André Macanga jogou 70 vezes pela seleção de Angola |
Um dos heróis que qualificou Angola
para o Mundial 2006 e que dignificou os Palancas
Negras no torneio que se realizou na Alemanha, André Macanga recorda a
vitória no Ruanda, revela os segredos da geração de ouro angolana
e a sensação de capitanear a seleção.
Em entrevista, o antigo médio
passa em revista uma carreira que teve início no modesto Arrifanense
e que teve passagens por clubes como FC
Porto, Salgueiros,
Alverca,
Vitória
de Guimarães, Académica
e Boavista,
conta porque não assinou pelo Benfica
apesar do interesse encarnado
e confessa desilusão pela mudança de comportamento do seu protegido Mantorras
quando este se mudou para a Luz.
ROMILSON TEIXEIRA - O André Macanga destacou-se ao serviço dos Palancas
Negras, tendo sido uma das principais figuras da equipa que apurou Angola
ao Mundial 2006. O que sentou depois do apito final do jogo realizado em
Kigali?
ANDRÉ MACANGA – Esse foi o
momento mais marcante da seleção
angolana. Ninguém acreditava na nossa qualificação, mas, com um grande profissionalismo
da parte dos jogadores e uma direção que tudo fez para que não nos faltasse
nada, fizemos um jogo tranquilo, apesar de a Nigéria
nos estar a pressionar. Querendo ou não, houve um incentivo para que o Ruanda
nos travasse. Mas nós estávamos confiantes, sem pressão, não sentimos medo e
depois do apito final houve alegria, choros… de tudo um pouco. O que mais nos
marcou foi a chegada a Angola,
onde fomos recebidos pelo Presidente da República, primeira-dama e todo aquele
povo que se juntou para nos apoiar. Esse foi o momento mais marcante da nossa
carreira a nível de seleção.
Como é para si, ter sido parte daquela que é chamada de geração de ouro
do futebol
angolano? O que acha que esteve na base do sucesso daquela seleção?
É um grande prazer fazer parte
dessa geração de ouro. É sabido que passaram muitos, mas muitos atletas na
nossa seleção,
por isso sermos os primeiros a conseguir a qualificação para o Mundial é um
grande orgulho. Hoje somos reconhecidos pelos feitos da nossa seleção,
mas sobretudo para levar a seleção
ao Campeonato do Mundo de 2006 na Alemanha. Isso já ninguém nos tira. Esperamos
que a nova geração consiga o mesmo, mas para isso é necessário trabalhar
bastante, haver muita humildade e um trabalho árduo da parte de todos. Não será
fácil, mas quem trabalha bem por vezes consegue.
Como era a sua relação com o selecionador Oliveira Gonçalves e com os
seus colegas de seleção?
André Macanga desarma Figo no Mundial 2006 |
Capitanear a seleção
é prazeroso. Comecei como vice capitão, o capitão era o Akwá e também havia o
Figueiredo. Em 2008, no CAN do Gana, eu peguei a braçadeira e nunca mais a larguei
até à minha retirada. Ser capitão não é para qualquer um. Muitos querem ter a
braçadeira só para o estilo, mas ser capitão é para alguém com perfil, que os
outros atletas respeitem, admirem e vejam como um líder. Sinto-me muito
reconhecido. Estou muito feliz por tudo aquilo que fiz pelo futebol
angolano.
“Presidente do Arrifanense sentiu pena de mim e arranjou-me alojamento”
André Macanga nos tempos do Arrifanense |
Com que idade foi para Portugal
e que memórias tem da sua infância?
Fui para Portugal
em 1992, numa altura em que Angola
se encontrava em Guerra Civil. Na altura, os meus pais trabalhavam. A minha mãe
era enfermeira parteira e o meu pai era chefe nas finanças, tinham algumas
possibilidades, e eu pedi-lhes para ir para Portugal,
até porque a maioria dos meus irmãos já estavam em Portugal.
Eu tinha 15 anos, um corpo atlético avantajado e insisti bastante para que a
minha mãe tratasse do passaporte e comprasse o bilhete.
Cheguei em janeiro, havia muito
frio e depois tive o aconselhamento de muitos vizinhos e dos meus irmãos. O
clima era totalmente diferente. Pensei em regressar, mas as pessoas
aconselharam-me a ficar. Eu estava em São João da Madeira e encontrei um clube
em que me haveria de iniciar, o Arrifanense.
Tinha 17 anos, fiz um teste e eles gostaram. O presidente e os treinadores
quiseram apostar em mim. Comecei nos juvenis, mas depois passei para os
juniores e fui intercalando com os seniores. Fui campeão com os seniores na III
Divisão Nacional e apareceram clubes que me quiseram. Estou feliz, porque sou o
que sou e houve um começo. E esse começo chama-se Arrifanense.
Começou a jogar futebol em Portugal
nas camadas jovens do Arrifanense,
um clube do concelho de Santa Maria da Feira. Que memórias tem desses tempos?
Os meus irmãos tinham casa no
Porto e eu vivia com eles. Então tinha de apanhar autocarro até Santa Maria da
Feira, treinava e depois do treino, com muito frio, tinha de apanhar boleia dos
jogadores dos seniores. O próprio presidente sentiu pena e arranjou-me
alojamento. Foi a melhor opção que eles tomaram para que eu estivesse
concentrado e mais próximo do clube.
Em 1998-99 representou o Vilanovense e de lá saltou para a I
Liga…
Antes de assinar pelo
Vilanovense, estive à experiência na União
de Leiria, mas na altura o presidente João Bartolomeu dava um valor muito
baixo e saí da União
de Leiria, que estava na I
Liga, para o Vilanovense, da II Divisão B. O meu objetivo era poder fazer
um bom campeonato e depois dar o salto. E deu certo. Os meus empresários, Rui
Neno e Nélson Almeida, disseram-me para ficar calmo, que ia chegar à I
Liga ao fim de meia época.
Depois o falecido Dito, que
estava a treinar o Salgueiros,
viu-me a jogar em dois jogos e disse que me queria. Assim que abriram as
inscrições em janeiro, lá fui para o Salgueiros.
Assinei por três anos, mas acabei só ficar um, porque Pinto da Costa gostou do
meu futebol e no final da época assinei pelo FC
Porto.
Fiz a pré-época no FC
Porto, mas não fiquei no plantel porque era extracomunitário. Pedi ao meu
empresário para não ficar no FC
Porto a fazer número, pedi para ser emprestado. Depois apareceu o Alverca,
que solicitou os meus préstimos. Penso que foi uma escolha acertada. Encontrei
um grande professor, Jesualdo Ferreira, e alguns angolanos,
como o Bernardo [Cariata]. Na altura ainda não conhecia o Pedro Mantorras,
ainda era júnior. Tínhamos uma equipa excelente, com grandes jogadores.
Adaptei-me muito bem e fiz uma grande época.
A partir daí fui saindo de um
clube para o outro, sempre por empréstimo do FC
Porto. Depois do Alverca
fui para o Vitória
de Guimarães, depois para a Académica
e para o Boavista.
E depois fui para a Turquia, para o Kuwait e finalmente para o Qatar. Andei
bastante, mas sempre a jogar ao mais alto nível.
“Para jogares no Salgueiros tens de ter alma, tens de ter atitude”
André Macanga representou o Salgueiros em 1999-00 |
Para
jogares no Salgueiros tens de ter
alma, tens de ter atitude. Penso que não é só no Salgueiros, mas nos
clubes todos do Norte, que te ensinam a teres garra, a teres atitude, por mais
que as coisas não corram na perfeição. Tens que batalhar. Fiz grandes amigos no
Salgueiros, como o
Neves, o Pedro [Reis] que era um grande senhor e capitão, o Basílio que era um
grande ponta de lança, o Rui Ferreira, o Cândido Costa que hoje é comentador e
o Carlos Ferreira que jogava comigo no meio-campo. Tínhamos um bom grupo.
Quando o grupo se dá bem fora do campo, dentro de campo não há como os
resultados não serem positivos. O Salgueiros era um clube
que, quando acabavam os treinos, tínhamos um grupo de cinco ou seis jogadores
que almoçávamos juntos e ficávamos algum tempo juntos. Éramos como irmãos. Portanto,
tenho boas recordações do Salgueiral.
Mas
não foi fácil, porque quando fui para o Salgueiros o treinador
era o Dito, fizemos a pré-época, começámos o campeonato, na minha
posição jogava o Toninho Cruz e ele não estava a dar-me hipóteses, era um
grande jogador. Fui aguentando, trabalhando sempre nos limites, e à 5.ª jornada
fomos jogar frente ao Vitória de Setúbal,
o Toninho foi expulso por acumulação de amarelos e na 6.ª jornada recebemos o Farense e o treinador deu-me a oportunidade, disse
para eu jogar como fazia nos treinos, disse que assumia a responsabilidade se
alguma coisa corresse mal. Só sei que entrei em campo sem pressão, fiz um
grande jogo, todos começaram a perguntar de onde é que eu vinha e acabei o campeonato a jogar, o
Toninho nunca mais jogou. Essas são as grandes recordações que tenho de
Paranhos e do Salgueiros. Grande
clube! É uma pena que esteja nas divisões secundárias, mas acredito que
regresse à I Liga.
Como viu a queda e o renascimento do Salgueiros?
Vi as várias descidas de divisão do
Salgueiros
com tristeza, porque na altura o clube estava bem, embora o presidente José
António Linhares tinha alguns problemas de saúde, ficou doente e acabou por
falecer. Depois perdi um bocadinho o rasto do Salgueiros,
porque já estava no Médio Oriente.
“Vieira quis levar-me para o Benfica, mas eu tinha contrato com o FC Porto”
André cumprimenta Pena no Estádio das Antas |
O que correu mal para não se ter estreado oficialmente pelo FC
Porto?
Não posso dizer que as coisas no FC
Porto tenham corrido mal. O grande problema era que eu tinha vindo de um
clube da II Divisão B, o Vilanovense, e que depois fui contratado para o Salgueiros
e ao fim de uma época fui contratado pelo FC
Porto. Estava a ser tudo muito rápido. Penso que as coisas têm de acontecer
com naturalidade, tudo a seu tempo. O FC
Porto tinha um plantel muito estável, ainda encontrei Paulinho Santos,
Aloísio, Vítor Baía, o falecido Esquerdinha, Deco, Domingos
Paciência e Capucho. Havia um leque de grandíssimos jogadores. Eu até
poderia jogar, caso o treinador, na altura o Fernando Santos, me desse
oportunidade de mostrar o meu real valor. Se fui contratado, foi porque viram
qualidades em mim. Mas quando vi que não ia ter espaço, pedi para ser
emprestado. Não queria ser mais um a fazer número. Sabia que num outro clube eu
ia dar continuidade que tinha feito no Salgueiros.
Não correu mal, tive uma boa experiência e fiz uma pré-época excelente. O
mister Fernando Santos decidiu que eu não ia fazer parte do plantel. Respeito
essa decisão, mas tenho que dizer que não joguei no FC
Porto, mas mostrei ao FC
Porto o grande valor que eu tinha, porque joguei em todos os clubes pelos
quais passei com dedicação, atitude e garra. Não foi por acaso que o Luís
Filipe Vieira me quis levar para o Benfica.
Só não fui porque tinha contrato com o FC
Porto. Foi uma pena, porque no Alverca
o presidente Luís Filipe Vieira estava sempre próximo da equipa. Além de gostar
do Mantorras, também gostava bastante de mim. Se eu não tivesse contrato com o FC
Porto, tenho a certeza absoluta que ia jogar no Benfica.
“Apoiava muito o Mantorras, mas quando ele foi para o Benfica mudou completamente”
André Macanga no Alverca em 2000-01 |
Seguiu-se um empréstimo ao Alverca,
onde teve Ricardo Carvalho e Mantorras como companheiros de equipa, Jesualdo
Ferreira como treinador e Luís Filipe Vieira como presidente. Quais as
principais recordações que tem dessa época e destas quatro personagens do
futebol português?
As grandes recordações que tenho
foi trabalho com um presidente que é um homem de balneário, que gosta de estar
com a equipa e brincar com os jogadores. O Ricardo Carvalho foi um dos melhores
amigos que tive no Alverca
e ainda hoje temos uma boa relação. Com o Pedro Mantorras… nem tanto. Na altura
o Mantorras jogava nos juniores e eu apoiei-o bastante, dava-lhe boleia para
casa e para os treinos e ele chamou-me quando o AC
Milan foi falar com ele. Mas depois de ir para o Benfica,
Mantorras mudou completamente. Penso que o homem nunca pode mudar o seu
comportamento, a sua atitude, temos de continuar a ser humildes. Não é o
dinheiro que pode fazer com que a gente mude de comportamento. Mas continuo a
admirá-lo, foi meu colega e gosto muito dele.
“Guimarães é uma cidade impressionante, com adeptos que morrem pelo Vitória”
André Macanga com Augusto Inácio no Vitória de Guimarães |
Em 2001-02 defendeu as cores do Vitória
de Guimarães. Como correu a aventura no Minho e como foi a convivência com
os super exigentes adeptos do clube?
É um grande clube. Eu vinha de
uma grande época no Alverca
e então os clubes falavam com o FC
Porto e solicitavam o empréstimo. Penso que foi assim. Joguei num grande
clube, com tradição. Os adeptos do Vitória
de Guimarães só são adeptos do Vitória
de Guimarães, não são de mais nenhum clube. É uma cidade impressionante,
com adeptos que morrem pelo clube. Foi prazeroso representar esse grande clube.
No Vitória
fiz boas amizade, como Pedro Mendes, Nuno
Assis, o falecido Hugo Cunha, o grande central brasileiro Cléber e Guga. A
direção era jovem, com o Neno, que tinha sido guarda-redes e estava sempre com
os jogadores. O Vitória deixou-me marcas positivas.
Tínhamos um grupo forte, com o
Augusto Inácio como treinador. Era um treinador com bagagem, tínhamos uma
superequipa e fizemos um bom campeonato.
Foi um orgulho poder representar o Vitória
de Guimarães.
“Época que passei na Académica foi aquela em fiz mais golos na minha carreira”
Em 2002-03 representou a Académica.
Que balanço faz da experiência em Coimbra e com que impressão ficou de um clube
tão tradicional do futebol português?
Faço um balanço positivo. Na
apresentação aos sócios, os adeptos estavam desconfiados, porque falaram nos
jogadores angolanos
que tinham passado pela Académica,
como Akwá, Paulão e Aurélio, que não tiveram o desempenho que os adeptos e os
dirigentes esperavam. Mas tenho super recordações. A cidade é fantástica e
convivi com gente muito boa. O grupo de trabalho era composto por colegas
espetaculares e o treinador era o mister João Alves. Fizemos um bom campeonato
e foi a época em que fiz mais golos na minha carreira. Tínhamos uma equipa
brutal, com Tonel e Carlos Martins, que jogaram no Sporting;
Lucas, que Deus o tenha; um romeno que hoje é empresário, o Marinescu; e o
Márcio Santos, que era guarda-redes e que acabou por trabalhar no Recreativo do
Libolo. O que aconteceu comigo no Salgueiros
também aconteceu na Académica.
Como não tínhamos muito para fazer, almoçávamos juntos, treinávamos de tarde e
íamos jantar juntos. Estávamos sempre juntos, o que ajudou a fazermos um
excelente campeonato.
“Saltei de alegria quando soube que ia jogar para o Boavista”
André Macanga no Boavista em 2003-04 |
Seguiu-se mais uma passagem por outro clube com grande tradição no
futebol português, o Boavista,
que poucos anos antes se tinha sagrado campeão nacional. Qual foi o sentimento
de jogar com a camisola axadrezada
e como correu a temporada?
Quando fui para o Boavista,
foi já no final do meu contrato com o FC
Porto. No final da época fui para Cabo
Verde com a família passar umas merecidas férias. Mas como eu não gostava
de estar muito tempo parado e o corpo já estava a pedir treino ao fim de 15
dias, fui chateando o meu empresário no sentido de ele me dizer quando começava
a pré-época e onde é que eu ia jogar. Ele dizia-me para ter calma e a poucos
dias do início da pré-época disse-me que eu ia para o Boavista.
Saltei de alegria! Penso que o Boavista
é daqueles clubes que marca qualquer jogador. Tive o privilégio de apanhar um
treinador jovem, que jogou muito futebol e foi campeão no Boavista,
o boliviano Erwin Sánchez, que tinha dito ao presidente que contava comigo. No
entanto, na altura só podiam jogar dois ou três extracomunitários. Então o
clube pediu para eu tratar dos meus documentos, para que eu pudesse ser
naturalizado. Na altura o presidente era o João Loureiro, filho de Valentim
Loureiro, e tudo aconteceu com normalidade. Em dois meses trataram do meu
passaporte e a partir daí comecei a jogar como titular indiscutível no
meio-campo ao lado de Filipe Anunciação e Raúl Meireles e por vezes do
Frechaut.
Tinha um contrato de quatro anos,
mas só fiquei um porque depois apareceram empresários turcos que viram um ou
dois jogos meus e mostraram interesse. O clube estava a precisar de algum
dinheiro e vendeu-me ao Gaziantepspor.
No Kuwait para substituir Vampeta
Na época seguinte representou o Gaziantepspor da Turquia e de lá foi
para o Kuwait. Porque aceitou essas mudanças quando era titular num clube ambicioso
na I
Liga portuguesa?
Na Turquia as coisas correram-me
muito bem, mas os jogadores têm de estar preparados para aventuras. Depois de
sair de Portugal
pensei que podia ir para qualquer lado. Estava a fazer o meu campeonato na
Turquia quando o meu empresário me perguntou se eu queria ir para o Kuwait. Eu
já estava muito adaptado à Turquia, mas os valores falaram mais alto. Quando
saí do Boavista
para a Turquia fui ganhar três ou quatro vezes mais e quando saí da Turquia
para o Kuwait fui ganhar seis vezes mais. No Kuwait fiquei responsável por
substituir um jogador que se portou mal, porque no Médio Oriente ou se vai para
jogar ou se vai para fazer outras coisas. O Vampeta foi apanhado a beber, foi
preso e o presidente mandou-o embora. O clube [Al-Salmiya] não ganhava há 12
anos e a adaptação foi difícil, mas eu já tinha espírito vencedor e penso que
as coisas correram com naturalidade. Mas tinha a minha família por perto, o que
facilitou. Fiquei sete anos no Kuwait e ganhei tudo o que havia para ganhar.
Houve uma altura em que o próprio dono do Kuwait SC me colocou como capitão e
queria que fosse eu a fazer a equipa em vez de ser o treinador a fazê-lo, mas
eu não quis, porque tenho valores. Estou muito grato ao Kuwait e não tenho
dúvidas de que o meu futuro vai passar pelo Médio Oriente.
Terminou a sua carreira de jogador do Al-Shamal, um clube do Qatar, sem
ter chegado a jogar no Girabola.
Porquê?
Queria terminar a carreira em Angola,
mas essa oportunidade não surgiu e fui para o Al-Shamal do Qatar, um clube em
que jogaram os famosos irmãos De Boer. Penso que fiz uma boa época, fui
capitão. O clube é espetacular e a cidade também. Estive lá um ano e meio.
Terminei bem a minha carreira de futebolista, sem me arrastar. Falei com a
minha família e disse-lhes que já não tinha motivação para acordar para ir
trabalhar. Terminei num bom clube, num bom país, e fiz bons amigos. Isso é que
é importante no mundo do futebol.
André Macanga quando trabalhava na Federação Angolana |
Depois de ter terminado a carreira de futebolista, abraçou a de
treinador. Era algo que já tinha em mente?
Quando estava a pensar em
terminar a carreira de futebolista, comecei a preparar o meu futuro. O meu
futuro passou por fazer formação, inicialmente de dirigismo, em Portugal,
e fui fazendo as minhas formações. Depois tive uma conversa com o prof.
Oliveira Gonçalves, expliquei-lhe as minhas motivações, e ele disse-me que eu
tinha de estar no campo, em contacto com a relva. Aquilo arrepiou-me. Estive
quase seis meses no Brasil a fazer formação de treinador, depois fui para Portugal,
onde fiz uma formação de gestão desportiva. Entretanto falei com o general
Pedro Neto, disse-lhe que queria voltar para Angola,
que queria passar a mística da nossa seleção
e o general disse-me que já queria falar comigo precisamente para passar a
mística aos jovens jogadores. Mal terminei as minhas formações, o general Pedro
Neto chamou-me, vim para Angola
e acabei por abraçar o projeto da Federação, como adjunto de Romeu Filemon na seleção
principal. Foi muito bom passar pela Federação, foi uma experiência boa.
Não tivemos a sorte de ganhar mais jogos, mas tenho que dizer que foi um prazer
poder representar a nossa seleção,
que já tinha representado 12 anos como jogador.
Seguiu-se uma curta passagem pelo FC Cabinda. Como correu a aventura
pelas terras do Maiombe?
Penso que o FC Cabinda foi um
projeto em que as coisas não correram como pretendíamos. Fui para Cabinda, assinei
contrato, mas o clube tinha uma série de assuntos por resolver, uma dívida para
com um jogador brasileiro que esse mesmo jogador colocou na FIFA, e não
estávamos a ver como desbloquear essa situação.
“Libolo não pagava há sete ou nove meses e dizíamos aos jogadores para trabalharem nos limites”
André Macanga nos tempos do Recreativo do Libolo |
Depois passou três anos ao serviço do Clube Recreativo do Libolo, tendo
entrado no clube como treinador adjunto da equipa principal. Que análise faz da
sua passagem pelo Libolo?
Sobre a situação do FC Cabinda ninguém
disse mais nada, até que eu estava em casa sem fazer nada e apareceu o Bruno
Vicente, hoje diretor para a área do futebol do Petro
de Luanda, que me convidou para o Recreativo do Libolo fazer os últimos
três meses da época. Na altura o treinador estava suspenso e precisavam de
alguém para o banco. Como tinha as habilitações todas para estar no banco, fui
para lá. Entretanto surgiu a oportunidade de ser treinador principal, uma
oportunidade que eu esperava há já algum tempo, e agarrei-a com as duas mãos. Trabalhámos
arduamente, fizemos trabalhos enormes. Passámos momentos difíceis, em alturas
em que o clube estava há sete ou nove meses sem pagar, e tivemos de passar a
mensagem aos jogadores de que tinham de trabalhar sempre nos limites. Mesmo nas
dificuldades, fazíamos as coisas com prazer e dedicação. Não há ninguém no
Libolo que possa meter em causa todo o trabalho que foi feito. Mas havia uma
pessoa que me dava garantias de que podia aguentar e que dizia que eu era um
comandante, o general Higino Carneiro, pelo qual tenho grande admiração. É uma
pessoa que percebe de futebol, é uma pena que certas pessoas não consigam
acompanhar a dinâmica do general Higino Carneiro. Nas dificuldades, ele entrou
sempre em contacto comigo, com muito respeito, sempre aceitou o que eu tinha
para dizer. Disse-me que a situação estava difícil, mas que podia mudar e que
por isso não podíamos baixar os braços.
Na época 2019-20, ainda ao serviço do Libolo, tem a sua primeira
experiência como treinador de principal uma equipa do Girabola.
Que avaliação faz dessa época e o que motivou a sua saída do clube de Calulo?
Faço uma avaliação positiva,
tanto como treinador principal como adjunto. Quando substituímos o prof. Kito
Ribeiro a equipa estava em 11.º ou 12.º lugar e acabámos em 4.º lugar. Depois,
mesmo assim o presidente Casimiro não se sentiu satisfeito e foi buscar um português
[Sérgio Boris], que veio e não conseguiu dar conta do recado. Pegámos na
equipa, a equipa estava com oito pontos e quatro golos na 14.ª ou 13.ª posição
e acabámos na primeira metade da tabela. Depois, quando pegámos definitivamente
na equipa, aconteceu essa situação do covid-19, mas terminámos o campeonato
em 7.º lugar. Mas tivemos imensas dificuldades, não pensem que o Libolo era o
mesmo de quando passaram por lá alguns treinadores. Se eu tivesse as mesmas
condições, eu lutava pelo primeiro ou segundo lugar. Mas o futebol em Angola
é para equipas que estão bem estruturadas e que em termos de organização estão
acima dos demais. E é claro que os jogadores dos clubes que têm o salário em
dia estão mais motivados.
“O nosso trabalho no Desportivo da Huíla foi sabotado por muita gente”
André Macanga orientou Desportivo da Huíla em 2020-21 |
Começou a época 2020-21 no comando técnico do Clube Desportivo da
Huíla. Que resumo faz da sua campanha no comando dos militares da frente sul do
país e o que falhou para que não terminasse a época no clube?
Se eu soubesse o que sei hoje,
nem sequer aceitaria ir para o Desportivo da Huíla. O nosso trabalho lá foi
sabotado por muita gente. Havia lá um diretor, um tal Domingos Ezequias, que
sempre foi uma pessoa que colocou entraves desde a nossa chegada. Não se
compreende como um clube como o Desportivo da Huíla tinha uma ou duas pessoas a
mandar. É complicado.
E não tivemos tempo suficiente
para fazermos uma pré-época digna, visto que o Girabola
é um campeonato
competitivo e era preciso ter tempo suficiente para fazer um trabalho como deve
ser. Fui entrando em contacto insistentemente com o diretor do clube, Domingos
Ezequias, no sentido de o fazer perceber que o campeonato
começaria entre os dias 27 e 28 de dezembro, mas o mesmo afirmava que este ano
não ia haver campeonato,
apesar de todas as equipas estarem a trabalhar, e isto fez com que eu chegasse
muito tarde à província da Huíla. O Desportivo da Huíla começou os seus
trabalhos no dia 28 de novembro de 2020 e eu, enquanto treinador principal, só
cheguei à Huíla no dia 12 de dezembro. Tive de cumprir alguns dias de
quarentena e comecei a trabalhar com a equipa no dia 17 do mesmo mês, tendo o campeonato
começado no dia 28 de dezembro. Penso que depois de estarmos sete meses sem atividades
desportivas seria muito difícil fazer um bom arranque. As coisas não corriam bem,
mas exigiam resultados imediatos. Penso que as coisas não são assim, eu não
trabalho assim, por isso, por livre e espontânea vontade, saí sem contactar
ninguém, até porque não sei se as pessoas que iriam ao campo eram mandatários
de algumas pessoas, porque eram sempre os mesmos elementos que iam ao terreno
de jogo para insultar, e passavam o insulto para os demais. O assunto tornou-se
insuportável, até ao momento em que recebemos ameaças de morte, mas penso que
haviam jogadores que não estavam nem aí. É complicado quando chegas a uma
equipa que estava habituada a trabalhar de uma maneira e chegas com novos
métodos de trabalho, rigor, disciplina. Se calhar não estavam habituados a
isto, também tivemos o azar de não ter campo para treinar, o campo de ferrovia
estava com problemas, tínhamos de procurar sítios para treinar, não treinávamos
como gostaríamos, mas de qualquer maneira estamos convictos do nosso potencial,
e estamos á espera de novos convites, de clubes em que eu possa trabalhar com
os meus adjuntos. Uma coisa é trabalhares com o teu staff, outra é trabalhares
com o staff do clube. Muitas vezes, quem atrapalha o trabalho dos treinadores
são alguns adjuntos.
Que análise faz do nível competitivo e organizacional do Girabola?
Quais são para si as grandes qualidades e debilidades dos futebolistas angolanos?
Penso que esta edição do Girabola
está muito competitiva, é uma pena as paragens que o campeonato
às vezes tem tido, mas penso que a competitividade está patente, não é por
acaso que o Sagrada Esperança tem feito o campeonato
que está a fazer, pois organizou-se, estruturou-se e estão imbuídos no sucesso
do clube. Quando assim é, não poderia ser diferente. O 1º
de Agosto é uma equipa que já está a estruturar-se há bastante tempo e os
resultados estão aí, tem lançado jovens jogadores que poderão trazer receitas
aos clubes, penso que este será o caminho para todos os clubes. Se quisermos
ter receitas temos de apostar na juventude. Penso que o nosso futebol está a
crescer, tirando alguma desorganização que a FAF tem tido, mas penso que o
nosso campeonato
tem crescido. Espero que haja mais qualidade, é uma pena não podermos ver os
jogos, pois têm sido à porta fechada, o que diminui um pouco o espetáculo que é
o nosso futebol.
Já temos alguns clubes que são
bem organizados e estruturados, e nota-se que isto faz a diferença, basta
olharmos para as equipas que estão à frente, no meio da tabela, e as que estão na
parte baixa da tabela. Penso que há equipas que já estão bem estruturadas e, se
assim for, o nosso futebol vai melhorar.
O que pensa sobre o futebol de formação em Angola?
Nós em Angola
falamos muito da formação, mas não apostamos nela. Os formadores são poucos e
com meios próprios têm feito um grande trabalho, formando bons jogadores. Estes
mesmos formadores não têm apoios. Falo concretamente do Ti Nandinho, um homem
que lapidou o meu talento para o futebol e que tem lutado bastante, tem pedido
apoios, mas nunca os recebeu. Apesar disso, é alguém que tem feito despontar
grandes talentos, não só para clubes, mas também para a nossa seleção.
Temos de falar menos da formação e apoiar mais, só assim o futebol
angolano vai ganhar, com apoios, dedicação e sustentabilidade.
Que opinião sobre o atual estado administrativo da FAF resultante da
suspensão do último ato eleitoral...
É uma situação que atrapalha todo
o nosso futebol. Esta situação tinha de ser vista rapidamente. Não quero
alongar-me muito sobre este tema, mas precisamos de alguém na FAF para dirigir
o nosso futebol.
Entrevista realizada por Romilson Teixeira
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