sexta-feira, 16 de maio de 2025

“Foi curto, foi bom. Divertimo-nos imenso". Quando Eusébio e Simões se juntaram no União de Tomar

Eusébio (1.ª em cima, à esq.) e Simões (2.º em baixo, à dir.) no União
Foram companheiros de equipa no Benfica entre 1961 e 1975, nos norte-americanos do Boston Minutemen em 1975 e ainda na seleção militar, seleção nacional A e seleção da UEFA. Mas, já muito perto de pendurar as botas, Eusébio da Silva Ferreira e António Simões ainda foram a tempo de jogar juntos novamente ao serviço do União de Tomar na II Divisão Nacional em 1977-78.
 
“Foi curto, foi bom. Divertimo-nos imenso em Tomar. Não subimos à I Divisão, é verdade, só ficámos em quarto lugar, mas a experiência foi de valor acrescentado por tudo e mais alguma coisa, desde o carinho de todos os adeptos, seja em Tomar ou nos jogos fora, até ao profissionalismo dos envolvidos num clube da II Divisão – Zona Centro”, começou por contar António Simões no livro autobiográfico António Simões – As Minhas Memórias (2024), de Rui Miguel Tovar.
 
O antigo extremo esquerdo recorda que, “coincidência ou não”, acabou a carreira em Portugal num estádio chamado 25 de Abril. “Que honra, que privilégio”, afirmou, sobre o palco dos jogos em casa do União de Tomar.
 
Dessa época, Simões recorda o último jogo, uma derrota em casa com o Sp. Covilhã (0-2), a 28 de maio de 1978; e a estreia, um triunfo sobre o Sintrense (2-0), a 20 de novembro do ano anterior, tendo estado envolvido nos dois golos. Também lembra, com nostalgia, um 0-0 em Viseu “no belíssimo parque de jogos do Fontelo”; e quando, devido a um boicote dos árbitros, se teve de ligar o altifalante do estádio para se pedir “a alguém da bancada com conhecimentos do jogo para assumir a empreitada” num encontro com o Estrela de Portalegre.
 
“Foram muitas as peripécias. Mais ainda com Eusébio metido no onze, a partir de dezembro. A sua contratação foi um exercício engraçado e inesperado. Ele, tal como eu, estava de férias nos EUA e precisava, como eu, de rodagem. Já não bastavam os treinos individuais ou com a equipa do Benfica, na Luz. Era preciso mais, era preciso jogo, competição. Então, o presidente do União de Tomar, um fervoroso benfiquista chamado Fernando Mendes, lembrou-se de me falar do Eusébio. Estendi-lhe a passadeira vermelha e negociámos o contrato em Lisboa, na casa do advogado Paiva das Neves, dirigente do Benfica nas direções de três presidentes, Adolfo Vieira de Brito, Borges Coutinho e Fernando Martins”, contou o magriço.
 
“A única exigência do Eusébio foi sobre o pagamento, tinha de ser através de cheques do próprio presidente. Fernando Mendes assinou por baixo e lá começámos juntos a aventura. (…) O nosso treinador era um homem chamado Vieirinha, que tinha feito uma carreira como defesa central no Estoril, depois Benfica e Lusitano de Évora. Como treinador, tinha sido adjunto de José Maria Pedroto no FC Porto [1966-67], tinha sido treinador principal do FC Porto [1969] e agora estava ali, por obra e graça de Fernando Mendes. A adesão popular a propósito do Eusébio foi inacreditável. Ainda chamava muita gente e era incrível o seu íman. O estádio do União enchia-se, os outros também. Só para o poderem ver. Às vezes, só uma parte. Lembro-me perfeitamente da sua estreia com o Beira-Mar, no 25 de Abril. Houve marcação individual, dura e ele teve de ser substituído com dores. A seguir aos jogos, a tática era sempre a mesma: o Eusébio e eu entrávamos no carro e voltávamos para os nossos lares, em Lisboa. Durante a semana, continuávamos em Lisboa, a fazer os exercícios físicos da moda, e só treinávamos com a equipa na quinta ou sexta-feira. Escusado será dizer que as viagens eram um mimo. Falámos de tudo, recuávamos no tempo para relembrar jogadas gloriosas e avançávamos uns dias para estudar lances de entendimento, sobretudo de bola parada”, prosseguiu Simões.
 
Nessa altura, os dois veteranos jogavam no meio-campo e deixavam “as cavalgadas pelo campo fora para outros artistas”. “Por isso, cada livre tinha de ser devidamente aproveitado para rentabilizar o pontapé do Eusébio. E que pontapé. Ainda, e sempre. Aliás, o último jogo em Portugal com golos do Eusébio foi num dia memorável, porque deitei-me as cinco e tal da manhã. Como já estava a fazer carreira política na Assembleia da República como independente pelo CDS, vim a correr desde Lisboa para chegar a tempo do jogo com o Cartaxo. O estádio estava cheio outra vez [12 de fevereiro de 1978], e só consegui jogar a primeira parte. Saí esgotado, havia 1-0. Acabou 2-0, com dois golos de Eusébio, ambos de livre direto. Do segundo, nem tenho memórias; do primeiro, está bem presente. E é só mais uma prova do seu inegável valor intemporal, desde os tempos do Benfica”, recordou.
 
No livro de memórias, Simões contou ainda como tomava as decisões com Eusébio antes de cada livre, nomeadamente nesse que abriu o ativo diante do Cartaxo: “A bola parada, eu encostado a ela e o Eusébio a estudar a barreira. Vezes sem conta, ele ou dizia-me para dar um toque, e assim desguarnecer a barreira para lhe garantir um buraco na agulha, ou dizia-me para só simular. Dessa vez, foi a segunda opção. Disse-me: ‘Deixa ver a bareira [sem um ‘r’, era assim que ele dizia]”, e depois ‘deixa estar, não toques na bola, vai ser golo’. E foi. Ele era assim. Acreditem ou não, o Eusébio metia na cabeça que era golo e, logo a seguir, saía a festejar que nem um menino. Assim aconteceu nessa tarde em que nos mantivemos na luta pela subida.”
 
 
Eusébio acabou por regressar aos Estados Unidos quando ainda faltavam cinco jornadas para o fim do campeonato “e a esperança pela subida direta era pouco mais que uma miragem”. Mérito para um Beira-Mar que “estava francamente melhor, mais à frente da concorrência”. Havia ainda a “ténue esperança” de chegar ao segundo lugar, de acesso a uma liguilha com os outros dois segundos classificados, da Zona Norte e da Zona Sul, mas “o brinde saiu ao Académico de Viseu”, que acabou por subir à I Divisão.


 



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