segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O “pé de chumbo” que não se estreou no Sporting mas fez 53 jogos pelo Benfica. Quem se lembra de Andrade?

Andrade esteve vinculado ao Benfica entre 1998 e 2003
Dizer que um jogador é esforçado soa mais a critica do que a elogio, mas no caso de Luís Filipe Andrade de Oliveira, mais conhecido por Andrade, não há volta a dar. Era forte na marcação, raçudo, agressivo e polivalente, mas também muito limitado tecnicamente.
 
Começou a jogar futebol nas escolinhas do Domingos Sávio, um clube da freguesia de Campo de Ourique, e de lá deu o salto para o Sporting em 1985. Um dos seus primeiros treinadores em Alvalade, a antiga glória leonina Osvaldo Silva, batizou-o de imediato: “Olha, ficas Andrade. Ficas conhecido por Andrade. Andrade não, pé de chumbo.”
 
“Pé de chumbo porque eu era agressivo, mas a nível de técnica, tinha muita dificuldade. Aprendi muito com o Sporting e outros clubes, mas principalmente na formação do Sporting evoluí muito na técnica. Mas era muito agressivo”, revelou à Tribuna Expresso em março de 2018.
 
Apesar das dezenas de internacionalizações que contabilizava pelas seleções jovens, a transição para o futebol sénior não foi fácil, tendo sido imediatamente emprestado ao Estoril, então orientado por Fernando Santos, que mais tarde se tornaria seu padrinho de casamento.
 
Acabaria por ficar três anos no emblema da Linha de Cascais, tendo sido protagonista de uma história cor de rosa que transbordou para os relvados: começou a namorar com a ex-mulher de Jorge Cadete, Rita Vilas Boas, e dentro de campo teve jogos em que se viu obrigado a fazer marcação apertada ao então avançado do Sporting. “Muitas pessoas acham que eu tive culpa no divórcio. Ela já estava separada dele e tinha uma filha com ele. (…) Imagine o que aconteceu, capas de revista e isto e aquilo, e divórcio do Cadete, Andrade, Cadete, porque o Jorge jogava no Sporting e eu era emprestado pelo Sporting, chegámos a ter confrontos, joguei contra o Sporting nessa altura. (…) Era um jogo de marcação homem a homem e ele calhou-me, portanto houve picardia, houve ali uns pequenos toques, toda a gente se apercebeu e, claro, no dia seguinte no jornal comentava-se”, recordou.
 
Apesar de ter sido chamado para alguns jogos particulares do Sporting por Carlos Queiroz, não encontrou espaço em Alvalade e pediu para ser emprestado ao Estrela da Amadora de Fernando Santos em 1995-96. Depois de uma “época excelente”, foi convocado por Nelo Vingada para representar a seleção olímpica nos Jogos de Atlanta, ajudando Portugal a chegar às meias-finais.
 
Após os Jogos Olímpicos foi chamado de volta ao Sporting, numa altura em que o treinador era o belga Robert Waseige, mas perdeu tempo e espaço por ter falhado a pré-época devido à presença em Atlanta, chegou a dezembro sem um único minuto de jogo e acabou por encontrar uma solução na zona ocidental da cidade de Lisboa: “Vieram falar comigo e disseram-me que o Vitor Manuel, treinador do Belenenses, estava interessado em mim. Nem pensei duas vezes. Está interessado? Vou já embora amanhã. E assim foi. Fui representar o Belenenses ainda em dezembro.”
 
 
No Restelo fez uma boa época e meia, dando nas vistas pela qualidade que tinha a anular adversários. “O FC Porto estava muito forte, tinha o Jardel, e há um Belenenses-FC Porto [a 31 e janeiro de 1998] em que eu marco o Jardel. Nós ganhámos 1-0. Foi um jogo muito difícil, muito falado, porque eu agarrava muito o Jardel e ele não fez golo. Era um jogador que estava habituado a fazer golos em todos os jogos. Nesse próprio dia recebo um telefonema de um dos responsáveis do Benfica, que foi falar com o meu empresário, na altura era o Paulo Barbosa”, contou.
 
 
Numa altura em que havia relatos na imprensa de que já teria assinado contrato com as águias, Andrade enfrentou o Benfica em pleno Estádio da Luz, a 5 de abril de 1998, e deu boa conta do recado na marcação a João Vieira Pinto: “Era sempre o meu carrasco quando jogava contra o Benfica, era sempre o jogador que eu marcava individualmente, e o Manuel Cajuda substituiu-me. Só depois percebi o porquê. Substituiu-me para eu ser aplaudido. E não é que o Estádio da Luz me aplaudiu, sendo jogador do Belenenses?”
 
Andrade ingressou no Benfica com Graeme Souness como treinador e Vale e Azevedo como presidente – e a partir de janeiro de 1999 teve como companheiro de equipa… Jorge Cadete –, e logo na estreia, em pleno dia de aniversário, fez dupla com Ronaldo no eixo defensivo numa receção ao PSV, para a Liga dos Campeões, e recebeu nota positiva: “Fiz um excelente jogo, marquei um grande jogador, Van Nistelrooy.”
 
 
Polivalente, foi jogando em várias posições: lateral direito, defesa central e médio defensivo. Porém, o papel que tinha em campo não mudava muito, o que levava a que muitos o chamassem de sarrafeiro: “Muitos treinadores pediam-me para anular o jogador mais criativo, que mais desequilibrava. Sempre consegui levar a água ao moinho. (…) Eu tinha pouca técnica. A minha mais-valia era ser raçudo e manter a concentração. Eu vivia muito o jogo. Às vezes passava a bola, mas eles já não passavam. (…) O truque é distrair o adversário. Enquanto o adversário estava a chamar-me nomes, a ameaçar-me, a dizer ‘não vales, isto e aquilo’, não estava concentrado no jogo. São pequenos pormenores que fazem a diferença, ter o adversário sempre preocupado comigo e não com a bola.”
 
 
Com o passar dos anos foi começando a sentir que também estava a ser marcado, mas pelos… árbitros, que se foram tornando menos benevolentes. Quem também não apreciava muito o futebol de Andrade era Jupp Heynckes. Ainda o manteve um ano no plantel e deu-lhe a titularidade na célebre goleada aos pés do Celta em Vigo (7-0), mas dispensou-o no verão de 2000. “Disse só que o plantel estava preenchido. Nós podemos não concordar, mas temos de respeitar. E fiz-me à vida. Houve interesse do Sp. Braga, do Manuel Cajuda, e fui para lá, fiz uma grande época. Foi uma das minhas melhores épocas”, contou o antigo jogador, que nessa temporada ajudou os bracarenses a concluir o campeonato em quarto lugar, à frente do… Benfica.
 
 
No início da temporada 2001-02 regressou ao Benfica, com Toni, mas no espaço de duas épocas, nas quais também teve Jesualdo Ferreira e Camacho como treinadores, não foi além de um total de 21 jogos.
 
Seguiu-se a primeira aventura no estrangeiro, ao serviço do Tenerife, em 2003-04: “Eu tinha mais dois anos de contrato com o Benfica. E o mister Camacho disse-me que eu iria ter menos possibilidades de jogar, não ia ser um jogador regular, ia ter poucas oportunidades, porque ele foi buscar jogadores para a minha posição. E eu pensei, por muito que goste do Benfica, há uma coisa de que gosto mais, que é jogar. E como gosto de jogar o melhor que tinha a fazer era procurar outra oportunidade. Eles próprios aconselharam-me a sair de Portugal para ter uma experiência nova. Cheguei a acordo com o Benfica e fui à procura de outro sonho.”
 
“Representei o Benfica com muito orgulho e até hoje tenho uma admiração muito grande pelo clube. Não só enquanto o representei, mas pelo tratamento que me deram enquanto homem, enquanto jogador, enquanto ser humano, e hoje tenho orgulho em dizer que vou ao Estádio da Luz de cabeça levantada, sabendo que dei tudo o que tinha para dar”, acrescentou o antigo futebolista, que atuou por 53 vezes com a camisola encarnada.
 
Em dezembro de 2004, depois de meio ano a treinar no Estoril, assinou pela Académica, mas só efetuou onze partidas pelos estudantes ao longo de época e meia, muito por culpa de uma grave lesão num joelho, por falta de cartilagem, e de uma cirurgia que não correu bem.
 
Viria ainda a representar os cipriotas do AEP e Pinhalnovense, Olivais e Moscavide, Odivelas e Loures nas divisões secundárias do futebol português antes de pendurar as botas em 2013, à beira do 40.º aniversário.
 
Depois tornou-se treinador, tendo chegado a orientar as equipas femininas de Benfica e Flamengo. Atualmente comanda a equipa feminina do Al-Qadisiyah, da Arábia Saudita. 



 




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