Dos 9-0 em Vila do Conde à valsa de Viena. Recorde a caminhada do FC Porto rumo ao primeiro título europeu
FC Porto sagrou-se campeão europeu pela primeira vez em 1986-87
A caminhada do FC
Porto rumo ao primeiro título europeu, em 1986-87, coincidiu com um período
em que as condições de trabalho não eram as melhores. Tudo porque, por essa
altura, o Estádio das Antas sofreu obras de rebaixamento que serviram para
aumentar a sua capacidade em 20 mil lugares.
Devido a esse condicionamento, os
dragões
disputaram o jogo da primeira eliminatória da Taça
dos Campeões Europeus, diante dos malteses do Rabat Ajax, no Estádio
dos Arcos, propriedade do Rio
Ave. Nada que incomodasse os homens orientados por Artur
Jorge, que golearam por 9-0 em Vila do Conde na primeira-mão, a 17 de
setembro de 1986. Fernando Gomes foi autor de um póquer (20, 49, 68 e 83
minutos), André bisou da marca do penálti (59’ e 65’) e Elói
(25’), Madjer
(54’) e Celso
(80’) também faturaram.
Duas semanas depois, em La
Valletta, os azuis
e brancos ganharam por 1-0, graças a um golo solitário de António Sousa aos
80 minutos. Na segunda eliminatória o FC
Porto começou a jogar fora de casa, no terreno dos checoslovacos do Vítkovice.
Um osso duro de roer para os dragões,
que perderam em Ostrava por 1-0, devido a um golo de Jirí Sourek na conversão
de um penálti aos 23 minutos.
Na segunda-mão, num Estádio das
Antas remodelado, os portistas
deram a volta ao texto, vencendo por 3-0. André abriu o ativo aos cinco
minutos, Celso
deu vantagem na eliminatória aos 25’ e Paulo
Futre sentenciou o resultado aos 82’.
Seguiram-se os dinamarqueses
do Brondby nos quartos de final, já em março de 1987. No primeiro jogo, nas
Antas, Rabah
Madjer (aos 71 minutos) foi o único a conseguir bater Peter
Schmeichel, dando ao FC
Porto uma vitória por 1-0.
Duas semanas depois, em Esbjerg, um
jogo crucial para a caminhada portista, que fez Pinto
da Costa acreditar mais do que nunca no título europeu. “Houve um momento
decisivo em que acreditei que iríamos ser campeões europeus, e esse momento foi
quando passámos a eliminatória contra o Brondby. À chegada à Dinamarca, o ambiente
no grupo estava tenso. Antes da partida, tínhamos perdido em Portimão, num jogo
para o campeonato. O nosso guarda-redes habitual, o Jozef
Mlynarczyk, não tinha jogado, por ainda estar a recuperar de uma lesão, e o
lugar dele entre os postes fora assumido pelo saudoso Zé
Beto, que não tinha estado bem no jogo. À noite, no hotel, na véspera do
jogo com o Brondby, eu e o Artur
Jorge reunimos a equipa e eu dirigi-me ao grupo: ‘Amanhã vamos disputar a
final da Taça
dos Campeões Europeus. A final não é em Viena, no dia 27 de maio. A final é
amanhã. Porque, se nós ganharmos amanhã e passarmos a eliminatória, vamos ser
campeões europeus.’ Eu acreditava nisso, e eles acreditaram nisso também”,
contou o antigo
presidente do clube no livro A Chama do Nosso Dragão (2021). Num encontro difícil, Per
Steffensen adiantou os nórdicos aos 36 minutos, mas Juary empatou a partida e
deu o apuramento para as meias-finais aos dragões
com um golo aos 74’. Um “jogo que não foi isento de percalços, porque
Casagrande fraturou uma perna”, recordou Pinto
da Costa. “O Jozef
Mlynarczyk jogou e fez uma grande exibição, o Juary marcou um golo e todos
os jogadores meteram na cabeça que iríamos ser campeões europeus”, lembrou o histórico
líder portista.
Faltava então conhecer o último
obstáculo até à final de Viena. “Lembro-me de estar no sorteio nas
meias-finais, num jantar em que participaram os dirigentes dos quatro clubes, e
que eram, além de mim, os presidentes do Bayern
Munique, do Real
Madrid e do Dínamo de Kiev. Os presidentes do Bayern
e do Real
Madrid não queriam jogar contra o Dínamo e preferiam o FC
Porto, por acharem que seríamos um adversário mais fácil de bater. Na
altura, eu disse-lhes que não me interessava o adversário. Interessava-me era
saber quem é que ia ganhar a outra meia-final, para conhecer quem seria o meu
adversário na final. Quando o sorteio ditou um Dínamo de Kiev – FC
Porto e um Real
Madrid – Bayern
Munique nas meias-finais, eu desafiei o presidente do Bayern,
que era meu amigo: ‘Vê lá se apareces na final, porque eu não vou faltar.’ O presidente
do Real
Madrid, que assistia a tudo, também interveio: ‘Não, não, se estiveres na
final vai ser comigo.’ E eu, meio a brincar, meio a sério, sentenciei: ‘Vocês
entendam-se, porque eu vou estar na final.’”, recordou Pinto
da Costa. Mesmo tendo pela frente um Dínamo
Kiev que “era na altura a melhor equipa da Europa”, segundo o presidente
portista, o FC
Porto conseguiu vencer os dois jogos, “com duas exibições fantásticas”. Na primeira-mão, os dragões
venceram por 2-1 nas Antas, com golos de Futre
aos 49 minutos e de André, de penálti, aos 67’, antes de Pavlo Yakovenko
reduzir para os soviéticos, então comandados por Valeriy Lobanovskyi, aos 73’.
Duas semanas depois, a 22 de
abril de 1987, em Kiev, os azuis
e brancos resolveram o assunto logo nos minutos iniciais: Celso
abriu o ativo aos três minutos e Fernando Gomes fez o segundo golo aos 10’. Oleksiy
Mykhaylychenko reduziu para os ucranianos logo a seguir, aos 11’, mas o
apuramento portista para a final de Viena nunca esteve em causa.
Seguiu-se o Bayern
no jogo decisivo, com Pinto
da Costa sempre muito confiante: “No avião que nos transportava para Viena,
o meu coração batia com força. Eu sentia, mas sentia mesmo, que íamos ganhar. E
disse-o ao Artur
Jorge, não para lhe incutir força ou despertar o moral, mas porque
acreditava mesmo. A minha confiança baseava-se na qualidade da equipa. O
guarda-redes transmitia à equipa uma grande segurança. É verdade que o Fernando
Gomes, o nosso goleador, estava impedido de jogar por causa de uma lesão. Mas
tínhamos o Madjer,
o Futre,
o Juary… ‘O presidente está com uma fé…’, respondeu-me o Artur
Jorge. ‘Não é fé: tenho a certeza de que vamos ganhar.’ ‘Também espero que
sim’, respondeu ele. ‘Eu não espero: eu sei que vamos ganhar.’” “De qualquer modo, partimos para
aquela final com um espírito completamente diferente com que tínhamos ido a Basileia,
em todos os sentidos. Tínhamos aprendido com os erros do passado. Em 1984,
tinha sido a desconcentração total, com jogadores a darem entrevistas e
autógrafos, a tirarem fotografias com os adeptos à porta do hotel, a negociarem
contratos de patrocínios. Em Viena, isolámo-nos da imprensa e dos adeptos.
Instalámo-nos num hotel lindíssimo, todo decorado com palmeiras e outras
plantas de interior, mas ninguém de fora teve acesso à equipa. A concentração
era total”, prosseguiu, acerca da final, disputada a 27 de maio.
“Entrámos no relvado do Prater
cientes de que, se quiséssemos, sairíamos dali campeões europeus. A primeira
parte não correu muito bem”, recordou Pinto
da Costa, sobre um período no qual o Bayern
se colocou em vantagem, por intermédio de Ludwig Kogl, aos 24 minutos.
“Mas, ao intervalo, o grupo
reforçou a sua confiança. ‘Nós vamos ganhar!’, repeti ao treinador e à equipa.
E o Artur
Jorge, então, dirigiu-se aos jogadores com um discurso de vitória que foi
das intervenções mais galvanizantes a que assisti na minha vida. ‘Temos quarenta
e cinco minutos para ficar na história. Não há amanhã: é hoje, é agora!’ No
final, os jogadores soltaram um grito de vitória. Se dúvidas restassem dentro
de mim, ter-se-iam diluído naquele momento”, continuou o histórico líder dos azuis
e brancos. “Quando a equipa regressou ao
relvado, ia convencida de que conseguiria dar a volta ao resultado. E deu,
primeiro com um soberbo golo de calcanhar do Madjer
[77 minutos], provavelmente o mais belo da nossa história, depois com um golo
do Juary [79’]. Deu a volta e ganhou. Quando o árbitro apitou para o final do
encontro, toda a alegria do mundo cabia dentro das quatro linhas do Prater. Quem
seria o mais feliz? O João
Pinto, a correr pelo estádio agarrado ao troféu? Os adeptos, saltando nas
bancadas ou rejubilando com a vitória da sua equipa frente ao televisor? Acho
que cada um de nós na equipa e cada portista viveu aquele momento de uma forma
pessoa e intensa, uns mais exuberantes, aos saltos e aos gritos de vitória,
outros de forma mais comedida. Poucos anos antes, o objetivo do FC
Porto era passar uma eliminatória numa competição europeia. Agora, tínhamos
vencido o Bayern
Munique e éramos campeões europeus”, rematou Pinto
da Costa.
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