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Bölöni assumiu o comando técnico do Sporting no verão de 2001 |
László
Bölöni foi, durante 19 anos, o último treinador a guiar o
Sporting
à conquista de um título nacional e, até 2025, o único em quatro décadas a
conseguir uma dobradinha para os lados de
Alvalade.
Mas, quando iniciou a pré-época a 29 de junho de 2001, em
Rio Maior, ficou
espantado com a… falta de profissionalismo.
“Quis fazer um teste físico para
avaliar o estado dos jogadores após as férias, mas deparei-me com a primeira
dificuldade. É que nem todos estavam presentes. Cada um com a sua razão.
Sá
Pinto, por exemplo, vinha de uma lesão e foi autorizado a começar a época
mais tarde.
Quiroga, que vinha do
Nápoles,
também teve autorização para chegar atrasado porque o
campeonato
italiano tinha acabado mais tarde.
João Pinto também não estava, Beto,
Paulo
Bento e
Pedro Barbosa também não. Ninguém sabia onde andava o
Mpenza,
que só apareceu quatro dias mais tarde… era uma confusão! Perguntava-me, ‘mas
como é que isto pode acontecer num plantel profissional?’. Fiquei espantado
quando, alguns dias após a apresentação, o
Nélson casou e partiu para a
lua-de-mel. Todos têm direito à sua vida privada, não é essa a questão, e o
Nélson até foi muito simpático na forma como colocou o problema, é um ótimo
profissional. Mas como é possível autorizar o casamento de um atleta em pleno período
de estágio, quando há trabalho para faze? Anotei no meu bloco que aquelas
seriam situações a mudar no futuro”, contou o
treinador
romeno no livro
O Bloco de Notas de Laszlo Bölöni, lançado em abril
de 2002.
A perceção de
Bölöni
não mudou após o tal teste físico: “Dividi os jogadores em dois grupos. O
objetivo era que cada um deles, num percurso de 200 metros e no espaço de cinco
minutos, corresse a maior distância possível. Era contabilizada a velocidade
máxima conseguida. Comparei os resultados com testes idênticos que tinha feito
com a seleção B da
Roménia
e… não havia comparação possível. Eram muito fracos! Fiquei assutado.”
O técnico romeno, na altura com 48
anos, tentou “encontrar uma justificação para aquele cenário”. Os futebolistas
confessaram-lhe ter sido a primeira vez que realizaram um teste daquele género,
as férias podiam ser uma justificação e o calor “insuportável” também, mas o
médico
Gomes Pereira explicou-lhe que “os portugueses estavam habituados ao
calor e que esse fator não constituía um problema para os jogadores”.
Ainda assim preocupado com a
falta de “capacidade de sofrimento” dos seus atletas, entendeu que o grupo
deveria ser reforçado psicologicamente e recomendou, no ano seguinte, que todos
os jogadores fizessem férias ativas para ganhar “dias de preparação na
pré-época”.
Pensou em Pedro Barbosa para…
trinco
Em termos táticos e técnicos,
Bölöni
pediu, “de forma aleatória”, “três vídeos de três jogos do
Sporting
da época anterior” [2000-01] para “perceber a movimentação da equipa e a
capacidade dos jogadores”. E também aí se assustou: “Dei-me conta de um
comportamento com o qual não estava de acordo. Como era possível que os
adversários passassem nas zonas de ação de
César Prates ou de
Rui
Jorge [ambos laterais] e eles não estivessem lá? Ou melhor, eles estavam,
mas nunca o sítio certo. Alguma coisa não estava bem.”
Ainda assim, admitiu que
Ricardo
Sá Pinto lhe causou “boa impressão” pelo bom desempenho das “tarefas
ofensivas” e por participar “na defesa”. Também revelou que pensou que a “lentidão”
de Pedro Barbosa “seria adequada a um
trinco perfeito”, o que posteriormente
reconheceu ser uma leitura “completamente errada”.
17 não jogadores em campo e a “questão
delicada” de Iordanov
Quando ministrou o primeiro
treino, em Rio Maior,
Bölöni
deparou-se “com uma situação inacreditável”: “Entre treinadores, médicos,
roupeiros e dirigentes, havia 17 pessoas em campo que não eram jogadores. Uma
catástrofe! O ambiente de trabalho já era difícil devido à presença de dezenas
de jornalistas. Mas o problema maior eram aquelas 17 pessoas ali presentes,
algumas de braços cruzados e outras simplesmente sorrindo. Era incrível! Aquela
situação prejudicava objetivamente o trabalho. Os jogadores estavam
desconcentrados e, em cada pausa, aproveitaram para trocar impressões com
aquelas pessoas. Tinha que tomar medidas.”
O
treinador
romeno começou por focar-se em
Miguel Ribeiro Teles e José Eduardo
Bettencourt, duas das mais altas esferas da estrutura leonina naquele tempo e
que também estavam no relvado. “Aproximei-me dos dois e expliquei-lhes a minha
angústia. Depois pedi-lhes que saíssem do campo e passassem para o lado de lá
do gradeamento. Se os chefes dessem o exemplo, eu teria mais autoridade para
fazer o mesmo pedido aos outros. Foi impressionante o exemplo de
profissionalismo que os dois dirigentes demonstraram”, contou
Bölöni,
que minutos depois conseguiu o que queria: “Ficaram apenas aqueles que eram
estritamente necessários ao trabalho.”
Mas havia mais questões delicadas
para resolver. Uma delas era
Iordanov,
que tinha acabado de pendurar as botas, mas que ainda andava por ali. “Não era
treinador nem era jogador. O que fazer com ele então? Não está em causa a
dedicação e o amor que prestou ao clube no passado. Mas no presente, a presença
dele ali tinha mais desvantagens do que vantagens”, confessou no livro, recordando
ainda ter sido “crucificado” após dizer numa conferência de imprensa que o
búlgaro
“não fazia parte do
staff técnico”, quando lhe perguntaram se não queria
trabalhar com ele.
Plantel desequilibrado e a
surpresa Quaresma
Bölöni
também demorou algum tempo para perceber as reais funções de cada um dos três
diretores que o rodeavam (
Manolo Vidal,
José Manuel Torcato e
Eurico Gomes),
mas rapidamente percebeu que “o plantel era desequilibrado”. “No início da
época os atacantes do
Sporting
eram
Spehar,
Ayew e o jovem
Lourenço.
Niculae
ainda não tinha chegado e
Jardel
não era sequer uma miragem. Em compensação, o grupo tinha seis ou sete defesas
centrais”, lembrou.
O cenário era idêntico noutras
posições. Tinha apenas dois trincos,
Paulo
Bento e
Diogo, e “só mais tarde chegou
Rui Bento”. “O meio-campo era um
bico de obra, para o lado direito havia cinco jogadores de titularidade quase
indiscutível:
Sá
Pinto, João Pinto,
Quaresma,
Pedro Barbosa e
Luís
Filipe, enquanto que na esquerda tinha apenas uma opção,
Rodrigo
Tello. Uma equipa não pode ter estes desequilíbrios tão acentuados. Até por
uma questão lógica na gestão do plantel. Cinco jogadores internacionais para o
mesmo lugar, nos quais o clube investiu tanto dinheiro, dá problemas de balneário
na certa”, contou.
O elevado número de jogadores era
outra “questão delicada”. “Eram 28 e apenas 11 jogavam. Havia uma série de
gente zangada comigo todas as semanas. O Ayew, por exemplo, era um dos que
reagia muito mal quando não jogava. Os outros… bastava olhar para a cara deles.
Além disso, com tantos jogadores como é que eu poderia chamar alguém da equipa
B? Jamais! A manter-se aquele quadro, jogadores como
Hugo Viana,
Jorge
Vidigal ou
Lourenço
nunca chegariam à equipa principal. Foi uma boa estratégia termos dispensado
alguns elementos”, prosseguiu.
Um dos principais beneficiados da
redução do plantel foi
Ricardo
Quaresma, um “caso de crescimento reforçado pela presença no grupo
principal do
Sporting”.
Bölöni
não o conhecia, só o tinha visto uma vez por uma jovem seleção portuguesa, “mas
não era suficiente para tirar conclusões”. “A previsão inicial era que
Quaresma
permanecesse na equipa B, podendo ser pontualmente chamado aos treinos da
primeira categoria. O estágio de Rio Maior mudou radicalmente a minha opinião.
Fizemos um primeiro jogo-treino no dia 6 de julho [diante do Rio Maior] no qual
o
Quaresma
marco um golo de grande qualidade. ‘Atenção, um jogador interessante!’, foi o
apontamento que anotei no meu bloco. No dia seguinte foi a apresentação da
equipa em
Alvalade.
O
Quaresma
voltou a surpreender com sucessivas arrancadas que me convenceram em
definitivo. ‘Ele fica!’, está escrito no meu caderninho”, revelou na obra.
Paralelamente, identificou a
falta de um matador. “
Spehar
e Ayew não chegavam para as encomendas”, explicou, frisando que sugeriu o nome
de
Niculae,
“um jovem de 20 anos, forte, eficiente e com uma grande margem de progressão”, “um
investimento seguro” apesar da dúvida sobre se se conseguiria adaptar. Incerteza
essa dissipada logo após o primeiro jogo do estágio de Rio Maior: “Chegou nesse
dia, jogou 20 minutos e marcou um golo. Melhor era quase impossível. Justamente
nesse dia, à noite, o
Niculae
apareceu no meu quarto, todo entusiasmado porque já tinha aprendido dois
palavrões em português. Nesse momento confirmei os resultados do teste [psicológico
que havia feito ao jogador quando era selecionador romeno]: ele estava
entrosado com os colegas.”
No entanto,
Bölöni
não estava propriamente satisfeito após esse primeiro jogo do estágio de
pré-época, no final da primeira semana de trabalho. O
treinador
romeno fez uma apreciação individual e as notas eram, sobretudo, negativas:
“
Tiago:
não me convenceu nos treinos nem no jogo.
César Prates: sabe jogar,
é rápido, tem cultura de defesa, mas é demasiado permeável.
Phil Babb: tecnicamente não
é um génio.
Rui
Jorge: por enquanto nada de especial.
Beto: muito bom no jogo de
cabeça. Tem que corrigir a posição dos joelhos. Ataca o adversário com a pernas
esticadas. Fletindo os joelhos, corrige a posição do corpo, ganha mais
mobilidade e uma melhor visão do jogo.
André Cruz: comportamento positivo,
mas deve regular melhor a distância em relação ao adversário direto.
Dimas:
não me trouxe surpresas, não está mal.
Diogo: fraco, pode
melhorar muito.
Rui Bento: joga com
entusiasmo.
Paulo
Bento: por enquanto vejo que há ali vontade.
Pedro Barbosa: muito forte
e possante fisicamente, mas muito pesado. Será que pode ser uma ajuda na
defesa?
Sá
Pinto: deve tomar mais iniciativa no jogo defensivo e quero que ele
tente fazer coisas mais difíceis, não pode limitar-se às coisas fáceis.
Horvath:
muito pesado.
Rodrigo
Tello: dribla bem.
Lourenço:
tem talento.
Quaresma:
deixa-me dúvidas. Tenho que estar muito atento porque é um jogador em relação
ao qual não me posso precipitar.
João Pinto: não foi
convincente.
Luís
Filipe: pode fazer mais e melhor.
Spehar:
um grande ponto de interrogação, gigantesco!
Mpenza:
as qualidades físicas são maiores do que o talento.”
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