terça-feira, 27 de junho de 2023

Ivo Cruz: “Há quem diga que o Botafogo vai de trotinete e outros clubes de avião”

Ivo Cruz vai estear-se na I Distrital ao comando do Botafogo
Aceita que o Botafogo de Cabanas seja candidato à despromoção, mas acredita que esse rótulo servirá de fator motivacional e promete resposta dentro de campo. Jogará em casa no campo mais pequeno do distrito, no limite das dimensões reduzidas, mas promete um futebol atrativo e não de chutão.
 
Em entrevista, Ivo Cruz abre o jogo sobre as expetativas para a primeira aventura ao comando de uma equipa sénior, fala sobre a partilha de ideias como o irmão que é campeão distrital, recorda a passagem pelas camadas jovens do Vitória de Setúbal e confessa doer-lhe o coração por ver os sadinos na quarta divisão.
 
DAVID PEREIRA - O Ivo Cruz está prestes a estrear-se no comando técnico de uma equipa sénior, o Botafogo Cabanas, e logo na I Distrital da AF Setúbal. O que o levou a aceitar o convite, o que lhe pediram e quais são as suas expetativas para esta aventura?
IVO CRUZ – As expetativas são boas, sobretudo atingir os objetivos do clube. O convite não tem a ver só com os seniores, mas sim com toda uma envolvência, porque eu também serei coordenador da formação do clube. A ideia passa por tornar o clube mais organizado, com melhores condições, que consiga estabilidade o mais rápido possível na I Distrital e que consiga ser sustentável entre portas. Passa por aí todo este desafio. Depois de ter estado vários anos na formação, se calhar este contexto de futebol sénior é mais propício à minha imagem e às minhas características e faz parte dos meus objetivos como treinador passar por todas as etapas e adquirir esse conhecimento.
 
O Botafogo assegurou a permanência na última jornada, na época anterior acabou por beneficiar da não inscrição do Cova da Piedade B para subir à I Distrital e é um dos clubes como menos tradição no patamar maior do futebol do distrito, o que faz do emblema de Cabanas um dos principais candidatos à despromoção. Aceita esse rótulo?
Aceito, sem problemas nenhuns. Para mim são só mais-valias para nos dar mais forças. Há quem diga que nós vamos de trotinete e outros clubes vão de avião, mas dentro das quatro linhas é que se vai ver quem é que anda de trotinete e quem anda de avião.
 
Então acredita que vai ajudar a retirar alguma pressão e que não será um peso?
Sim. Todos partem com zero pontos e antes do apito inicial está sempre 0-0, independentemente das equipas que estamos a defrontar e da história que cada uma tem por trás. Não vejo isso como um fator negativo, mas sim como um fator motivacional.
 
O Botafogo tem a particularidade de jogar em casa no campo com relvado sintético e as dimensões mais reduzidas do distrito, 90x46, com apenas mais um metro de largura em relação às dimensões mínimas exigidas. Curiosamente, na época anterior o Ivo Cruz orientava os juniores dos “Os Amarelos”, que também jogam em casa num campo com uma área muito pequena (93x52). Crê que foi algo que os dirigentes do Botafogo tiveram em conta?
Penso que não foi esse fator, mas os outros todos fatores que eles andaram a “investigar” até me endereçarem o convite. Acredito que esse fator tenha ajudado, mas todos os outros também foram importantes. Acredito que nem 50% tenha sido por isso, é apenas um fator curioso.
 

“Futebol atrativo não é de chutão. Quero mudar essa imagem do Botafogo”

Ivo Cruz treinou juniores de "Os Amarelos" na época passada
Que modelo de jogo é possível implementar num campo com 90x46 metros? Que plano tem em mente para tornar essas dimensões reduzidas numa vantagem para o Botafogo?
Acima de tudo um futebol atrativo. E um futebol atrativo não é um futebol de chutão. Essa é uma das primeiras imagens que eu quero mudar no Botafogo. Um campo de futebol 11 é equivalente a quatro campos de futsal. Se num campo de futsal dez jogadores conseguem aplicar um modelo de pé para pé e com desmarcações, porque é que 22 não irão conseguir fazê-lo num campo de futebol 11, independentemente de ser pequeno ou largo? Há possibilidade. É óbvio que é um campo mais propício a bolas paradas, mas isso não é tudo.
 
Olhando para outros campos do distrito, o extremo oposto é o Estádio Municipal de Sines, onde o Vasco da Gama joga em casa, com mais 15 metros de comprimento e 24 de largura (105x70), o que no total significa mais 3210 metros quadrados, mas há outros campos de grandes dimensões, como o de Olímpico Montijo (104x68), Alcochetense (105x68), Moitense (105x66) e O Grandolense (105x65). Crê que a equipa poderá ser muito a diferença ou, por outro lado, tornar-se-á mais compacta?
A equipa terá de estar preparada para se adaptar a esses dois contextos. No entanto, o tamanho do corredor central (tamanho das áreas e das balizas) é todo o mesmo, só muda é as laterais. Um bloco coeso e compacto é suficiente para se adaptar aos dois tipos de campos.
 
Como está a decorrer a construção do plantel? Ainda não foram anunciadas contratações…
Posso informar que 75% do plantel é novo, não por culpa do clube, mas por os jogadores terem recebido convites para sair. Só cerca de 25% do plantel do ano passado é que vai continuar, estou a ter muito trabalho por fora a tentar assegurar contratações.
 
O perfil dos jogadores que tentam contratar é condicionado pelas características do vosso campo?
Claro que sim, até porque eu disse que tenho a perfeita noção que é um campo mais propício para as bolas paradas do que campos mais largos e mais compridos. Certas características de certos atletas estão mais direcionadas para esse fator das bolas paradas.
 

Vai pedir vídeos de jogos e análises de adversários ao irmão campeão

Ivo e Gonçalo jogaram juntos no Comércio e Indústria
O Ivo é irmão mais velho do Gonçalo Cruz, treinador que recentemente levou o Barreirense ao título distrital e que na época anterior tinha tornado o Águas de Moura na equipa sensação. Vai aconselhar-se com ele sobre a abordagem à forma de jogar de alguns adversários?
A partilha de ideias com o Gonçalo não vem de ontem nem do ano passado, vem da primeira vez em que cada um de nós começou a dar treino, cada um na sua equipa. A partilha de ideias é constante e estamos sempre a procurar coisas novas. Sei perfeitamente que vou recorrer a ele em termos de vídeos de jogos e análises de adversários do ano passado, mas mais do que isso não haverá muito mais dedo.
 
O que é que o Gonçalo lhe disse quando lhe falou do convite do Botafogo? Curiosamente, o Barreirense sentiu sempre dificuldades nos jogos frente ao Botafogo na época passada…
Exatamente. E talvez fosse o adversário que motivou mais partilha de ideias comigo, porque eu também usava um campo reduzido. Acredito que vou ter um bocado mais de benefício nesse sentido. Ele foi a primeira pessoa a quem contei do convite. Como ele também já tinha dado o salto de escalões, disse-me para aceitar com unhas e dentes. Eu já estava inclinado para tal e foi mais uma força.
 
O Ivo vem de um contexto de futebol de formação. Quais são as principais diferenças entre treinar na formação e treinar seniores?
Acima de tudo os egos. Alguns jogadores já estiveram noutros balneários e noutras divisões, outros estão a dar os primeiros passos a nível sénior. A formação é muito diferente no contexto no treino e na parte em que temos de formar. Nos seniores já não temos de dizer a um jogador para rececionar desta ou daquela forma, vamos mais para a parte técnico-tática. É diferente, mais aliciante, mais motivador e mais próximo do que é a minha cara. Mesmo os feedbacks para dentro de campo durante o jogo têm que ser diferentes, porque um é contexto formativo e educacional e o outro não, é para resultado.
 
O que faz profissionalmente e como concilia essa atividade com o futebol?
Neste momento só dou treinos individuais a atletas de outras faixas etárias. E dou treino de futebol. Sou técnico de desporto e licenciado em Desporto. Fui para o desemprego para me dedicar às funções de treinador e a part-time dos treinos individuais.
 

Vitória no Campeonato de Portugal? Dói o coração”

Ivo Cruz jogou na formação do Vitória entre 1998 e 2007
Olhando para o seu passado, nomeadamente como jogador, salta à vista um longo trajeto na formação no Vitória de Setúbal. Quais as principais memórias que guarda desses tempos?
Foram muitos anos. Há muitas recordações. Não só do Vitória da [União da] Madeira, onde fiz a transição de júnior para sénior. Apanhei duas gerações de treinadores: numa fase inicial as chamadas velhas glórias do Vitória e mais tarde os chamados novos treinadores, já licenciados pela UEFA. Guardo isso e tenho as minhas referências, mas sem dúvida que é um clube que eu nunca esqueço. Jamais. Formou-me enquanto pessoa e enquanto homem.
 
Quando esteve na formação do Vitória a equipa principal venceu uma Taça de Portugal, chegou a outra final e somou três presenças europeias. Como vê a situação atual do clube, mergulhado agora na quarta divisão?
Dói o coração. Tínhamos as nossas referências quando éramos pequeninos: Meyong, Chipenda, Mamede… Vou dar este exemplo que é muito simples: o meu irmão está no Barreirense, que subiu ao Campeonato de Portugal e vai defrontar o Vitória. A imagem que tenho do Vitória é ir à Taça UEFA e defrontar AS Roma e Sampdoria. É essa a imagem que tenho do Vitória, não é no Campeonato de Portugal.
  








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