Que sorte a nossa que nascemos e
crescemos em Portugal no pós-25 de abril. Vivemos num país livre, onde podemos
falar, criticar, reunir e manifestar livremente; vivemos num país desenvolvido,
com indústria, em que os avanços da tecnologia não demoram a chegar; vivemos
num país em paz, com baixos níveis de criminalidade, onde não se sente o risco
de um atentado terrorista; vivemos num país europeu, integrados no espaço Schengen
e a poucas horas de voo de grandes cidades como Madrid,
Londres, Paris ou Berlim; vivemos num país maravilhoso, com uma paisagem
diversificada mas com a beleza como denominador comum e uma gastronomia que
provavelmente é a melhor do mundo; e até vivemos num país que é o campeão europeu
de futebol.
Mas nem todos têm esta sorte. Num
mundo que também é o nosso, há censura, repressão, terrorismo, martírio, pobreza,
fome, escravidão e medo em vários países. E nesse mundo que também é o nosso, pessoas
de carne e osso, com família, ambições, sonhos e competências querem abandonar
esses países.
Comparados com estas pessoas, os
emigrantes que conhecemos saíram de Portugal ‘por dá cá aquela palha’. É como
se uns lutassem para fugir à fome e outros para comer caviar. É como se uns
procurassem um simples teto de uma barraca num país seguro e outros um condomínio
de luxo. O exercício é simples: comparar as motivações – que são legítimas –
dos nossos emigrantes e as dos migrantes que não se limitam a ser migrantes, também
refugiados.
Sem espaço Schengen e com muito
pouco a perder, os refugiados deixam essencialmente países do norte de África
ou do médio oriente em embarcações lotadíssimas ou em caminhadas de centenas ou
milhares de quilómetros em busca de um destino seguro, mas incerto. Não à
procura do sonho, mas para fugir do pesadelo.
Porém, o egoísmo ocidental,
alicerçado numa extrema direita sem escrúpulos, persiste em olhar para a
chegada dos refugiados à Europa e não para o que os levou a deixar os países de
origem como o grande problema. O egoísmo ocidental persiste em apelidar de
ilegais os que chegam à Europa com milhões de argumentos, mas sem qualquer
visto ou passaporte. O egoísmo ocidental prefere o populismo dos que acham que
as migrações não são um problema nosso e que apenas nos temos de preocupar em
erradicar a pobreza dos cidadãos nacionais.
E o direito à vida consagrado na
Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos
Humanos? Vamos simplesmente estas pessoas que são de um mundo que também é o
nosso morrer à fome? Vamos devolvê-los aos países de onde fugiram com medo?
Vamos negar a possibilidade de integrar na comunidade um grupo de refugiados só
porque não resolvemos todos os problemas no nosso país?
É verdade que tem de existir
cooperação internacional não para travar as migrações, mas essencialmente para
travar o que as motiva, e para que haja uma distribuição justa dos migrantes
pelos vários países, mas acima de tudo tem de existir tolerância e sensibilidade
para com seres humanos deste mundo que é o nosso e que não saltaram de um país
para o outro ‘por dá cá aquela palha’.
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