segunda-feira, 26 de junho de 2023

Topê: “Alcochetense foi reconhecido como a equipa que melhor jogava no campeonato”

Topê guiou o Alcochetense à conquista da Taça AF Setúbal
Culminou a “boa época” com a conquista da Taça AF Setúbal, depois do quarto lugar que era “possível” no campeonato e do reconhecimento por parte dos adversários da qualidade e da atratividade do futebol apresentado pelo Alcochetense.
 
Em entrevista, o treinador Topê recorda a caminhada na Taça, revela como está a correr a construção do plantel e quais são as expectativas para a nova época, que terá como novidade a participação na Taça de Portugal, e confessa a desilusão pela forma como saiu do Alverca, um clube no qual passou quase 20 anos.
 
 
DAVID PEREIRA - O Alcochetense conquistou a Taça AF Setúbal, competição que já tinha vencido em 2014-15, e alcançou o quarto lugar no campeonato, depois de uma época pouco conseguida. Que balanço é que faz da temporada que agora terminou? Foi um desfecho acima das expetativas?
TOPÊ – Sempre quisemos estar o mais à frente possível. Acabámos no lugar que nos foi possível, temos de reconhecer que as outras três equipas estavam mais fortes, apesar de termos perdido alguns pontos em alguns jogos que achámos que foram mal perdidos, por pormenores, ou nossa infelicidade. Mas certamente que as equipas que ficaram mais acima também se devem queixar e as que ficaram mais abaixo também. A vitória na Taça foi o culminar de uma boa época. Estou a falar dos resultados, mas há outra coisa importante: fomos reconhecidos pelos adversários como a equipa que melhor jogava no campeonato. Além do quarto lugar e da conquista da Taça, considero que a equipa jogava muito bem e praticava um futebol muito atrativo e ofensivo, com a bola no pé. Acabou por ser uma boa época. Estamos orgulhosos daquilo que fizemos.
 
Indo ao encontro do que referiu, recentemente entrevistei o Pedro Andrade, guarda-redes da União Banheirense, que apontou o Alcochetense como uma das equipas que mais lhe enchia o olho pela forma de jogar. No que consistem os princípios de jogo da sua equipa?
Dividimos muito o processo ofensivo e o processo defensivo. O que tentamos fazer, sobretudo na primeira fase de construção, é ter a bola no pé, jogar apoiado, sobretudo na primeira fase ofensiva, chegar à frente com o maior número de jogadores, tentar criar superioridades numéricas no meio-campo adversário e atacar a profundidade, sendo verticais já na segunda fase. Isso nem sempre é fácil. O que a equipa joga ao domingo tem muito a ver com o trabalho diário desde o início da época. E ainda temos as variáveis de a bola entrar ou não entrar. Tentamos criar um processo em que sejamos ofensivos, tenhamos superioridades numéricas e a manutenção da posse de bola. Mas do outro lado está um adversário que nos contraria e temos de criar outras opções na forma de ferir o adversário. É um processo muito giro e que me dá um gozo tremendo.

 
Na época que agora terminou o Alcochetense foi uma das três equipas que jogavam em casa num relvado natural, a par de Vasco da Gama de Sines e Sesimbra. Tendo em conta que a bola salta de forma diferente num relvado sintético e que o estado dos relvados naturais tem de ser gerido com pinças durante o inverno, jogar em casa num relvado natural num campeonato em que quase todos jogam em sintético é uma vantagem ou uma desvantagem?
Há a vantagem de 15 adversários que não têm relvado natural vêm jogar ao nosso campo, que tem uma forma de pisar e de correr, e há a desvantagem de termos de ir aos campos desses adversários. Além das particularidades de a bola saltar, rececionar e conduzir de forma diferente, há alguns sintéticos de dimensões reduzidas. Ou seja, programamos uma época com um processo de jogo e depois chegamos a um campo muito reduzido em que o processo não existe e temos que apelar à organização defensiva, porque um jogo nunca está controlado. Para nós é tentar ver o copo meio cheio. Temos vantagem em 15 jogos e desvantagem noutros 15, mas temos de fazer dessa desvantagem uma força.
 
Vocês treinam sempre no relvado natural, mesmo no inverno?
Por vezes, no inverno, tivemos de recorrer algumas vezes ao sintético porque a relva não estava em condições para se treinar, mas fizemos quase todo o ano no relvado natural.
 

“Taça? Jogo da Moita deu-nos a luz que estávamos a precisar”

Topê com o presidente Nuno Garrett e o diretor desportivo Luís Francisco
O Topê afirmou que a conquista da Taça AF Setúbal acabou por ser o culminar de uma boa época. Era um objetivo desde o início da época? Ou sentiram que tinham uma oportunidade de ouro quando deixaram de estar em prova Barreirense, Comércio e Indústria e Olímpico do Montijo?
Desde o início da época que tínhamos como objetivo chegar o mais longe possível e se fosse possível vencer a Taça. Nunca foi uma competição que descurássemos ou que utilizássemos para rodar a equipa, como alguns fizeram. Sempre tentámos jogar para ganhar e as coisas foram-nos correndo bem. A determinada altura vimos a cair algumas equipas que considerávamos como candidatas. Quando fomos à Moita [nas meias-finais], achámos que ia ser um jogo muito difícil – o resultado não transparece isso porque tornámos as coisas mais fáceis –, mas sabíamos que passando o Moitense íamos defrontar Charneca de Caparica ou Alfarim em campo neutro. O jogo da Moita foi um jogo esplêndido da minha equipa e que nos deu a luz que estávamos a precisar. Desde o início que pensámos em ganhar, mas o jogo da Moita foi fundamental para o desenlace final.
 
Numa altura em que nem o campeonato nem a taça tinham terminado, o Alcochetense anunciou a renovação do Topê para 2023-24, uma prova de grande confiança do seu trabalho, mas também um sinal da sua lealdade ao clube. O que o levou a renovar tão cedo, não dando muito tempo para a chegada de propostas?
O que me levou a ficar foi a ligação que criámos ao grupo, por me sentir bem no clube e por gostar muito do grupo de trabalho, que teve uma dedicação enorme. Quando chegámos, a equipa lutava para não descer. Houve jogadores que evoluíram de uma forma brutal e tiveram uma regularidade enorme. O convite já tinha sido feito, já tínhamos falado, e eu decidi aceitar por lealdade ao clube e ao grupo e por nos fazerem sentir bem. Quando nos sentimos bem, não faz sentido estarmos à espera de um convite. Nunca discuti valores com alguém. Sou sobretudo leal às pessoas. Na minha cabeça, fazia todo o sentido renovar. Gosto de estar no clube e foi uma decisão muito fácil de tomar.
 
O que podemos esperar do Alcochetense em 2023-24? É possível intrometer-se na luta pela subida de divisão?
Queremos fazer melhor no campeonato. Na Taça fazer melhor é ganhar novamente. Queremos fazer melhor no que é os resultados e no que não são resultados. Queremos voltar a ser considerados pelas outras equipas uma equipa que joga um futebol atrativo. Queremos implementar processos novos com os jogadores, porque possivelmente vão haver algumas mudanças, porque vêm jogadores com características novas. O processo também terá que ser adaptado aos jogadores e à forma como a equipa joga. A nossa motivação é muita.  
 
A próxima época terá como novidade a participação do Alcochetense na Taça de Portugal. Quais são as expectativas da equipa em relação a essa prova?
O que eu gostava era uma utopia: chegar à final da Taça no Jamor, vencê-la e ir às competições europeias. É utópico, mas era o que eu adorava que acontecesse. A minha expectativa é passarmos a primeira eliminatória. Todas as equipas querem ir passando até apanhar um grande. É sempre um dia muito bonito. Tive esses momentos enquanto jogador, ficou-me marcado ir ao Estádio da Luz [pelo Oriental, em 2004-05] ou defrontar o FC Porto [pelo Pêro Pinheiro, em 2011-12]. Quero que os meus jogadores possam desfrutar de um dia desses e que nós entremos em campo com as mesmas ideias, ciente da dificuldade enorme e da diferença de nível, e proporcionar um espetáculo atrativo.
 

“Queremos manter entre 70 a 80% do plantel”

Alcochetense bateu o Alfarim na final da Taça AF Setúbal
O Alcochetense tem sido um dos clubes mais ativos a anunciar renovações de contrato. Como está o ponto da situação em relação ao plantel da próxima época? Quantos jogadores já tem certos e que posições espera reforçar?
O Alcochetense não é um clube de pagar mundos e fundos, não tem investimentos, e o que nós fazemos é manter grande parte do plantel da época passada. Vamos buscar jogadores para preencher posições em que entendemos que precisamos de mais uma opção. Sabemos que não é um clube rico e que quer apenas cumprir com os valores que acordou com as pessoas. Queremos manter a estrutura que nos deu resultados. Como ganhámos a Taça AF Setúbal e vamos à Taça de Portugal se calhar há muitos jogadores que querem vir jogar para o Alcochetense, mas não podemos abdicar dos nossos princípios. Queremos que os novos jogadores se adaptem ao grupo e ao clube, não queremos fazer nenhuma rotura, até porque as coisas correram bem. Queremos manter entre 70 a 80% do plantel. Ainda falta muito até ao início da época. Esperamos que quem venha ajude e que quem fique continue a dar seguimento a esta evolução.
 
Na temporada que agora terminou o Alcochetense reforçou-se com quase uma dezena de jogadores que competiam nos campeonatos da AF Lisboa, que certamente o Topê conhecia bem e que geograficamente estão perto. É uma aposta para continuar?
Provavelmente poderá vir mais alguém de Lisboa, mas há jogadores de qualidade tanto no distrito de Lisboa como no de Setúbal e Santarém. Pela posição geográfica, para nós é por vezes mais fácil ir buscar a Lisboa, que passa a ponte e está a dez minutos de Alcochete, do que ir buscar malta a Sesimbra, Setúbal ou Grândola. Queremos contratar alguém que tenha qualidade, mas por vezes é mais fácil ir falar com alguém que já conhecemos ou mais próximo geograficamente. Queremos que os que cheguem se adaptem a este grupo fantástico. Não é o grupo que tem de se adaptar a quem chega, mas quem chega é que tem de se adaptar a este grupo que está a mostrar que é um grupo vencedor.  
 
O Topê fez parte dos seus percursos como jogador e treinador nos distritais da AF Lisboa. É muito mais competitiva do que a AF Setúbal? Quais são as principais diferenças na dinâmica de cada campeonato?
Enquanto jogador fiz mais anos de campeonato nacional do que de distrital. Como treinador é que tenho passado mais ano de campeonato distrital. Há qualidade tanto nos jogadores como nas equipas técnicas nos dois lados – e também já tive a oportunidade de treinar em Santarém, onde também há qualidade –, há gente muito capaz e nota-se equipas muito bem trabalhadas tanto em Lisboa como em Setúbal, mas a diferença que eu noto é que no início da época há muitos mais candidatos à subida no distrito de Lisboa, as equipas têm um valor muito idêntico. Em Setúbal há sempre dois ou três candidatos à subida e depois há aquelas equipas todas muito idênticas e um ou dois candidatos à descida que se anunciam logo mais cedo pela fragilidade.
 

“Saída do Alverca? Fiquei desiludido. Tenho 20 anos de Alverca

Topê orientou o Alverca entre 2016 e 2019
Para terminar, e olhando um pouco para o seu percurso como treinador, o Topê começou no Alverca, um clube que lhe diz muito, e guiou os ribatejanos ao Campeonato de Portugal, tendo conseguido a permanência nessa divisão em 2018-19. Entretanto foi constituída uma SAD, que escolheu outro treinador. Não ficou com um amargo de boca por não ter tido a oportunidade de comandar os alverquenses numa época de investimento avultado?
Na altura fiquei um pouco desiludido, pelo trabalho que fizemos. Subimos o Alverca aos nacionais, fizemos uma primeira parte de campeonato ainda sem investidor, que só entrou em dezembro. Depois disso fomos das melhores equipas da segunda volta, fizemos um campeonato extraordinário e jogávamos muito bem. As coisas estavam todas acertadas para a minha continuidade, mas depois numa reunião disseram-me que a escolha não iria recair em mim. Tenho 20 anos de Alverca e a forma como as coisas aconteceram acabaram por me desiludir um bocado. Se calhar até nem sou o treinador ideal para algumas SADs, que pretendem que jogue aquele ou outro jogador. Se calhar até foi por isso que não continuei, nunca saberei os verdadeiros motivos. Fiquei desiludido, mas desejo que o Alverca continue a subir muito, porque é um clube do qual eu vou continuar a gostar. Vou continuar a pôr a jogar quem eu entendo, não será nenhum dirigente nem empresário que me irá indicar os jogadores que devem jogar. Será sempre assim enquanto eu cá estiver. Tenho estas ideias e não as vou perder.  O que eu achava que fazia sentido era eu continuar e darem-me a oportunidade de fazer uma grande época ali, eu achava que tinha todas as condições para subir de divisão mais uma vez. Vou continuar a ganhar, seja em Alverca ou noutro clube qualquer. Vou ganhar em Alcochete.
 




 





 

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