sexta-feira, 17 de outubro de 2025

“Como é que isto pode acontecer num plantel profissional?” O caos que Bölöni encontrou no Sporting

Bölöni assumiu o comando técnico do Sporting no verão de 2001
László Bölöni foi, durante 19 anos, o último treinador a guiar o Sporting à conquista de um título nacional e, até 2025, o único em quatro décadas a conseguir uma dobradinha para os lados de Alvalade. Mas, quando iniciou a pré-época a 29 de junho de 2001, em Rio Maior, ficou espantado com a… falta de profissionalismo.
 
“Quis fazer um teste físico para avaliar o estado dos jogadores após as férias, mas deparei-me com a primeira dificuldade. É que nem todos estavam presentes. Cada um com a sua razão. Sá Pinto, por exemplo, vinha de uma lesão e foi autorizado a começar a época mais tarde. Quiroga, que vinha do Nápoles, também teve autorização para chegar atrasado porque o campeonato italiano tinha acabado mais tarde. João Pinto também não estava, Beto, Paulo Bento e Pedro Barbosa também não. Ninguém sabia onde andava o Mpenza, que só apareceu quatro dias mais tarde… era uma confusão! Perguntava-me, ‘mas como é que isto pode acontecer num plantel profissional?’. Fiquei espantado quando, alguns dias após a apresentação, o Nélson casou e partiu para a lua-de-mel. Todos têm direito à sua vida privada, não é essa a questão, e o Nélson até foi muito simpático na forma como colocou o problema, é um ótimo profissional. Mas como é possível autorizar o casamento de um atleta em pleno período de estágio, quando há trabalho para faze? Anotei no meu bloco que aquelas seriam situações a mudar no futuro”, contou o treinador romeno no livro O Bloco de Notas de Laszlo Bölöni, lançado em abril de 2002.
 
A perceção de Bölöni não mudou após o tal teste físico: “Dividi os jogadores em dois grupos. O objetivo era que cada um deles, num percurso de 200 metros e no espaço de cinco minutos, corresse a maior distância possível. Era contabilizada a velocidade máxima conseguida. Comparei os resultados com testes idênticos que tinha feito com a seleção B da Roménia e… não havia comparação possível. Eram muito fracos! Fiquei assutado.”
 
O técnico romeno, na altura com 48 anos, tentou “encontrar uma justificação para aquele cenário”. Os futebolistas confessaram-lhe ter sido a primeira vez que realizaram um teste daquele género, as férias podiam ser uma justificação e o calor “insuportável” também, mas o médico Gomes Pereira explicou-lhe que “os portugueses estavam habituados ao calor e que esse fator não constituía um problema para os jogadores”.
 
Ainda assim preocupado com a falta de “capacidade de sofrimento” dos seus atletas, entendeu que o grupo deveria ser reforçado psicologicamente e recomendou, no ano seguinte, que todos os jogadores fizessem férias ativas para ganhar “dias de preparação na pré-época”.
 

Pensou em Pedro Barbosa para… trinco

Em termos táticos e técnicos, Bölöni pediu, “de forma aleatória”, “três vídeos de três jogos do Sporting da época anterior” [2000-01] para “perceber a movimentação da equipa e a capacidade dos jogadores”. E também aí se assustou: “Dei-me conta de um comportamento com o qual não estava de acordo. Como era possível que os adversários passassem nas zonas de ação de César Prates ou de Rui Jorge [ambos laterais] e eles não estivessem lá? Ou melhor, eles estavam, mas nunca o sítio certo. Alguma coisa não estava bem.”
 
Ainda assim, admitiu que Ricardo Sá Pinto lhe causou “boa impressão” pelo bom desempenho das “tarefas ofensivas” e por participar “na defesa”. Também revelou que pensou que a “lentidão” de Pedro Barbosa “seria adequada a um trinco perfeito”, o que posteriormente reconheceu ser uma leitura “completamente errada”.
 
 

17 não jogadores em campo e a “questão delicada” de Iordanov

Quando ministrou o primeiro treino, em Rio Maior, Bölöni deparou-se “com uma situação inacreditável”: “Entre treinadores, médicos, roupeiros e dirigentes, havia 17 pessoas em campo que não eram jogadores. Uma catástrofe! O ambiente de trabalho já era difícil devido à presença de dezenas de jornalistas. Mas o problema maior eram aquelas 17 pessoas ali presentes, algumas de braços cruzados e outras simplesmente sorrindo. Era incrível! Aquela situação prejudicava objetivamente o trabalho. Os jogadores estavam desconcentrados e, em cada pausa, aproveitaram para trocar impressões com aquelas pessoas. Tinha que tomar medidas.”
 
O treinador romeno começou por focar-se em Miguel Ribeiro Teles e José Eduardo Bettencourt, duas das mais altas esferas da estrutura leonina naquele tempo e que também estavam no relvado. “Aproximei-me dos dois e expliquei-lhes a minha angústia. Depois pedi-lhes que saíssem do campo e passassem para o lado de lá do gradeamento. Se os chefes dessem o exemplo, eu teria mais autoridade para fazer o mesmo pedido aos outros. Foi impressionante o exemplo de profissionalismo que os dois dirigentes demonstraram”, contou Bölöni, que minutos depois conseguiu o que queria: “Ficaram apenas aqueles que eram estritamente necessários ao trabalho.”
 
Mas havia mais questões delicadas para resolver. Uma delas era Iordanov, que tinha acabado de pendurar as botas, mas que ainda andava por ali. “Não era treinador nem era jogador. O que fazer com ele então? Não está em causa a dedicação e o amor que prestou ao clube no passado. Mas no presente, a presença dele ali tinha mais desvantagens do que vantagens”, confessou no livro, recordando ainda ter sido “crucificado” após dizer numa conferência de imprensa que o búlgaro “não fazia parte do staff técnico”, quando lhe perguntaram se não queria trabalhar com ele.
 
 

Plantel desequilibrado e a surpresa Quaresma

Bölöni também demorou algum tempo para perceber as reais funções de cada um dos três diretores que o rodeavam (Manolo Vidal, José Manuel Torcato e Eurico Gomes), mas rapidamente percebeu que “o plantel era desequilibrado”. “No início da época os atacantes do Sporting eram Spehar, Ayew e o jovem Lourenço. Niculae ainda não tinha chegado e Jardel não era sequer uma miragem. Em compensação, o grupo tinha seis ou sete defesas centrais”, lembrou.
 
O cenário era idêntico noutras posições. Tinha apenas dois trincos, Paulo Bento e Diogo, e “só mais tarde chegou Rui Bento”. “O meio-campo era um bico de obra, para o lado direito havia cinco jogadores de titularidade quase indiscutível: Sá Pinto, João Pinto, Quaresma, Pedro Barbosa e Luís Filipe, enquanto que na esquerda tinha apenas uma opção, Rodrigo Tello. Uma equipa não pode ter estes desequilíbrios tão acentuados. Até por uma questão lógica na gestão do plantel. Cinco jogadores internacionais para o mesmo lugar, nos quais o clube investiu tanto dinheiro, dá problemas de balneário na certa”, contou.
 
O elevado número de jogadores era outra “questão delicada”. “Eram 28 e apenas 11 jogavam. Havia uma série de gente zangada comigo todas as semanas. O Ayew, por exemplo, era um dos que reagia muito mal quando não jogava. Os outros… bastava olhar para a cara deles. Além disso, com tantos jogadores como é que eu poderia chamar alguém da equipa B? Jamais! A manter-se aquele quadro, jogadores como Hugo Viana, Jorge Vidigal ou Lourenço nunca chegariam à equipa principal. Foi uma boa estratégia termos dispensado alguns elementos”, prosseguiu.
 
Um dos principais beneficiados da redução do plantel foi Ricardo Quaresma, um “caso de crescimento reforçado pela presença no grupo principal do Sporting”. Bölöni não o conhecia, só o tinha visto uma vez por uma jovem seleção portuguesa, “mas não era suficiente para tirar conclusões”. “A previsão inicial era que Quaresma permanecesse na equipa B, podendo ser pontualmente chamado aos treinos da primeira categoria. O estágio de Rio Maior mudou radicalmente a minha opinião. Fizemos um primeiro jogo-treino no dia 6 de julho [diante do Rio Maior] no qual o Quaresma marco um golo de grande qualidade. ‘Atenção, um jogador interessante!’, foi o apontamento que anotei no meu bloco. No dia seguinte foi a apresentação da equipa em Alvalade. O Quaresma voltou a surpreender com sucessivas arrancadas que me convenceram em definitivo. ‘Ele fica!’, está escrito no meu caderninho”, revelou na obra.
 
 
Paralelamente, identificou a falta de um matador. “Spehar e Ayew não chegavam para as encomendas”, explicou, frisando que sugeriu o nome de Niculae, “um jovem de 20 anos, forte, eficiente e com uma grande margem de progressão”, “um investimento seguro” apesar da dúvida sobre se se conseguiria adaptar. Incerteza essa dissipada logo após o primeiro jogo do estágio de Rio Maior: “Chegou nesse dia, jogou 20 minutos e marcou um golo. Melhor era quase impossível. Justamente nesse dia, à noite, o Niculae apareceu no meu quarto, todo entusiasmado porque já tinha aprendido dois palavrões em português. Nesse momento confirmei os resultados do teste [psicológico que havia feito ao jogador quando era selecionador romeno]: ele estava entrosado com os colegas.”
 
 
No entanto, Bölöni não estava propriamente satisfeito após esse primeiro jogo do estágio de pré-época, no final da primeira semana de trabalho. O treinador romeno fez uma apreciação individual e as notas eram, sobretudo, negativas:
 
Tiago: não me convenceu nos treinos nem no jogo.
César Prates: sabe jogar, é rápido, tem cultura de defesa, mas é demasiado permeável.
Phil Babb: tecnicamente não é um génio.
Rui Jorge: por enquanto nada de especial.
Beto: muito bom no jogo de cabeça. Tem que corrigir a posição dos joelhos. Ataca o adversário com a pernas esticadas. Fletindo os joelhos, corrige a posição do corpo, ganha mais mobilidade e uma melhor visão do jogo.
André Cruz: comportamento positivo, mas deve regular melhor a distância em relação ao adversário direto.
Dimas: não me trouxe surpresas, não está mal.
Diogo: fraco, pode melhorar muito.
Rui Bento: joga com entusiasmo.
Paulo Bento: por enquanto vejo que há ali vontade.
Pedro Barbosa: muito forte e possante fisicamente, mas muito pesado. Será que pode ser uma ajuda na defesa?
Sá Pinto: deve tomar mais iniciativa no jogo defensivo e quero que ele tente fazer coisas mais difíceis, não pode limitar-se às coisas fáceis.
Horvath: muito pesado.
Rodrigo Tello: dribla bem.
Lourenço: tem talento.
Quaresma: deixa-me dúvidas. Tenho que estar muito atento porque é um jogador em relação ao qual não me posso precipitar.
João Pinto: não foi convincente.
Luís Filipe: pode fazer mais e melhor.
Spehar: um grande ponto de interrogação, gigantesco!
Mpenza: as qualidades físicas são maiores do que o talento.”







  

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