Nesta nossa série de reportagens
sobre os clubes angolanos
com poucos recursos, mas que apostam forte na formação, vamos falar do Real
Sambila FC, um clube de Luanda, sediado no coração do distrito urbano do Sambizanga.
É no campo pelado da Força Aérea Nacional que o clube tem desenvolvido um
excelente trabalho. Foi de lá saíram atletas como Vá (Pafos FC), Milson e Chico
Banza (ambos Marítimo B) e Megue (Petro de Luanda), entre outros.
Fundado por Adão Costa, vice-presidente
da Federação
Angolana de Futebol e presidente honorário do clube, o projeto começou com
a Escola de Futebol Adão Costa (EFAC) em janeiro de 2007, mas a 5 de janeiro de
2012 passou a chamar-se Real Sambila Futebol Clube. Com Cláudia Guerra a presidente,
Kenedy Alegrias a vice e tendo o futebol como única modalidade, o emblema da
capital vai crescendo cada dia que passa, mesmo sem ter uma equipa sénior.
Em entrevista, o vice-presidente
Kenedy Alegrias analisa o projeto do clube, revela as principais dificuldades e
traça os objetivos para o futuro.
ROMILSON TEIXEIRA - Quais eram os principais objetivos do clube aquando
da sua fundação?
KENEDY ALEGRIAS - Surgimos com
uma estrutura muito limitada, de uma dimensão amadora nas condições de trabalho.
Para terem noção, as refeições dos atletas eram feitas pelos nossos familiares –
inclusivamente a atual presidente -, as roupas dos dirigentes eram lavadas na
mesma máquina do que as dos atletas, sentámo-nos muitas vezes à mesma mesa,
algo que hoje os atletas continuam acostumados a fazer, pese embora não com a
mesma frequência.
Sempre tivemos um corpo técnico muito
detalhista nos aspetos de seleção e métodos de treino, e, resultado disso, fruto
de uma dedicação total, é com muita humildade que digo e sem sombras de duvidas
que somos um dos melhores clubes na formação de jovens jogadores no país. O
projeto desta escola de formação é resultado da paixão de toda uma vida da
direção e equipa técnica, em particular do mentor deste projeto (Adão Costa).
Outras das razões que motivaram a
criação do projeto foi a intenção de ajudar o nosso país nas vertentes desportiva
e social. Na desportiva ajudando o futebol nacional, formando novos talentos. E
quando falo em aspetos sociais, falo por exemplo em retirar os miúdos de maus
caminhos como a delinquência ou o alcoolismo, dando-lhes a possibilidade de
estarem inseridos no ensino primário e secundário, porque somos responsáveis
pela formação académica de 80% dos nossos atletas.
"40 atletas residem em casas arrendadas por nós"
Kenedy Alegrias, vice do clube |
Quais foram as principais dificuldades que o Real Sambila enfrentou?
Uma das principais dificuldades
encontradas, ou talvez a maior, foi a falta de um campo próprio. Desde a nossa
existência até aos dias de hoje treinamos e fazemos os nossos jogos oficiais
nas instalações da Força Aérea Nacional, a quem somos gratos por nos estenderem
a mão. Outra grande dificuldade é a
falta de apoio financeiro. Como me
referi na questão anterior, sendo um projeto com uma vertente social, temos connosco
mais de 120 atletas, sendo que 40 residem em casas arrendadas por nós, com
alimentação, saúde, educação e todos os outros gastos possíveis e imaginários
são por nossa conta. Os restantes, que vivem com os pais, também são
beneficiados deste apoio, mas tudo isso suportado pela direção e até aqui nos
mantemos firmes, fortes e pretendemos continuar até onde Deus nos permitir.
Então, de onde vem o capital do clube? Tem um patrocinador ou entidades
que dão um apoio financeiro regular?
É tudo fruto do rendimento da
vida empresarial (privada) do nosso presidente honorário, mas tivemos em alguns
momentos determinados patrocínios.
Apesar das dificuldades, o clube tem feito um trabalho exemplar na
formação de atletas. Qual tem sido o segredo?
Somos um projeto que mais tarde
ou mais cedo Angola
teria o prazer de ver nascer, o segredo tem sido trabalho apenas isso.
Quais são os escalões é que o clube tem e quantos atletas estão a ser
formados?
Temos infantis, iniciados (A e B),
juvenis e juniores. Temos cerca de 120 atletas inscritos.
Para elucidar os nossos leitores, pode dizer-nos o nome de alguns
atletas que competem no futebol profissional e que passaram pela formação do
Real Sambila?
Vá (Pafos, do Chipre), Megue
(Petro de Luanda), Além (Petro de Luanda), Jô (1º de Agosto), Aisson
(Recreativo da Caála) e Estêvão (Bravos do Maquis).
"Encontrar um espaço próprio é uma necessidade crucial"
Neste momento a necessidade
crucial para a solidificação do projeto é mesmo um espaço próprio, porque
trabalhando em instalações alheias o amanhã continua incerto, porque podemos de
um dia para outro ficarmos sem um espaço para dar continuidade ao trabalho. Já
pedimos ao Estado um espaço e até hoje continuamos sem resposta, mas crentes
que mais tarde ou mais cedo conseguiremos. Também precisamos mesmo de um apoio
financeiro para dar suporte aos gastos com o material e com a acomodação e a alimentação
dos nossos atletas.
O projeto do clube é exclusivo da formação ou já se tem em carteira um
projeto de uma equipa sénior?
O nosso projeto versa somente a
formação dos jovens jogadores para aprenderem o básico, ou melhor, para darem
os primeiros passos no futebol. Até à data é prematuro falarmos sobre um
projeto no âmbito dos seniores. Todavia não sabemos o dia de amanhã. Quem sabe,
se aparecer um parceiro que queira investir no projeto, podemos pensar.
Vá, produto da formação do Real Sambila |
Apesar de sermos um clube de
pequena dimensão, hoje em Angola
ou a nível internacional já somos bem conhecidos, o que na verdade precisamos é
mesmo um parceiro, ou melhor, um investidor.
Real Sambila já é uma marca em Angola
e não só, mesmo nestas condições temos um projeto sólido. Os grandes projetos
surgem em pequena escala e depois vão-se desenvolvendo. É evidente que com esta
projeção podemos naturalmente vender o nosso produto, que na verdade já é do
domínio público e dos amantes do futebol. Para se chegar aos seniores tem de necessariamente
se passar por este grau de formação, tanto é que há clubes na Europa que só
vivem com os rendimentos da formação, que vão alimentando a equipa de seniores.
No nosso caso concreto não estamos preocupados com este aspeto porque é daí que
vêm os melhores frutos. Neste aspeto somos mais aliciados, porque somos o
viveiro das grandes equipas de seniores.
Partindo do princípio que é da
base que chegamos ao topo, logo devemos passar necessariamente por uma
organização rigorosa, minuciosa e estratégica. Este é o principal caminho para
o sucesso. Depois disso é que podemos partir para uma liga profissional e novas
políticas desportivas para dar sustentabilidade definitiva aos clubes, assim
estaríamos a evitar passar por muitas situações como as que vemos repetidas
vezes, como clubes desistirem a meio das provas, causando enormes embaraços. Quando
falamos do principio, de partir da base para o topo, estamos a falar de todo o
futebol, começando pelos clubes, Associações Provinciais de Futebol (APFs) e
terminando no próprio órgão reitor da modalidade, Federação
Angolana de Futebol (FAF). Depois passa fundamentalmente pela mudança de
mentalidade dos nossos dirigentes, como deixarem de pensar no eu e passarem a
pensar no coletivo, para que amanhã possam deixar bons legados e instituições
sólidas. Precisamos de instituições fortes, organizadas e muito competentes, falo
da FAF/possível Liga/APFS e clubes, para enriquecer o nosso futebol, para podermos
de alguma forma potenciarmos os clubes pequenos que são os viveiros dos
grandes.
Cubes e escolas, aqueles que têm
vontade de trabalhar mesmo nas más condições, trabalham com amor à camisola. É
preciso estarmos comprometidos com a causa, o futebol não é para aventureiros.
As convocatórias das seleções jovens de Angola
causam sempre polémica, havendo alegações de que apenas são convocados os
jogadores das equipas grandes. Sente que há favorecimentos no nosso futebol?
De maneira nenhuma, não sinto
nada disso, mesmo sabendo da realidade do nosso futebol de formação Não
corresponde à verdade na medida em que são convocados os melhores, e os
melhores estão nos melhores clubes, daí a convocatória ser mais extensiva aos
grandes clubes. Como é natural, nos clubes pequenos aparecem um ou outro bom
jogador que passa servir a seleção, mas se o mesmo se destacar, aparecem logo
os grandes a contratá-lo e passa a ser mais um nos grandes, mas isso é natural
e muito comum porque acontece em outros países também, não só em Angola.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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