“Foi curto, foi bom. Divertimo-nos imenso". Quando Eusébio e Simões se juntaram no União de Tomar
Eusébio (1.ª em cima, à esq.) e Simões (2.º em baixo, à dir.) no União
Foram companheiros de equipa no Benfica
entre 1961 e 1975, nos norte-americanos do Boston Minutemen em 1975 e ainda na
seleção militar, seleção
nacional A e seleção da UEFA. Mas, já muito perto de pendurar as botas, Eusébio
da Silva Ferreira e António
Simões ainda foram a tempo de jogar juntos novamente ao serviço do União
de Tomar na II Divisão Nacional em 1977-78.
“Foi curto, foi bom.
Divertimo-nos imenso em Tomar. Não subimos à I
Divisão, é verdade, só ficámos em quarto lugar, mas a experiência foi de
valor acrescentado por tudo e mais alguma coisa, desde o carinho de todos os
adeptos, seja em Tomar ou nos jogos fora, até ao profissionalismo dos
envolvidos num clube da II Divisão – Zona Centro”, começou por contar António
Simões no livro autobiográfico António Simões – As Minhas Memórias
(2024), de Rui Miguel Tovar. O antigo
extremo esquerdo recorda que, “coincidência ou não”, acabou a carreira em
Portugal num estádio chamado 25 de Abril. “Que honra, que privilégio”, afirmou,
sobre o palco dos jogos em casa do União
de Tomar. Dessa época, Simões
recorda o último jogo, uma derrota em casa com o Sp.
Covilhã (0-2), a 28 de maio de 1978; e a estreia, um triunfo sobre o Sintrense
(2-0), a 20 de novembro do ano anterior, tendo estado envolvido nos dois golos.
Também lembra, com nostalgia, um 0-0 em Viseu “no belíssimo parque de jogos do
Fontelo”; e quando, devido a um boicote dos árbitros, se teve de ligar o
altifalante do estádio para se pedir “a alguém da bancada com conhecimentos do
jogo para assumir a empreitada” num encontro com o Estrela de Portalegre. “Foram muitas as peripécias. Mais
ainda com Eusébio
metido no onze, a partir de dezembro. A sua contratação foi um exercício
engraçado e inesperado. Ele, tal como eu, estava de férias nos EUA e precisava,
como eu, de rodagem. Já não bastavam os treinos individuais ou com a equipa do Benfica,
na Luz.
Era preciso mais, era preciso jogo, competição. Então, o presidente do União
de Tomar, um fervoroso benfiquista chamado Fernando Mendes, lembrou-se de me
falar do Eusébio.
Estendi-lhe a passadeira vermelha e negociámos o contrato em Lisboa, na casa do
advogado Paiva das Neves, dirigente do Benfica
nas direções de três presidentes, Adolfo Vieira de Brito, Borges Coutinho e
Fernando Martins”, contou o magriço.
“A única exigência do Eusébio
foi sobre o pagamento, tinha de ser através de cheques do próprio presidente.
Fernando Mendes assinou por baixo e lá começámos juntos a aventura. (…) O nosso
treinador era um homem chamado Vieirinha, que tinha feito uma carreira como
defesa central no Estoril,
depois Benfica
e Lusitano
de Évora. Como treinador, tinha sido adjunto de José
Maria Pedroto no FC
Porto [1966-67], tinha sido treinador principal do FC
Porto [1969] e agora estava ali, por obra e graça de Fernando Mendes. A
adesão popular a propósito do Eusébio
foi inacreditável. Ainda chamava muita gente e era incrível o seu íman. O
estádio do União
enchia-se, os outros também. Só para o poderem ver. Às vezes, só uma parte. Lembro-me
perfeitamente da sua estreia com o Beira-Mar,
no 25 de Abril. Houve marcação individual, dura e ele teve de ser substituído
com dores. A seguir aos jogos, a tática era sempre a mesma: o Eusébio
e eu entrávamos no carro e voltávamos para os nossos lares, em Lisboa. Durante
a semana, continuávamos em Lisboa, a fazer os exercícios físicos da moda, e só
treinávamos com a equipa na quinta ou sexta-feira. Escusado será dizer que as
viagens eram um mimo. Falámos de tudo, recuávamos no tempo para relembrar
jogadas gloriosas e avançávamos uns dias para estudar lances de entendimento,
sobretudo de bola parada”, prosseguiu Simões.
Nessa altura, os dois veteranos
jogavam no meio-campo e deixavam “as cavalgadas pelo campo fora para outros artistas”.
“Por isso, cada livre tinha de ser devidamente aproveitado para rentabilizar o
pontapé do Eusébio.
E que pontapé. Ainda, e sempre. Aliás, o último jogo em Portugal com golos do Eusébio
foi num dia memorável, porque deitei-me as cinco e tal da manhã. Como já estava
a fazer carreira política na Assembleia da República como independente pelo
CDS, vim a correr desde Lisboa para chegar a tempo do jogo com o Cartaxo. O
estádio estava cheio outra vez [12 de fevereiro de 1978], e só consegui jogar a
primeira parte. Saí esgotado, havia 1-0. Acabou 2-0, com dois golos de Eusébio,
ambos de livre direto. Do segundo, nem tenho memórias; do primeiro, está bem
presente. E é só mais uma prova do seu inegável valor intemporal, desde os
tempos do Benfica”,
recordou. No livro de memórias, Simões
contou ainda como tomava as decisões com Eusébio
antes de cada livre, nomeadamente nesse que abriu o ativo diante do Cartaxo: “A
bola parada, eu encostado a ela e o Eusébio
a estudar a barreira. Vezes sem conta, ele ou dizia-me para dar um toque, e
assim desguarnecer a barreira para lhe garantir um buraco na agulha, ou
dizia-me para só simular. Dessa vez, foi a segunda opção. Disse-me: ‘Deixa ver
a bareira [sem um ‘r’, era assim que ele dizia]”, e depois ‘deixa estar, não
toques na bola, vai ser golo’. E foi. Ele era assim. Acreditem ou não, o Eusébio
metia na cabeça que era golo e, logo a seguir, saía a festejar que nem um
menino. Assim aconteceu nessa tarde em que nos mantivemos na luta pela subida.”
Eusébio
acabou por regressar aos Estados Unidos quando ainda faltavam cinco jornadas
para o fim do campeonato “e a esperança pela subida direta era pouco mais que uma
miragem”. Mérito para um Beira-Mar
que “estava francamente melhor, mais à frente da concorrência”. Havia ainda a “ténue
esperança” de chegar ao segundo lugar, de acesso a uma liguilha com os outros
dois segundos classificados, da Zona Norte e da Zona Sul, mas “o brinde saiu ao
Académico
de Viseu”, que acabou por subir à I
Divisão.
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