domingo, 27 de dezembro de 2020

Até onde nos leva a ditadura das redes sociais?

Caçadores partilharam imagens dos animais mortos
Tem marcado a atualidade a montaria na Azambuja que levou à matança de 540 animais às mãos de 16 caçadores. A notícia foi dada pelo jornal regional Fundamental, atento à realidade local, e a partir daí seguiu-se uma espécie de efeito-dominó. Primeiro foram partidos e associações a recriminar a chacina, a exigir responsabilidades e a colocar na lama o nome da Quinta da Torre Bela, depois meteu-se em causa a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares para aquele local e até o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, ordenou a revogação imediata da licença de caça da quinta e admitiu a revisão da lei da caça.
 
Um assunto que tem dado pano para mangas até poderia ter passado despercebido ou até ser do desconhecimento de qualquer autoridade e órgão de comunicação social se os responsáveis pela montaria não tivessem partilhado o que consideraram um feito nas redes sociais. “Conseguimos de novo! 540 animais com 16 caçadores em Portugal, um recorde numa super montaria”, escreveram os autores.
 
Ora, se matar 540 animais num curto espaço de tempo já poderá ser considerado estupidez, anunciá-lo nas redes sociais levanta apenas algumas dúvidas quanto ao grau de estupidez: a dobrar ou ao quadrado?
 
Contudo, este é apenas um exemplo do que é hoje em dia a ditadura das redes sociais: a necessidade de alimentar páginas, de mostrar e de querer partilhar algo com o mundo, ainda que por vezes num estado de euforia que não nos permita diferenciar o que é publicável do que não é.
 
Em ano de Covid-19, já tenho batido nesta tecla nos espaços de que disponho no Facebook. De um modo geral, entidades e figuras públicas com capacidades de influenciar as nossas opiniões e ações não se têm portado bem no combate à pandemia.
 
A cada fim de semana – ou até a meio de cada semana, tantos são os jogos que têm de ser reagendados –, o meu feed no Facebook e no Instagram é bombardeado por fotografias de equipas fechadas no balneário e sem distanciamento social nem máscara a festejar vitórias. As da I Liga são testadas regularmente, mas dão mau exemplo. As dos restantes campeonatos, além de darem mau exemplo, correm sérios riscos.
Festejos do Cova da Piedade antes do surto no plantel

Um exemplo flagrante aconteceu com o Cova da Piedade, que no final de outubro ficou com grande parte do plantel e elementos da estrutura infetados
– incluindo o treinador António Pereira, que passou seis dias nos cuidados intensivos e esteve entre a vida e a morte –, dias depois de terem celebrado uma vitória sobre o Leixões sem as medidas de segurança adequadas. Como é óbvio, a ditadura das redes sociais levou a que houvesse fotografia do momento disponibilizada publicamente.
 
O mesmo se aplica a figuras públicas. Quem deveria retrair-se e fazer algum serviço público, é quem mais publica fotografias de jantaradas e festas com pessoas com as quais não vivem, levando a aparentar uma normalidade que ainda tardará a regressar. Basta dar uma olhada pelo Instagram de uma qualquer Cristina Ferreira para o perceber.
 
Até onde nos leva a ditadura das redes sociais? No limite, até à morte. De acordo com estudo publicado no Journal of Family Medicine and Primary Care, morreram 259 pessoas a tirar selfies entre outubro de 2011 e novembro de 2017.















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