sábado, 24 de maio de 2025

Jesualdo Ferreira: professor, fã de 4x3x3 e único treinador português tricampeão nacional

Jesualdo Ferreira viveu o ponto alto da carreira no FC Porto
Mais do que um treinador: um professor.
 
Um professor no sentido literal, porque se licenciou em Educação Física pelo Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e lecionou no mesmo estabelecimento de ensino, onde esteve na génese da criação da cadeira de futebol e do gabinete de futebol.
 
Mas um professor também no sentido mais figurativo, pela forma como muitos jogadores lhe atribuem ensinamentos cruciais para a evolução deles. “Foi o Jesualdo Ferreira, no FC Porto, que me ensinou aquilo que um avançado deve fazer e, sobretudo, que me corrigiu”, afirmou, por exemplo, Radamel Falcao à France Football em março de 2019. “Jesualdo Ferreira, um velho rabugento português, que tive três anos no FC Porto. Ensinou-me detalhes do jogo, um passe, uma receção orientada...Foi o que mais me marcou”, afirmou por sua vez Lisandro López em 2017, em entrevista ao jornal argentino Clarín.
 
Transmontano nascido em Mirandela a 24 de maio de 1946, partiu com os pais para Angola ainda em tenra idade, mas na adolescência regressou a Portugal com os tios para estudar: primeiro em Chaves, depois em Aveiro, tendo chegado a jogar futebol na Ovarense.
 
Após concluir a licenciatura, integrou os quadros da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) em 1974, tendo trabalhado com as seleções jovens, numa altura em que passou a haver uma estreita ligação entre FPF e ISEF.
 
Em 1979 mudou-se para o Benfica, clube no qual assumiu o cargo de coordenador do futebol jovem, e dois anos depois iniciou a carreira de treinador ao comando do Rio Maior, na II Divisão Nacional. Passou ainda pelo Torreense antes de surgir pela primeira vez na I Divisão em 1984-85, ao leme da Académica.
 
Como a experiência em Coimbra não correu particularmente bem – despediu-se à 7.ª jornada, com a equipa no último lugar –, voltou às divisões secundárias para orientar Atlético, Silves e novamente Torreense, sem resultados propriamente espetaculares.
 
Jesualdo Ferreira com Toni no Benfica
Em 1987 voltou ao Benfica, como adjunto de Toni, antes de uma curta experiência como selecionador de Angola em 1989. Depois voltou ao Torreense antes de regressar ao primeiro escalão para não conseguir impedir a despromoção do Estrela da Amadora à II Liga em 1990-91.
 
Em 1992 assumiu o cargo de selecionador nacional de sub-21, tendo vencido nesse ano o Torneio de Toulon ao leme de um conjunto de jogadores como Jorge Costa, Abel Xavier, Hélder e Rui Costa.
 
Entretanto, voltou a adjuvar Toni, primeiro no Benfica entre 1992 e 1994 e depois no Bordéus em 1994-95.
 
Após ter estado ao comando dos marroquinos do FAR Rabat em 1995-96, voltou à FPF para assumir as funções de selecionador dos sub-21 entre 1996 e 2000, tendo também comandado os sub-20 no Campeonato do Mundo da categoria em 1999.
 
Em 2000-01 voltou a merecer a confiança de um clube da I Liga, o Alverca, tendo alcançado a permanência e aprimorado jogadores como Ricardo Carvalho e Pedro Mantorras, naquela que foi a época em que o internacional angolano explodiu no Ribatejo.
 
 
No início da temporada seguinte voltou ao Benfica para ser novamente adjunto de Toni, mas após a demissão do treinador principal assumiu o comando da equipa no final de dezembro de 2001. Aguentou quase onze meses no cargo, tendo saído após uma humilhante eliminação da Taça de Portugal, em casa, às mãos do Gondomar, da II Divisão B.
 
 
Poucos meses após deixar a Luz, foi convidado para comandar o Sp. Braga em abril de 2003, numa altura em que os minhotos lutavam pela permanência. Não só conseguiu esse objetivo como, nas temporadas seguintes, tornou os arsenalistas na quarta força do futebol português, alcançando o apuramento para a Taça UEFA nas três épocas completas que passou no clube: 2003-04, 2004-05 e 2005-06. Em determinadas alturas desse período, os bracarenses chegaram a liderar a I Liga e a dar a impressão de que poderiam lutar pelo título.
 
No verão de 2006 mudou-se para o Boavista, mas a poucos dias do início da temporada 2006-07, o FC Porto ficou sem treinador, após a saída do neerlandês Co Adriaanse, o que levou Pinto da Costa a oferecer-lhe o cargo.
 
No Dragão poliu jogadores como Ricardo Quaresma, Anderson, Pepe, Lucho González, Raul Meireles, Paulo Assunção, Bosingwa e Lisandro López, que geraram mais-valias de muitos milhões de euros aos cofres azuis e brancos. Também trocou o 3x3x4 de Adriaanse pelo 4x3x3, o seu sistema favorito. “Pela forma como se ocupam os espaços e pelos jogadores que nós garantimos durante o jogo através de movimentos mais curtos e que se aproximam mais, é aquele que controla melhor o espaço. (…) Para o meu 4x3x3 é preciso jogadores capazes de o interpretar: sem dois laterais fortes ofensivamente, o 4x3x3 é menos forte; sem dois médios verticais e sem capacidade de se envolver, terá menos opções; sem um 6 de alta qualidade é difícil que o 4x3x3 tenha também maiores equilíbrios defensivos; em relação ao ataque, se os três atacantes forem dois extremos puros e um avançado, para mim não, porque para mim têm de ser três avançados, com a dupla característica de saberem jogar fora e jogar dentro, entrarem como finalizadores”, defendeu no Canal 11 em dezembro de 2019.
 
 
Fez do clube tetracampeão, juntando o título de 2005-06 de Adriaanse aos três que fizeram de Jesualdo Ferreira o único treinador português tricampeão em Portugal: 2006-07, 2007-08 e 2008-09. Venceu também duas Taças de Portugal (2008-09 e 2009-10) e uma Supertaça Cândido de Oliveira (2009), tendo guiado os dragões aos quartos de final da Liga dos Campeões em 2008-09.
 
 
Apesar dos créditos que foi ganhando, esgotou-os, pelo menos aos olhos da administração portista, em 2009-10, quando não foi além de um terceiro lugar no campeonato, tendo ficado atrás do campeão Benfica e do segundo classificado Sp. Braga, numa época marcada pela polémica do túnel da Luz, que afastou Hulk e Sapunaru dos relvados durante vários meses.
 
Após deixar o FC Porto assinou pelo Málaga, mas esteve poucos meses no clube andaluz, tendo-o deixado no início de 2010, com a equipa em zona de despromoção na liga espanhola.
 
 
Poucas semanas depois, foi contratado pelo Panathinaikos. Não ganhou qualquer troféu, numa fase de dificuldades económicas e de hegemonia do rival Olympiakos, mas manteve-se no cargo quase dois anos, até novembro de 2012.
 
No mês seguinte foi apresentado como diretor desportivo do Sporting, função que passou a acumular com a de treinador principal em janeiro de 2013, sucedendo ao belga Franky Vercauteren. Melhorou a classificação da equipa, do 12.º para o 7.º lugar, e desempenhou um papel importante para o lançamento de jovens como Bruma, Ricardo Esgaio, Eric Dier, Tiago Ilori e Zezinho, mas após o final da temporada deixou o clube, uma vez que o novo presidente, Bruno de Carvalho, preferiu apostar em Leonardo Jardim.
 
 
Seguiu-se o regresso a Sp. Braga, mas não conseguiu replicar o sucesso da sua primeira passagem pela Pedreira, tendo deixado o cargo em fevereiro de 2014, com a equipa em 7.º lugar.
 
Entretanto, foi para o norte de África e Médio Oriente engrossar o palmarés e a conta bancária. Venceu a dobradinha do Egito ao leme do Zamalek em 2014-15 e, com o médio espanhol Xavi às suas ordens nos qataris do Al-Sadd, conquistou um campeonato (2018-19), uma Taça do Emir (2016-17), uma supertaça (2016-17) e uma taça (2016-17).
 
Em 2020 teve uma curta experiência nos brasileiros do Santos, tendo deixado o cargo após uma eliminação precoce no campeonato paulista, e no final desse ano regressou ao Boavista, conseguindo assegurar a permanência na última jornada.
 
O último clube em que trabalhou foi o Zamalek, entre março de 2022 e março de 2023, tendo conquistado um campeonato do Egito em 2021-22 e a Taça do Egito referente à época anterior, mas já decidida em julho de 2022.





2 comentários:

  1. David, daqui Hugo Forte. Podes atualizar a peça — Ruben Amorim também passou a ser tricampeão nacional (2020/21, 2023/24 e 2024/24). Além disso, Joseph Szabo também era português (luso-húngaro) e ganhou em 1940-41, 1943-44 e 1953-54

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    1. Boa tarde Hugo,

      Esse conceito de tricampeão é um bocadinho como o dos brasileiros, que falam em "hexa" quando se referem à eventual próxima conquista de um Mundial.

      Normalmente, nós portugueses referimo-nos a um tricampeão como alguém ou um clube que conquistou três campeonatos consecutivos. Sendo o conceito de tricampeão o de três campeonatos consecutivos, Jesualdo Ferreira continua a ser o único.

      Além do Amorim e do Szabo, também o Jorge Jesus (2009-10, 2014-15 e 2015-16) e o Sérgio Conceição (2017-18, 2019-20 e 2021-22) ganharam três campeonatos, mas não consecutivos.

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