Guiné-Bissau despediu-se do CAN 2019 com apenas um ponto e sem qualquer golo marcado, o que é francamente
negativo, mas há coisas boas a reter. Antes de mais, a presença no torneio, a
segunda na história e também a segunda consecutiva, o que é um claro indicador
de que o futebol guineense – ou pelo menos a seleção guineense – atravessa a
melhor fase de sempre.
Um pouco à imagem do que era Angola
no início da década de 2000 e Cabo Verde na de 2010, os djurtus reúnem na seleção um elevadíssimo número de jogadores a
atuar na Europa – 20 em 23, com o guarda-redes Edimar Cá (União Bissau) e os
extremos Piqueti (Al-Shoalah, da Arábia Saudita) e Toni Silva (Ittihad
Alexandria, do Egito) como exceções. Esse é meio caminho andado.
Mas se a seleção é o topo da
pirâmide, convém perceber como está a base para aferir se estamos perante uma espécie
de geração de ouro ou o resultado de algo mais estrutural. É verdade que muitos
dos atuais jogadores vieram muito jovens para Portugal e que acabaram por optar
pela seleção guineense, mas não deixa de ser notório que uma boa fatia apenas deixou
o país natal já no escalão de juniores ou até mesmo de seniores, como são os
casos de Juary Soares, Bura ou Sori Mané. E à atual geração ainda se podiam
juntar nomes como Danilo Pereira, Bruma,
Eder, Alfa
Semedo, Gerso, Domingos Quina, Edgar Ié, Wilson Manafá, Carlos Mané,
Romário Baró, Ricardo Vaz Tê, Madi Queta ou Elves Baldé.
Outro dado positivo é a juventude
que caracteriza esta seleção, que se apresentou na Taça das Nações Africanas
com uma média de idades de 24,35 anos, sendo que o mais velho, Frédéric Mendy,
tem apenas 30 anos. Ou seja, trata-se de um leque de opções que em termos
individuais e coletivos tem grande margem de progressão e que poderá ser
reforçada por outros talentos que estão a despontar. Uma base sólida para ter
em conta para o CAN 2021 e que, atendendo ao desempenho flutuante das seleções
africanas, pode sonhar com o Mundial 2022.
Pelé jogou mais adiantado do que é habitual nos clubes |
Necessidade de evolução tática
A Guiné-Bissau tem uma seleção
como nunca teve em termos de talento, mas para daí retirar dividendos necessita
de ser mais organizada e coordenada, tanto a atacar como a defender. Notou-se,
a uma grande distância, que é uma equipa desorganizada em campo, com uma linha
defensiva pouco coordenada e facilmente desmontável, observando-se muitas vezes
demasiado espaço entre central e lateral ou até entre centrais e sem que
houvesse uma devida compensação por parte dos médios. A própria comunicação
entre linha defensiva e guarda-redes nem sempre foi a melhor, embora o guardião
Jonas Mendes tivesse sido dos jogadores guineenses que mais deu nas vistas no
CAN.
Um pouco mais adiantado, também o
setor intermédio raramente se posicionou de uma forma coordenada, em linha,
parecendo haver uma certa aleatoriedade no posicionamento dos jogadores. Esta
descoordenação, aliada à da defesa, tornou o bloco pouco coeso, deixando que grande
parte dos problemas fosse resolvida através de duelos individuais, o que não é
recomendável.
Depois, a atacar, o único padrão
que se vislumbrou foi uma primeira fase de construção a três, com Sori Mané a
baixar até entre os centrais e os laterais bem abertos e projetos, mas a partir
desse momento faltou sempre fluidez para levar a bola até ao ataque. Algumas
iniciativas individuais de Piqueti e Mama Baldé levaram a bola até junto perto
da área adversária, mas sem que fosse o resultado de um mérito coletivo,
sobretudo nos dois primeiros jogos, em que Mendy foi uma ilha no eixo do
ataque. No terceiro, frente a Gana, já se notou alguma estratégia na procura do
ataque à profundidade por parte do ponta de lança Joseph Mendes.
Esta abordagem ao jogo pela rama
e a desorganização táticas é muito típica da escola africana de treinadores,
que está a anos-luz da europeia, sobretudo da Europa Ocidental e Central. Um
passo a ter em conta, se possível, é o recrutamento de um selecionador com
métodos mais sofisticados. Seria fundamental dar uma expressão coletiva ao
talento individual que reina nesta geração.
Piqueti procurou criar desequilíbrios a partir da ala esquerda |
Talento desequilibrado
Uma característica interessante
dos jogadores que compõe a seleção guineense é que há algumas posições em que
há várias soluções acima da média e outras em que há poucas para dar conta do
recado.
Na baliza, Jonas Mendes
(Académico Viseu) esteve em bom plano entre os postes, sobretudo diante dos
Camarões, mas fez notar alguma hesitação e pouca segurança nas saídas aos
cruzamentos. Mas falta-lhe uma verdadeira sombra, tendo em conta que as
alternativas não atuam em ligas profissionais: Rui Dabó (Fabril) nos
distritais portugueses, Edimar Cá (União Bissau) no campeonato local.
No eixo defensivo, a dupla
composta por Juary Soares (Mafra) e Rudinilson (Zalgiris Kaunas,
da Lituânia) atuou no primeiro jogo, mas não correu bem. O primeiro, demasiado
macio, facilmente ultrapassável e com dificuldades na marcação e com bolas nas
costas, acabou por se manter no onze. O segundo acabou por ser rendido por Marcelo
Djaló (Fulham), mais fiável, alto (1,93 m) e com capacidade para sair a
jogar, tendo dado boas indicações.
No lado direito da defesa, dois
jogadores com 25 anos que atuam na I Liga portuguesa, Nadjack (Rio Ave)
e Nanú (Marítimo), um sinal de equilíbrio da posição. O rioavista jogou
com os Camarões, mas cedeu o lugar ao maritimista nos encontros seguintes, não
se notando grande diferença, nem no apoio ao ataque nem na coordenação com a
restante linha defensiva.
Do outro lado, Mamadu Candé
(Santa Clara) foi dono e senhor da lateral esquerda, tendo capitaneado os djurtus na segunda e na terceira
partida. Possante embora relativamente baixo (1,73 m), aventurou-se mais no
ataque do que o lateral do flanco oposto, mas foram poucas as vezes em que
cruzou com qualidade.
No meio-campo, duas peças
permaneceram intocáveis: Sori
Mané (Cova da Piedade) e Pelé
(Monaco). O primeiro, que este verão deverá rumar ao Moreirense, foi o mais
recuado dos médios em qualquer um dos jogos e terá sido mesmo o principal
destaque dos guineenses no CAN, conciliando uma estampa física (1,87 m) sempre
muito útil para ganhar duelos e reter a bola a qualidade técnica em vertentes
como a construção, passe, transporte e remate – mesmo sendo um médio defensivo,
foram várias as vezes em que alvejou a baliza contrária a partir de remates de
fora da área. Já o monegasco atuou numa posição mais adiantada do que nos
clubes, o que obrigou a passar menos tempo de frente para o jogo e que não lhe
permitiu ser uma espécie de primeiro pensar dos ataques da sua equipa, fazendo
notar algum desconforto no desempenho de outro tipo de tarefas, nomeadamente as
de n.º 10.
No primeiro encontro,
Guiné-Bissau atuou em 4x3x3, com Sori
Mané mais recuado e Pelé
e Zezinho como médios interiores. Não
sendo propriamente um centrocampista de características ofensivas, Zezinho
(FK Senica, da Eslováquia) foi o médio que mais se aproximou do ponta de lança,
tanto a atacar como no momento de pressionar. Cumpriu os 90 minutos diante dos
Camarões, mas depois desapareceu da equipa, cedendo o lugar a Bura (Desp.
Aves), que formou dupla com Sori
Mané no duplo pivot do 4x2x3x1
guineense nos encontros com Benim e Gana, mostrando agressividade nos duelos
mais debilidades técnicas.
Já mencionei quatro médios e
todos com características mais defensivas do que ofensivas, mas ainda falta um,
Jaquité (Tondela), utilizado no último quarto de hora no jogo com o
Benim e que não tem características muito diferentes, embora tenha entrado para
ocupar o espaço nas costas de Mendy. Moreto Cassamá (Stade de Reims)
jogou atrás do ponta de lança durante meia hora frente ao Gana, mas pouco
mostrou.
Nas alas, aí sim, há várias opções
de bom nível. Quem diria que Mama Baldé, uma das revelações da I Liga na
época passada ao serviço do Desp. Aves e que o Sporting transferiu para os
franceses do Dijon, seria suplente no primeiro jogo? É verdade, mas quando
entrou nesse encontro e atuou desde o início nos outros, só esporadicamente
exibiu a verticalidade e a velocidade que evidenciou ao longo do campeonato.
Na primeira partida, a opção
inicial para o flanco direito foi o canhoto Toni Silva, que mostrou
rigor defensivo mas pouca acutilância no ataque. Do outro lado, Piqueti
foi o principal desequilibrador da equipa, procurando o lance individual para
tentar a aproximação á área que os djurtus
não conseguiam através do coletivo. Destro na esquerda, procurou agitar e
acelerar com a bola nos pés para a levar até junto da área contrária. Jorginho
(Ludogorets) e Romário Baldé (Académica) foram colocados em campo no
decorrer de segundas partes, mas nunca entraram verdadeiramente nos jogos.
No eixo do ataque, duas opções
distintas. Frédéric Mendy (Vitória
de Setúbal) foi decisivo na qualificação para o CAN, mas isso não lhe podia
dar estatuto vitalício de titular. É verdade que o seu 1,94 m podia fazer a
diferença a qualquer momento numa bola parada ofensiva, mas em jogo jogado foi
uma autêntica ilha no ataque, distanciado dos restantes companheiros, que se
viam obrigados a recuar pois a equipa passava a maior parte do jogo a defender.
No terceiro encontro, o
selecionador Baciro Candé finalmente deu uma oportunidade a Joseph Mendes
(AC Ajaccio), não tão possante mas ainda assim fisicamente robusto (1,86 m) mas
com muita mais capacidade para atacar a profundidade. Frente ao Gana, ainda
conseguiu causar alguns sobressaltos na exploração do espaço nas costas da
defesa adversária, mas faltou quem o alimentasse melhor.
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