terça-feira, 20 de maio de 2025

Dos 9-0 em Vila do Conde à valsa de Viena. Recorde a caminhada do FC Porto rumo ao primeiro título europeu

FC Porto sagrou-se campeão europeu pela primeira vez em 1986-87
A caminhada do FC Porto rumo ao primeiro título europeu, em 1986-87, coincidiu com um período em que as condições de trabalho não eram as melhores. Tudo porque, por essa altura, o Estádio das Antas sofreu obras de rebaixamento que serviram para aumentar a sua capacidade em 20 mil lugares.
 
Devido a esse condicionamento, os dragões disputaram o jogo da primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus, diante dos malteses do Rabat Ajax, no Estádio dos Arcos, propriedade do Rio Ave. Nada que incomodasse os homens orientados por Artur Jorge, que golearam por 9-0 em Vila do Conde na primeira-mão, a 17 de setembro de 1986. Fernando Gomes foi autor de um póquer (20, 49, 68 e 83 minutos), André bisou da marca do penálti (59’ e 65’) e Elói (25’), Madjer (54’) e Celso (80’) também faturaram.
 
 
Duas semanas depois, em La Valletta, os azuis e brancos ganharam por 1-0, graças a um golo solitário de António Sousa aos 80 minutos.
 
 
Na segunda eliminatória o FC Porto começou a jogar fora de casa, no terreno dos checoslovacos do Vítkovice. Um osso duro de roer para os dragões, que perderam em Ostrava por 1-0, devido a um golo de Jirí Sourek na conversão de um penálti aos 23 minutos.
 
 
Na segunda-mão, num Estádio das Antas remodelado, os portistas deram a volta ao texto, vencendo por 3-0. André abriu o ativo aos cinco minutos, Celso deu vantagem na eliminatória aos 25’ e Paulo Futre sentenciou o resultado aos 82’.
 
 
Seguiram-se os dinamarqueses do Brondby nos quartos de final, já em março de 1987. No primeiro jogo, nas Antas, Rabah Madjer (aos 71 minutos) foi o único a conseguir bater Peter Schmeichel, dando ao FC Porto uma vitória por 1-0.
 
 
Duas semanas depois, em Esbjerg, um jogo crucial para a caminhada portista, que fez Pinto da Costa acreditar mais do que nunca no título europeu. “Houve um momento decisivo em que acreditei que iríamos ser campeões europeus, e esse momento foi quando passámos a eliminatória contra o Brondby. À chegada à Dinamarca, o ambiente no grupo estava tenso. Antes da partida, tínhamos perdido em Portimão, num jogo para o campeonato. O nosso guarda-redes habitual, o Jozef Mlynarczyk, não tinha jogado, por ainda estar a recuperar de uma lesão, e o lugar dele entre os postes fora assumido pelo saudoso Zé Beto, que não tinha estado bem no jogo. À noite, no hotel, na véspera do jogo com o Brondby, eu e o Artur Jorge reunimos a equipa e eu dirigi-me ao grupo: ‘Amanhã vamos disputar a final da Taça dos Campeões Europeus. A final não é em Viena, no dia 27 de maio. A final é amanhã. Porque, se nós ganharmos amanhã e passarmos a eliminatória, vamos ser campeões europeus.’ Eu acreditava nisso, e eles acreditaram nisso também”, contou o antigo presidente do clube no livro A Chama do Nosso Dragão (2021).
 
Num encontro difícil, Per Steffensen adiantou os nórdicos aos 36 minutos, mas Juary empatou a partida e deu o apuramento para as meias-finais aos dragões com um golo aos 74’. Um “jogo que não foi isento de percalços, porque Casagrande fraturou uma perna”, recordou Pinto da Costa. “O Jozef Mlynarczyk jogou e fez uma grande exibição, o Juary marcou um golo e todos os jogadores meteram na cabeça que iríamos ser campeões europeus”, lembrou o histórico líder portista.
 
 
 
Faltava então conhecer o último obstáculo até à final de Viena. “Lembro-me de estar no sorteio nas meias-finais, num jantar em que participaram os dirigentes dos quatro clubes, e que eram, além de mim, os presidentes do Bayern Munique, do Real Madrid e do Dínamo de Kiev. Os presidentes do Bayern e do Real Madrid não queriam jogar contra o Dínamo e preferiam o FC Porto, por acharem que seríamos um adversário mais fácil de bater. Na altura, eu disse-lhes que não me interessava o adversário. Interessava-me era saber quem é que ia ganhar a outra meia-final, para conhecer quem seria o meu adversário na final. Quando o sorteio ditou um Dínamo de Kiev – FC Porto e um Real MadridBayern Munique nas meias-finais, eu desafiei o presidente do Bayern, que era meu amigo: ‘Vê lá se apareces na final, porque eu não vou faltar.’ O presidente do Real Madrid, que assistia a tudo, também interveio: ‘Não, não, se estiveres na final vai ser comigo.’ E eu, meio a brincar, meio a sério, sentenciei: ‘Vocês entendam-se, porque eu vou estar na final.’”, recordou Pinto da Costa.
 
Mesmo tendo pela frente um Dínamo Kiev que “era na altura a melhor equipa da Europa”, segundo o presidente portista, o FC Porto conseguiu vencer os dois jogos, “com duas exibições fantásticas”.
 
Na primeira-mão, os dragões venceram por 2-1 nas Antas, com golos de Futre aos 49 minutos e de André, de penálti, aos 67’, antes de Pavlo Yakovenko reduzir para os soviéticos, então comandados por Valeriy Lobanovskyi, aos 73’.
 
 
Duas semanas depois, a 22 de abril de 1987, em Kiev, os azuis e brancos resolveram o assunto logo nos minutos iniciais: Celso abriu o ativo aos três minutos e Fernando Gomes fez o segundo golo aos 10’. Oleksiy Mykhaylychenko reduziu para os ucranianos logo a seguir, aos 11’, mas o apuramento portista para a final de Viena nunca esteve em causa.
 
 
O apuramento foi especialmente festejado por Paulo Futre, uma vez que Pinto da Costa havia falado com o ministro da Defesa para adiar a entrada do extremo montijense na tropa para o turno de setembro, de forma a estar presente na final (marcada para 27 de maio) caso os azuis e brancos lá chegassem. E o governante aceitou.
“Era o único jogador em campo que não pensava apenas na final de Viena. A minha grande preocupação era livrar-me de ir para a tropa na semana seguinte. Cada minuto da segunda parte parecia uma hora. Nunca mais acabava. Nunca mais vinha o momento em que eu podia dizer ao exército para esperar por mim mais alguns meses. Até que chegou o apito final. O jogo terminou com o mesmo resultado que se verificava ao intervalo e o FC Porto estava na final. Foi um prazer que ainda não tinha sentido durante toda a minha carreira. Os meus colegas diziam: ‘Estamos na final’, ao que eu respondia: ‘E eu não vou à tropa’, no meio de lágrimas de alegria e alívio”, contou Futre no livro El Portugués.
 
 
Seguiu-se o Bayern no jogo decisivo, com Pinto da Costa sempre muito confiante: “No avião que nos transportava para Viena, o meu coração batia com força. Eu sentia, mas sentia mesmo, que íamos ganhar. E disse-o ao Artur Jorge, não para lhe incutir força ou despertar o moral, mas porque acreditava mesmo. A minha confiança baseava-se na qualidade da equipa. O guarda-redes transmitia à equipa uma grande segurança. É verdade que o Fernando Gomes, o nosso goleador, estava impedido de jogar por causa de uma lesão. Mas tínhamos o Madjer, o Futre, o Juary… ‘O presidente está com uma fé…’, respondeu-me o Artur Jorge. ‘Não é fé: tenho a certeza de que vamos ganhar.’ ‘Também espero que sim’, respondeu ele. ‘Eu não espero: eu sei que vamos ganhar.’”
 
“De qualquer modo, partimos para aquela final com um espírito completamente diferente com que tínhamos ido a Basileia, em todos os sentidos. Tínhamos aprendido com os erros do passado. Em 1984, tinha sido a desconcentração total, com jogadores a darem entrevistas e autógrafos, a tirarem fotografias com os adeptos à porta do hotel, a negociarem contratos de patrocínios. Em Viena, isolámo-nos da imprensa e dos adeptos. Instalámo-nos num hotel lindíssimo, todo decorado com palmeiras e outras plantas de interior, mas ninguém de fora teve acesso à equipa. A concentração era total”, prosseguiu, acerca da final, disputada a 27 de maio.
 
“Entrámos no relvado do Prater cientes de que, se quiséssemos, sairíamos dali campeões europeus. A primeira parte não correu muito bem”, recordou Pinto da Costa, sobre um período no qual o Bayern se colocou em vantagem, por intermédio de Ludwig Kogl, aos 24 minutos.
 
“Mas, ao intervalo, o grupo reforçou a sua confiança. ‘Nós vamos ganhar!’, repeti ao treinador e à equipa. E o Artur Jorge, então, dirigiu-se aos jogadores com um discurso de vitória que foi das intervenções mais galvanizantes a que assisti na minha vida. ‘Temos quarenta e cinco minutos para ficar na história. Não há amanhã: é hoje, é agora!’ No final, os jogadores soltaram um grito de vitória. Se dúvidas restassem dentro de mim, ter-se-iam diluído naquele momento”, continuou o histórico líder dos azuis e brancos.
 
“Quando a equipa regressou ao relvado, ia convencida de que conseguiria dar a volta ao resultado. E deu, primeiro com um soberbo golo de calcanhar do Madjer [77 minutos], provavelmente o mais belo da nossa história, depois com um golo do Juary [79’]. Deu a volta e ganhou. Quando o árbitro apitou para o final do encontro, toda a alegria do mundo cabia dentro das quatro linhas do Prater. Quem seria o mais feliz? O João Pinto, a correr pelo estádio agarrado ao troféu? Os adeptos, saltando nas bancadas ou rejubilando com a vitória da sua equipa frente ao televisor? Acho que cada um de nós na equipa e cada portista viveu aquele momento de uma forma pessoa e intensa, uns mais exuberantes, aos saltos e aos gritos de vitória, outros de forma mais comedida. Poucos anos antes, o objetivo do FC Porto era passar uma eliminatória numa competição europeia. Agora, tínhamos vencido o Bayern Munique e éramos campeões europeus”, rematou Pinto da Costa.
 
 


 
  
 



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