quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O aleatório deu o mote para a goleada

Suk, aqui abraçado por André Horta, foi o homem do jogo
O futebol é, provavelmente, o desporto coletivo mais aleatório que existe. É aquele onde há menos golos/pontos e, por isso, é aquele onde é mais provável que as performances das equipas não se traduzam no resultado final.

Aleatório acabou por ser, também, o desfecho que aquele grande remate de Suk teve. Se o tentar mais 29 vezes, é bastante provável que não faça 29 golos. Nem 20, nem 10 e se calhar nem cinco. Por isso é que se diz que «tentou a sorte». Provavelmente, no jogo de sábado frente ao Rio Ave vai tentar algo semelhante e a bola vai acabar na bancada.


Aquele lance teve ainda outros pormenores curiosos. Bateu na trave e entrou. Se tivesse batido no ferro mas dois ou três centímetros mais acima, provavelmente voltaria ao terreno de jogo ou ia para fora do campo. Se tivesse corrido mal, também seria bastante provável que o treinador reclamasse com o coreano por não ter passado a um colega em melhor posição.

Mas a bola entrou mesmo e foi um grande golo. Talvez até venha a ser o melhor de toda a época. E, num desporto tão aleatório como é o futebol, deu vantagem a uma equipa, que assim pôde gerir esse resultado. E a Académica, por sua vez, foi obrigada a fazer mais para não acabar com zero pontos no final do dia. O efeito de um golo, seja mais ou menos aleatório, é mesmo esse: mexe com o jogo e com a abordagem das equipas ao mesmo.

Claro que não é apenas por aí que se justifica um triunfo, sobretudo quando se trata de uma goleada. O Vitória, apesar de ter tido no onze um sénior de primeiro ano (André Horta), um jogador que tinha vindo da Liga2 (Fábio Pacheco) e outros dois oriundos do CNS (Costinha e Ruca) foi, durante os 90 minutos, uma equipa mais madura do que a Académica. Mais madura porque, com muito mérito para a leitura de Quim Machado, esteve ciente das suas potencialidades, das suas limitações e das limitações do adversário. 

Um dos momentos da pressão alta do Vitória
Defensivamente, pressionou em terrenos muito adiantados – quanto maior a probabilidade de roubar o esférico, mais intensa foi a pressão -, aproveitando as fragilidades técnicas dos defesas coimbrenses para recuperar a bola perto da área contrária. E, quando a turma de José Viterbo conseguia jogar no meio-campo sadino, vimos os setubalenses a defender como um bloco, de uma forma muito compacta, com todos os jogadores a darem uma ajudinha para tapar os caminhos para a baliza de Raeder. Quando existe essa harmonia e solidariedade, está-se mais perto de alcançar um bom resultado.

No plano ofensivo, o Vitória foi também uma equipa bastante consciente. No início do jogo, tentou ter a bola e praticar um futebol apoiado desde o seu meio-campo defensivo, mas as limitações técnicas de alguns jogadores resultaram em maus passes em zonas sensíveis do campo. No entanto,
Lance do 0-4, com Suk a ganhar a primeira bola e servir Costinha
os verde e brancos não morreram agarrados a essa ideia e exploraram então as transições, como já o tinha feito com o Boavista. Quando se tem um avançado forte nas primeiras bolas, como Suk, jogar longo em detrimento de sair com a bola dominada é uma oportunidade. Oportunidade concretizada no segundo golo com os boavisteiros, há pouco mais de uma semana, e com a briosa, na segunda-feira, na jogada do 0-4.
Vitória na segunda parte

Além da forma como organizou e potenciou a equipa, Quim Machado deve ser também elogiado pela substituição que efetuou ao intervalo. Com a entrada de Rúben Semedo, alterou o sistema tático para 4x1x4x1, com o central/trinco cedido pelo Sporting à frente da defesa. Paulo Tavares, que já estava amarelado, adiantou-se no terreno, para uma posição onde teria menos necessidade de recorrer à falta (precavendo uma eventual expulsão) e onde podia ajudar a manter a posse de bola no meio-campo adversário. Na mesma linha do capitão, estiveram Costinha (à direita), André Horta (também ao meio) e André Claro (à esquerda). Os Andrés, contudo, foram fazendo algumas trocas posicionais, o que confundiu marcações na defesa academista.

Toda essa lucidez, aliada ao desempenho dos atletas e à tal componente aleatória do primeiro golo, ganhou o encontro. Por o adversário ser a Académica e o jogo ter sido em Coimbra é inevitável dizer que o Vitória passou com nota alta neste exame.  



Ficha de jogo


I Liga – 2.ª jornada

Estádio Cidade de Coimbra, em Coimbra

Académica (4x2x3x1): Pedro Trigueira (Lee, 25); Aderlan, João Real c, Fernando Alexandre e Emídio Rafael; Leandro Silva e Obiora; Ivanildo, Rui Pedro (Rafael Lopes, 64) e Selim Bouadla (Hugo Seco, 59); Gonçalo Paciência

Suplentes não utilizados: Nii Plange, William Gustavo, Nuno Piloto e Rabiola

Sadinos repetiram onze da 1.ª jornada
Treinador: José Viterbo

Disciplina: Cartão amarelo a Obiora (33’), Gonçalo Paciência (58’) e Hugo Seco (89’)


Vitória (4x1x3x2): Raeder; William Alves, Frederico Venâncio, Fábio Pacheco e Nuno Pinto; Paulo Tavares c; Costinha (Arnold, 87), André Horta (Dani, 80) e Ruca (Rúben Semedo, int.); Suk e André Claro

Suplentes não utilizados: Miguel Lázaro (GR), François, Zequinha e Uli Dávila

Treinador: Quim Machado

Disciplina: Cartão amarelo a Paulo Tavares (35’), Fábio Pacheco (52’ e 78’) e William Alves (61’); Cartão vermelho por acumulação a Fábio Pacheco (78’)


Árbitro: Cosme Machado (AF Braga), assistido por Alfredo Braga e Pedro Fernandes e com Duarte Oliveira como 4.º árbitro


Golos


0-1, por Suk (17’). Depois de um livre favorável à Académica e de algumas tentativas de chuveirinho para a área do Vitória, Nuno Pinto consegue aliviar a bola de cabeça e acaba por colocá-la em Suk, que foi progredindo com o esférico desde o seu meio-campo defensivo, tirou Leandro Silva do caminho e ainda de muito longe, rematou forte de pé direito para o fundo das redes. A bola ainda bateu na trave antes de entrar.

0-2, por Suk (55’). André Claro pegou na bola à entrada do meio-campo da Académica, descaído para o lado esquerdo, foi fletindo para o centro e passou para Costinha, também no corredor central, mas mais adiantado. Este último endossou-a a Suk, que com um drible tirou Fernando Alexandre do caminho, já na área adversária, e na cara de Lee fez golo com o pé esquerdo.

0-3, por André Claro (57’). William Alves combinou com Suk na direita e apareceu no flanco direito, em boa posição, a cruzar rasteiro para o coração da área, onde André Claro, mais rápido a chegar a bola do que os defesas da Académica, aumentou a vantagem para os sadinos com um belo remate.

0-4, por Costinha (81’). Pontapé de baliza de Raeder marcado para o meio-campo adversário onde Suk ganhou a primeira bola no ar a Leandro Silva e assim serviu Costinha (em posição irregular), que se isolou e com um remate forte que ainda embateu no guarda-redes Lee fechou a goleada.



Estatísticas (Académica-Vitória)


Posse de bola (%): 54-46

Ataques: 38-25

Remates: 16-15

Cantos: 6-2

Faltas cometidas: 17-17

Foras de jogo: 0-2


Apreciação individual


Raeder: Quando teve a bola nos pés, não facilitou. Cerrou os dentes e pontapeou-a para o mais longe possível. Os pontapés de baliza não foram exceção, tendo até iniciado por essa via o lance do 0-4 (81’).
Embora tenha vindo do Bayern, onde era suplente de Neuer, deixa muito a desejar como guarda-redes. Aos 48’, ficou nas covas quando Leandro Silva, na execução de um livre lateral, colocou o esférico na área de baliza e, aos 75’, saiu em falso a canto na esquerda. A grande defesa que efetuou aos 74’, a remate forte de Gonçalo Paciência, serviu para enganar quem não o conhece bem.

William Alves: Quim Machado voltou a apostar nele para o lado da direita apesar de ser central e do croata Gorupec já estar integrado na equipa há mais de uma semana. Os adeptos desconfiaram, mas exibiu-se a bom nível, tanto defensivamente como ofensivamente. Deu alguma profundidade ao corredor direito e até acabou por fazer a assistência para o 0-3 (57’).

Frederico Venâncio: A sua capacidade de passe foi uma ajuda para que o Vitória mantivesse a bola durante algum tempo. Bem colocado, pouco ou nada há a apontar-lhe.

Fábio Pacheco podia ter evitado expulsão
Fábio Pacheco: Manteve a titularidade no eixo defensivo, quando se esperava que fosse substituído por François. Fez um corte providencial aos 39’, a intercetar de calcanhar um cruzamento que seguia a direção de Rui Pedro, em boa posição para finalizar. Coube-lhe várias vezes iniciar as transições com um passe longo, umas vezes melhor, outras pior. Esteve quase sempre bem posicionado, não inventando na hora de aliviar a bola para longe.
Amarelado aos 52’, por falta a meio-campo sobre Rui Pedro e expulso por acumulação aos 78’, após infração sobre Gonçalo Paciência. Com o placard a assinalar 0-3 e com pouco mais de dez minutos por jogar, podia ter tomado outro tipo de decisão.

Nuno Pinto: Mais solicitado do que na partida com o Boavista, criou perigo com alguns cruzamentos venenosos para a zona entre o guarda-redes e os defesas. Pela sua capacidade de colocação do esférico foi, mais uma vez, o homem das bolas paradas. Acabou por iniciar a jogada do primeiro golo com um alívio de cabeça (17’). A experiência que tem de Liga é muito importante para a equipa.

Paulo Tavares: Bom de bola, mesmo em situações de aperto evitou o pontapé para a frente e tentou que a equipa saísse a jogar. É uma mais-valia ter um médio assim. Já amarelado, adiantou-se alguns metros no segundo tempo, para uma posição onde teve menos necessidade de recorrer à falta e onde podia ajudar a manter a posse no meio-campo adversário. Tentou o golo com um remate à entrada área, quando já estava 0-3, mas Lee negou-o (66’).

Costinha: Melhorou o seu desempenho da primeira para a segunda parte, ganhando confiança com o decorrer do encontro. Viu coroada a melhoria exibicional com o golo que fechou a goleada (81’).
Defensivamente foi sempre competente, ao ajudar a fechar o flanco direito e também a preencher zonas mais interiores. Embora tivesse atuado nas alas, apareceu também por várias vezes na zona central durante a manobra ofensiva, tendo até, a partir daí, feito a assistência para o 0-2 (55’).

André Horta tem apenas 18 anos
André Horta: Sempre a um ritmo elevado, tenta manter o esférico na sua equipa como de um tesouro se tratasse. Mas como jovem que é, também cometeu erros e perdeu algumas bolas divididas.
No segundo tempo, com a alteração tática, manteve-se na zona central mas acabou por protagonizar algumas trocas posicionais com André Claro, que estava na esquerda, confundindo as marcações da defesa academista.
Tentou um momento de glória quando, aos 74’, mesmo com Costinha em boa posição, rematou para defesa fácil de Lee. Tal é normal, para quem está a jogar com os mais velhos e quer criar impacto. Foi o sacrificado quando o Vitória ficou reduzido a dez.

Ruca: Quase que comprometia aos 6’, quando atrasou uma bola e acabou por isolar Rui Pedro. Para alguém que atua a médio-ala/extremo, não entusiasmou no aspeto ofensivo, mostrando pouca qualidade técnica e de passe. Decidiu poucas vezes bem quando teve o esférico e foi substituído com naturalidade ao intervalo.

Suk: Foi o homem do jogo. Praticamente construiu sozinho o lance do primeiro golo (17’), certamente candidato a um dos melhores da temporada, e tirou muito bem Fernando Alexandre no caminho no lance do 0-2, que o próprio apontou (55’). Esteve também na jogada do 0-3, ao desmarcar William Alves no corredor direito (57’). Mais uma vez, foi a grande referência dos sadinos nas primeiras bolas, como se viu no lance do 0-4 (82’), e uma valiosa ajuda na área sadina nos cantos e livres da Académica.

André Claro: Incansável na tal pressão na primeira fase de construção do adversário. Ajudou, nem que fosse a atrapalhar os adversários, a recuperar a bola no meio-campo da Académica.
Foi deslocado para o lado esquerdo no segundo tempo, mas sem deixar de aparecer na zona central e de defender, mesmo já com uma vantagem confortável no marcador. Numa das incursões que fez da esquerda para o meio que acabou por iniciar a jogada do 0-2 (55’).
Apontou o terceiro tento dos sadinos com um belo remate (57’). Viu-se, pelo golo frente ao Boavista e por um remate aos 46’, que gosta de tentar a sorte de meia distância.

Rúben Semedo: Reforçou o miolo, acrescentando músculo e equilíbrio defensivo à zona intermédia. Sempre que teve a bola, tentou deixá-la jogável num companheiro. Recuou para central após a expulsão de Fábio Pacheco e não seria de estranhar que jogasse nessa posição frente ao Rio Ave, no sábado.

Dani: Entrou após a expulsão de Fábio Pacheco para ocupar o lugar à frente da defesa, uma vez que Rúben Semedo recuou para central. Pouco a dizer.

Arnold: Reforço para a nova época, teve direito a alguns minutos em campo. Algo importante na sua integração na equipa.


Outras notas


O antigo guarda-redes da Académica Ricardo, agora vinculado ao FC Porto, é apontado como reforço do Vitória, onde deve chegar por empréstimo. Se Diego não é opção e tendo em conta que Raeder tem bastantes fragilidades, creio que é uma boa notícia.

Por falar no Diego, sei por fonte segura que o motivo da sua ausência não é falta de forma física – as aparências iludem e retiro o que disse após o jogo com o Boavista - mas sim opção técnica. O brasileiro até tem menos três quilos do que os tinha na primeira passagem pelo Bonfim.

Ainda não chegou o certificado internacional dos dois reforços líbios, Mohamed El Gadi e Hamdou Elhouni.

Miguel Lourenço era, há cerca de dois, visto como uma grande promessa do futebol português e falava-se que era pretendido por Istambul BB, Corunha e, salvo erro, Arsenal. Corrijam-me se estiver enganado. No entanto, na partida de Coimbra nem sequer se sentou no banco. O que se tem passado com ele?

Fábio Pacheco foi expulso por acumulação de cartões amarelos e vai falhar a receção ao Rio Ave, no sábado. Não me surpreenderia se perdesse o lugar em definitivo para Rúben Semedo (ou François).


‘Opta Vitória’


O Vitória já não vencia em Coimbra desde 28 de janeiro de 2007. Na altura, valeu um golo solitário de Binho, aos 52 minutos.

Depois de apenas ter conquistado apenas uma vitória fora na época passada, em Guimarães (1-0), à 25.ª jornada, em 2015/16 os sadinos conseguiram um triunfo longe do Bonfim logo no primeiro jogo como visitante.
Goleada em Coimbra foi histórica por diversos motivos

A última vez que os setubalenses obtiveram um triunfo tão volumoso para a Liga foi a 23 de fevereiro de 2014, tendo goleado em casa o Paços de Ferreira também por 4-0. Se contemplarmos apenas os jogos fora, então a última goleada pela mesma ou maior diferença de golos remonta a 22 de setembro de 2002, quando os sadinos foram aos Barreiros vencer o Marítimo por 5-0. Nessa época, contudo, os setubalenses desceram de divisão e terminaram mesmo em último lugar. Por isso, há que rejeitar euforias.

A última vez que o Vitória conseguiu quatro ou mais pontos à 2.ª jornada foi em 2011/12. Começou a vencer o Paços de Ferreira no Bonfim (2-1) e depois foi empatar ao terreno da Olhanense (2-2). Essa foi também a última vez que um jogador vitoriano - João Silva, agora no Palermo - levava dois golos à 2.ª jornada. Nessa época o emblema do Bomfim terminou em 11.º lugar.

O Vitória soma, ao final da 2.ª jornada, seis golos e é, neste momento, o melhor ataque na Liga. Os sadinos não marcavam tanto nas duas primeiras rondas desde 2004/05 (igualmente seis golos).

Dos seis golos que a equipa marcou na Liga, Suk esteve diretamente envolvido em quatro: dois golos e duas assistências. Decisivo.









3 comentários:

  1. Achei bastante interssante, o trabalho demonstra dedicação, acho que deve continuar, é sempre bom ter uma analise sobre o Vitória

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  2. Olá David Pereira!

    Vejo que tem muito sucesso pelas várias matérias publicadas. Parabéns pelo trabalho de jornalista e pelo sucesso!

    Sou brasileiro e publico em meu blog as notícias com melhores momentos e gols dos clubes brasileiros nas competições nacionais e internacionais, juntamente com crônicas e minhas opiniões sobre o futebol.

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    Um abraço aqui do Brasil!

    Luís Sérgio Carvalho
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