domingo, 7 de julho de 2019

O que Guiné-Bissau nos mostrou no CAN 2019

Guiné-Bissau não marcou qualquer golo no CAN 2019
Guiné-Bissau despediu-se do CAN 2019 com apenas um ponto e sem qualquer golo marcado, o que é francamente negativo, mas há coisas boas a reter. Antes de mais, a presença no torneio, a segunda na história e também a segunda consecutiva, o que é um claro indicador de que o futebol guineense – ou pelo menos a seleção guineense – atravessa a melhor fase de sempre.


Um pouco à imagem do que era Angola no início da década de 2000 e Cabo Verde na de 2010, os djurtus reúnem na seleção um elevadíssimo número de jogadores a atuar na Europa – 20 em 23, com o guarda-redes Edimar Cá (União Bissau) e os extremos Piqueti (Al-Shoalah, da Arábia Saudita) e Toni Silva (Ittihad Alexandria, do Egito) como exceções. Esse é meio caminho andado.

Mas se a seleção é o topo da pirâmide, convém perceber como está a base para aferir se estamos perante uma espécie de geração de ouro ou o resultado de algo mais estrutural. É verdade que muitos dos atuais jogadores vieram muito jovens para Portugal e que acabaram por optar pela seleção guineense, mas não deixa de ser notório que uma boa fatia apenas deixou o país natal já no escalão de juniores ou até mesmo de seniores, como são os casos de Juary Soares, Bura ou Sori Mané. E à atual geração ainda se podiam juntar nomes como Danilo Pereira, Bruma, Eder, Alfa Semedo, Gerso, Domingos Quina, Edgar Ié, Wilson Manafá, Carlos Mané, Romário Baró, Ricardo Vaz Tê, Madi Queta ou Elves Baldé.

Outro dado positivo é a juventude que caracteriza esta seleção, que se apresentou na Taça das Nações Africanas com uma média de idades de 24,35 anos, sendo que o mais velho, Frédéric Mendy, tem apenas 30 anos. Ou seja, trata-se de um leque de opções que em termos individuais e coletivos tem grande margem de progressão e que poderá ser reforçada por outros talentos que estão a despontar. Uma base sólida para ter em conta para o CAN 2021 e que, atendendo ao desempenho flutuante das seleções africanas, pode sonhar com o Mundial 2022.
Pelé jogou mais adiantado do que é habitual nos clubes

Necessidade de evolução tática

A Guiné-Bissau tem uma seleção como nunca teve em termos de talento, mas para daí retirar dividendos necessita de ser mais organizada e coordenada, tanto a atacar como a defender. Notou-se, a uma grande distância, que é uma equipa desorganizada em campo, com uma linha defensiva pouco coordenada e facilmente desmontável, observando-se muitas vezes demasiado espaço entre central e lateral ou até entre centrais e sem que houvesse uma devida compensação por parte dos médios. A própria comunicação entre linha defensiva e guarda-redes nem sempre foi a melhor, embora o guardião Jonas Mendes tivesse sido dos jogadores guineenses que mais deu nas vistas no CAN.

Um pouco mais adiantado, também o setor intermédio raramente se posicionou de uma forma coordenada, em linha, parecendo haver uma certa aleatoriedade no posicionamento dos jogadores. Esta descoordenação, aliada à da defesa, tornou o bloco pouco coeso, deixando que grande parte dos problemas fosse resolvida através de duelos individuais, o que não é recomendável.

Depois, a atacar, o único padrão que se vislumbrou foi uma primeira fase de construção a três, com Sori Mané a baixar até entre os centrais e os laterais bem abertos e projetos, mas a partir desse momento faltou sempre fluidez para levar a bola até ao ataque. Algumas iniciativas individuais de Piqueti e Mama Baldé levaram a bola até junto perto da área adversária, mas sem que fosse o resultado de um mérito coletivo, sobretudo nos dois primeiros jogos, em que Mendy foi uma ilha no eixo do ataque. No terceiro, frente a Gana, já se notou alguma estratégia na procura do ataque à profundidade por parte do ponta de lança Joseph Mendes.

Esta abordagem ao jogo pela rama e a desorganização táticas é muito típica da escola africana de treinadores, que está a anos-luz da europeia, sobretudo da Europa Ocidental e Central. Um passo a ter em conta, se possível, é o recrutamento de um selecionador com métodos mais sofisticados. Seria fundamental dar uma expressão coletiva ao talento individual que reina nesta geração.

Piqueti procurou criar desequilíbrios a partir da ala esquerda

Talento desequilibrado

Uma característica interessante dos jogadores que compõe a seleção guineense é que há algumas posições em que há várias soluções acima da média e outras em que há poucas para dar conta do recado.

Na baliza, Jonas Mendes (Académico Viseu) esteve em bom plano entre os postes, sobretudo diante dos Camarões, mas fez notar alguma hesitação e pouca segurança nas saídas aos cruzamentos. Mas falta-lhe uma verdadeira sombra, tendo em conta que as alternativas não atuam em ligas profissionais: Rui Dabó (Fabril) nos distritais portugueses, Edimar Cá (União Bissau) no campeonato local.

No eixo defensivo, a dupla composta por Juary Soares (Mafra) e Rudinilson (Zalgiris Kaunas, da Lituânia) atuou no primeiro jogo, mas não correu bem. O primeiro, demasiado macio, facilmente ultrapassável e com dificuldades na marcação e com bolas nas costas, acabou por se manter no onze. O segundo acabou por ser rendido por Marcelo Djaló (Fulham), mais fiável, alto (1,93 m) e com capacidade para sair a jogar, tendo dado boas indicações.

No lado direito da defesa, dois jogadores com 25 anos que atuam na I Liga portuguesa, Nadjack (Rio Ave) e Nanú (Marítimo), um sinal de equilíbrio da posição. O rioavista jogou com os Camarões, mas cedeu o lugar ao maritimista nos encontros seguintes, não se notando grande diferença, nem no apoio ao ataque nem na coordenação com a restante linha defensiva.

Do outro lado, Mamadu Candé (Santa Clara) foi dono e senhor da lateral esquerda, tendo capitaneado os djurtus na segunda e na terceira partida. Possante embora relativamente baixo (1,73 m), aventurou-se mais no ataque do que o lateral do flanco oposto, mas foram poucas as vezes em que cruzou com qualidade.

No meio-campo, duas peças permaneceram intocáveis: Sori Mané (Cova da Piedade) e Pelé (Monaco). O primeiro, que este verão deverá rumar ao Moreirense, foi o mais recuado dos médios em qualquer um dos jogos e terá sido mesmo o principal destaque dos guineenses no CAN, conciliando uma estampa física (1,87 m) sempre muito útil para ganhar duelos e reter a bola a qualidade técnica em vertentes como a construção, passe, transporte e remate – mesmo sendo um médio defensivo, foram várias as vezes em que alvejou a baliza contrária a partir de remates de fora da área. Já o monegasco atuou numa posição mais adiantada do que nos clubes, o que obrigou a passar menos tempo de frente para o jogo e que não lhe permitiu ser uma espécie de primeiro pensar dos ataques da sua equipa, fazendo notar algum desconforto no desempenho de outro tipo de tarefas, nomeadamente as de n.º 10.
Onze que defrontou o Gana na 3.ª jornada

No primeiro encontro, Guiné-Bissau atuou em 4x3x3, com Sori Mané mais recuado e Pelé e Zezinho como médios interiores.  Não sendo propriamente um centrocampista de características ofensivas, Zezinho (FK Senica, da Eslováquia) foi o médio que mais se aproximou do ponta de lança, tanto a atacar como no momento de pressionar. Cumpriu os 90 minutos diante dos Camarões, mas depois desapareceu da equipa, cedendo o lugar a Bura (Desp. Aves), que formou dupla com Sori Mané no duplo pivot do 4x2x3x1 guineense nos encontros com Benim e Gana, mostrando agressividade nos duelos mais debilidades técnicas.

Já mencionei quatro médios e todos com características mais defensivas do que ofensivas, mas ainda falta um, Jaquité (Tondela), utilizado no último quarto de hora no jogo com o Benim e que não tem características muito diferentes, embora tenha entrado para ocupar o espaço nas costas de Mendy. Moreto Cassamá (Stade de Reims) jogou atrás do ponta de lança durante meia hora frente ao Gana, mas pouco mostrou.

Nas alas, aí sim, há várias opções de bom nível. Quem diria que Mama Baldé, uma das revelações da I Liga na época passada ao serviço do Desp. Aves e que o Sporting transferiu para os franceses do Dijon, seria suplente no primeiro jogo? É verdade, mas quando entrou nesse encontro e atuou desde o início nos outros, só esporadicamente exibiu a verticalidade e a velocidade que evidenciou ao longo do campeonato.

Na primeira partida, a opção inicial para o flanco direito foi o canhoto Toni Silva, que mostrou rigor defensivo mas pouca acutilância no ataque. Do outro lado, Piqueti foi o principal desequilibrador da equipa, procurando o lance individual para tentar a aproximação á área que os djurtus não conseguiam através do coletivo. Destro na esquerda, procurou agitar e acelerar com a bola nos pés para a levar até junto da área contrária. Jorginho (Ludogorets) e Romário Baldé (Académica) foram colocados em campo no decorrer de segundas partes, mas nunca entraram verdadeiramente nos jogos.

No eixo do ataque, duas opções distintas. Frédéric Mendy (Vitória de Setúbal) foi decisivo na qualificação para o CAN, mas isso não lhe podia dar estatuto vitalício de titular. É verdade que o seu 1,94 m podia fazer a diferença a qualquer momento numa bola parada ofensiva, mas em jogo jogado foi uma autêntica ilha no ataque, distanciado dos restantes companheiros, que se viam obrigados a recuar pois a equipa passava a maior parte do jogo a defender.

No terceiro encontro, o selecionador Baciro Candé finalmente deu uma oportunidade a Joseph Mendes (AC Ajaccio), não tão possante mas ainda assim fisicamente robusto (1,86 m) mas com muita mais capacidade para atacar a profundidade. Frente ao Gana, ainda conseguiu causar alguns sobressaltos na exploração do espaço nas costas da defesa adversária, mas faltou quem o alimentasse melhor.















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