sexta-feira, 17 de abril de 2020

Formando muito com pouco #1 - A garra do Real Sambila

Real Sambila tem projetado jogadores para o Girabola e para a Europa
Nesta nossa série de reportagens sobre os clubes angolanos com poucos recursos, mas que apostam forte na formação, vamos falar do Real Sambila FC, um clube de Luanda, sediado no coração do distrito urbano do Sambizanga. É no campo pelado da Força Aérea Nacional que o clube tem desenvolvido um excelente trabalho. Foi de lá saíram atletas como Vá (Pafos FC), Milson e Chico Banza (ambos Marítimo B) e Megue (Petro de Luanda), entre outros.


Fundado por Adão Costa, vice-presidente da Federação Angolana de Futebol e presidente honorário do clube, o projeto começou com a Escola de Futebol Adão Costa (EFAC) em janeiro de 2007, mas a 5 de janeiro de 2012 passou a chamar-se Real Sambila Futebol Clube. Com Cláudia Guerra a presidente, Kenedy Alegrias a vice e tendo o futebol como única modalidade, o emblema da capital vai crescendo cada dia que passa, mesmo sem ter uma equipa sénior.

Em entrevista, o vice-presidente Kenedy Alegrias analisa o projeto do clube, revela as principais dificuldades e traça os objetivos para o futuro.


ROMILSON TEIXEIRA - Quais eram os principais objetivos do clube aquando da sua fundação?
KENEDY ALEGRIAS - Surgimos com uma estrutura muito limitada, de uma dimensão amadora nas condições de trabalho. Para terem noção, as refeições dos atletas eram feitas pelos nossos familiares – inclusivamente a atual presidente -, as roupas dos dirigentes eram lavadas na mesma máquina do que as dos atletas, sentámo-nos muitas vezes à mesma mesa, algo que hoje os atletas continuam acostumados a fazer, pese embora não com a mesma frequência.
Sempre tivemos um corpo técnico muito detalhista nos aspetos de seleção e métodos de treino, e, resultado disso, fruto de uma dedicação total, é com muita humildade que digo e sem sombras de duvidas que somos um dos melhores clubes na formação de jovens jogadores no país. O projeto desta escola de formação é resultado da paixão de toda uma vida da direção e equipa técnica, em particular do mentor deste projeto (Adão Costa).
Outras das razões que motivaram a criação do projeto foi a intenção de ajudar o nosso país nas vertentes desportiva e social. Na desportiva ajudando o futebol nacional, formando novos talentos. E quando falo em aspetos sociais, falo por exemplo em retirar os miúdos de maus caminhos como a delinquência ou o alcoolismo, dando-lhes a possibilidade de estarem inseridos no ensino primário e secundário, porque somos responsáveis pela formação académica de 80% dos nossos atletas.


"40 atletas residem em casas arrendadas por nós"


Kenedy Alegrias, vice do clube
Quais foram as principais dificuldades que o Real Sambila enfrentou?
Uma das principais dificuldades encontradas, ou talvez a maior, foi a falta de um campo próprio. Desde a nossa existência até aos dias de hoje treinamos e fazemos os nossos jogos oficiais nas instalações da Força Aérea Nacional, a quem somos gratos por nos estenderem a mão.  Outra grande dificuldade é a falta de apoio financeiro.  Como me referi na questão anterior, sendo um projeto com uma vertente social, temos connosco mais de 120 atletas, sendo que 40 residem em casas arrendadas por nós, com alimentação, saúde, educação e todos os outros gastos possíveis e imaginários são por nossa conta. Os restantes, que vivem com os pais, também são beneficiados deste apoio, mas tudo isso suportado pela direção e até aqui nos mantemos firmes, fortes e pretendemos continuar até onde Deus nos permitir.

Então, de onde vem o capital do clube? Tem um patrocinador ou entidades que dão um apoio financeiro regular?
É tudo fruto do rendimento da vida empresarial (privada) do nosso presidente honorário, mas tivemos em alguns momentos determinados patrocínios.

Apesar das dificuldades, o clube tem feito um trabalho exemplar na formação de atletas. Qual tem sido o segredo?
Somos um projeto que mais tarde ou mais cedo Angola teria o prazer de ver nascer, o segredo tem sido trabalho apenas isso.

Quais são os escalões é que o clube tem e quantos atletas estão a ser formados?
Temos infantis, iniciados (A e B), juvenis e juniores. Temos cerca de 120 atletas inscritos.

Para elucidar os nossos leitores, pode dizer-nos o nome de alguns atletas que competem no futebol profissional e que passaram pela formação do Real Sambila?
Vá (Pafos, do Chipre), Megue (Petro de Luanda), Além (Petro de Luanda), Jô (1º de Agosto), Aisson (Recreativo da Caála) e Estêvão (Bravos do Maquis).


"Encontrar um espaço próprio é uma necessidade crucial"


Olhando para as dificuldades atuais, quais são os meios que Real Sambila mais necessita neste momento?
Neste momento a necessidade crucial para a solidificação do projeto é mesmo um espaço próprio, porque trabalhando em instalações alheias o amanhã continua incerto, porque podemos de um dia para outro ficarmos sem um espaço para dar continuidade ao trabalho. Já pedimos ao Estado um espaço e até hoje continuamos sem resposta, mas crentes que mais tarde ou mais cedo conseguiremos. Também precisamos mesmo de um apoio financeiro para dar suporte aos gastos com o material e com a acomodação e a alimentação dos nossos atletas.

O projeto do clube é exclusivo da formação ou já se tem em carteira um projeto de uma equipa sénior?

O nosso projeto versa somente a formação dos jovens jogadores para aprenderem o básico, ou melhor, para darem os primeiros passos no futebol. Até à data é prematuro falarmos sobre um projeto no âmbito dos seniores. Todavia não sabemos o dia de amanhã. Quem sabe, se aparecer um parceiro que queira investir no projeto, podemos pensar.

Vá, produto da formação do Real Sambila
Geralmente os patrocinadores procuram projetos com exposição para poderem vender as marcas deles. Sente que o fato de ser um clube com projeto de formação dificulta o surgimento de maiores apoios?
Apesar de sermos um clube de pequena dimensão, hoje em Angola ou a nível internacional já somos bem conhecidos, o que na verdade precisamos é mesmo um parceiro, ou melhor, um investidor.
Real Sambila já é uma marca em Angola e não só, mesmo nestas condições temos um projeto sólido. Os grandes projetos surgem em pequena escala e depois vão-se desenvolvendo. É evidente que com esta projeção podemos naturalmente vender o nosso produto, que na verdade já é do domínio público e dos amantes do futebol. Para se chegar aos seniores tem de necessariamente se passar por este grau de formação, tanto é que há clubes na Europa que só vivem com os rendimentos da formação, que vão alimentando a equipa de seniores. No nosso caso concreto não estamos preocupados com este aspeto porque é daí que vêm os melhores frutos. Neste aspeto somos mais aliciados, porque somos o viveiro das grandes equipas de seniores.
Partindo do princípio que é da base que chegamos ao topo, logo devemos passar necessariamente por uma organização rigorosa, minuciosa e estratégica. Este é o principal caminho para o sucesso. Depois disso é que podemos partir para uma liga profissional e novas políticas desportivas para dar sustentabilidade definitiva aos clubes, assim estaríamos a evitar passar por muitas situações como as que vemos repetidas vezes, como clubes desistirem a meio das provas, causando enormes embaraços. Quando falamos do principio, de partir da base para o topo, estamos a falar de todo o futebol, começando pelos clubes, Associações Provinciais de Futebol (APFs) e terminando no próprio órgão reitor da modalidade, Federação Angolana de Futebol (FAF). Depois passa fundamentalmente pela mudança de mentalidade dos nossos dirigentes, como deixarem de pensar no eu e passarem a pensar no coletivo, para que amanhã possam deixar bons legados e instituições sólidas. Precisamos de instituições fortes, organizadas e muito competentes, falo da FAF/possível Liga/APFS e clubes, para enriquecer o nosso futebol, para podermos de alguma forma potenciarmos os clubes pequenos que são os viveiros dos grandes.
Cubes e escolas, aqueles que têm vontade de trabalhar mesmo nas más condições, trabalham com amor à camisola. É preciso estarmos comprometidos com a causa, o futebol não é para aventureiros.

As convocatórias das seleções jovens de Angola causam sempre polémica, havendo alegações de que apenas são convocados os jogadores das equipas grandes. Sente que há favorecimentos no nosso futebol?

De maneira nenhuma, não sinto nada disso, mesmo sabendo da realidade do nosso futebol de formação Não corresponde à verdade na medida em que são convocados os melhores, e os melhores estão nos melhores clubes, daí a convocatória ser mais extensiva aos grandes clubes. Como é natural, nos clubes pequenos aparecem um ou outro bom jogador que passa servir a seleção, mas se o mesmo se destacar, aparecem logo os grandes a contratá-lo e passa a ser mais um nos grandes, mas isso é natural e muito comum porque acontece em outros países também, não só em Angola.



Entrevista realizada por Romilson Teixeira





















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