aconteceu. Não esqueço o gesto do clube e dos meus colegas pela homenagem que me prestaram na minha despedida como profissional de futebol. São gestos que nos marcam para a vida.
 
Além da Ovarense, imaginamos que tenha um carinho especial pela Oliveirense
Claro que a Oliveirense terá sempre um espaço no meu coração, foram muitos anos a representar o clube e tenho uma gratidão enorme por toda a gente. Vivi lá anos fantásticos, deram-me a oportunidade de fazer parte da estrutura técnica e é um privilégio fazer parte da história dessa enorme instituição. Continuo sempre acompanhar a Oliveirense e quero o melhor para o clube.
 
Propomos-lhe um desafio. Elabore um onze ideal de jogadores com os quais jogou.
Certamente vou ser injusto com alguns, pois dava para fazer três ou quatro equipas, mas vou fazer um onze e depois mais alguns que podiam entrar nesse onze. Guarda-redes: Mingote; Defesas: Zé Gomes, Armando Santos, Banjai, Evilar e Valdir; Médios: Hélder Vasco, Pedro Cervantes e Zé Pedro; Avançados: Miguel Bruno e Nei. Mas faço menção honrosa aos guarda-redes Serrão e Rui Barbosa e outros jogadores como Marco Abreu, Laranjeira, Oliveira, Godinho, Leandro Neto, Hélder Sousa, Éder, Lobo, Areias, Luís Coentrão, Paulo Teixeira, Carlos Marques e muitos outros que não vou mencionar porque senão isto nunca mais acabava. Não coloquei jogadores com os quais joguei na formação, só futebol sénior.
 

O dia em que o treinador chorou no balneário

Artur enquanto treinador da Oliveirense
E que treinadores mais o marcaram? Tem histórias engraçadas com alguns deles que nos possa contar?
Sim, desde Bruno Cardoso, Joaquim Teixeira, Fanã, o espanhol Fabri Gonzalez, Pedro Miguel, Frasco, Manuel Fernandes, Mazzola e Nazi, todos me marcaram pela positiva, aprendi com todos eles e tive sempre boa relação com todos.
Histórias há muitas, mas vou destacar um episódio que aconteceu jogava no Avanca, com o mister Nazi, um grande homem e um grande ser humano, do melhor que apanhei no futebol. Houve um momento da época em que as coisas não estavam a correr bem e num intervalo de um jogo estávamos a perder e o homem no balneário perante os jogadores chorava baba e ranho quando falava. Incrível, aquilo mexeu comigo, pois com tantos anos de futebol profissional nunca tinha visto algo assim. Eu baixei a cabeça e só pensava que tínhamos que ajudar o homem. É um homem fantástico, mesmo puro! Era incapaz de dar um berro aos jogadores. Um abraço para ele.
 
Após encerrar a carreira de jogador, iniciou a de treinador. Como tem estado a correr e o que se tem passado para não treinar nenhuma equipa desde que deixou a Ovarense em 2019?
Neste momento não treino por opção. Já tinha decidido antes de terminar a época que iria parar porque neste momento o trabalho ocupa-me muito tempo e o tempo é curto, daí ter optado por me afastar e não querer voltar ao futebol, apesar de às vezes sentir a falta da pressão do jogo, do treino e do balneário, mas são decisões que tinham que ser tomadas e sinceramente não estou arrependido.
 
Como treinador, o Artur começou na condição de adjunto de Pedro Miguel e depois de João de Deus. O que mais gostou da forma de treinar de cada um?
Tive a sorte no início da minha carreira ter estes dois belíssimos treinadores. Do Pedro destaco o líder que ele é, impõe-se facilmente perante o grupo, é um homem de trato fácil, muito próximo dos jogadores, taticamente muito forte, sempre com as suas equipas muito bem organizada. Também aprendi muito com o João, é um estudioso, com uma metodologia de treino   top, que os jogadores adoravam. Estudava os adversários ao pormenor, tinha uma ambição incrível e consegue ter o grupo com ele, é um líder nato.
 
Enquanto treinador, que características gosta que as suas equipas tenham?
Hoje em dia, toda a gente no futebol moderno gosta de jogar em posse e eu não fujo à regra, mas gosto que as minhas equipas sejam muito objetivas ofensivamente na procura do golo, defensivamente fortes, agressivas na recuperação da bola, ou seja, um coletivo forte e equilibrado.
 
Entrevista realizada por Rui Coelho









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