Uma mão cheia de belgas jogou pelo Benfica antes de Vertonghen |
É curta, relativamente recente e
até um pouco irónica a história das passagens de futebolistas belgas pelo Benfica.
Isto porque iniciou a meio da década de 1990, resume-se a uma mão cheia de jogadores até à
chegada de Jan Vertonghen e tem a particularidade de não ter coroado como campeões
nacionais os dois atletas que mais saudades deixaram aos benfiquistas.
Tudo começou no verão de 1994. O Benfica
era campeão, procurava um guarda-redes que garantisse mais segurança do que o
habitual titular na altura, o internacional português Neno.
Preud'homme |
Depois de ter sido eleito o
melhor guarda-redes do Mundial dos Estados Unidos, Michel Preud’homme decidiu romper com um passado de quase 20 épocas
no futebol belga, entre Standard Liège e Malines, e emigrar pela primeira vez
na carreira. O Estádio
da Luz foi o destino escolhido do veterano guardião, então com 35 anos, que
haveria de disputar 199 jogos de águia
ao peito.
Com uma Taça das Taças e uma
Supertaça Europeia no palmarés, comprometeu-se com as águias
ainda antes do Campeonato do Mundo. E apesar da distinção que recebeu no
torneio, os mais desconfiados continuavam a falar da idade. “Nem essa eleição
chegou. Os jornalistas e os adeptos olharam para a minha idade e não quiseram
saber de mais nada. Todos diziam: o gajo era bom, mas está velho. Só vinha para
o Benfica
preparar a reforma. Acho que em cinco temporadas provei precisamente o oposto.
Deixei de jogar aos 40 e por mim continuava mais uns anitos”, contou, anos mais
tarde, em entrevista ao Maisfutebol.
Ainda assim, a prioridade do
belga não era o Benfica.
“O que eu mais queria era Itália, porque sabia que lá era muito apreciado,
tinha AC
Milan, Torino e Brescia a seguirem-me. Era o campeonato mais bonito do
mundo na altura e era perfeito para um guarda-redes com a minha idade. Havia
outros clubes interessados, como o FC
Porto, o Nottingham Forest e o Bordéus. Mas o problema era sempre o mesmo:
o número de estrangeiros. Foi então que surgiu o Benfica,
com Artur Jorge como novo treinador, que disse: 'Os outros treinadores preferem
contratar avançados, eu, primeiro, quero ter um bom guarda-redes'”, revelou.
Embora se tenha tornado um ídolo
para os adeptos, Preud’homme não conseguiu sagrar-se campeão nacional de águia
ao peito, tendo apenas vencido uma Taça
de Portugal, em 1996.
Após levantar o troféu, o
guardião recebeu um convite aliciante do Real Madrid, mas o Benfica
não o deixou aceitar. “Aos 37, é fabuloso! Tinha mais um ano de contrato com o Benfica,
o Real tinha apalavrado dar-me três. Só que o Benfica
me disse: 'Nesta situação, se não conseguirmos trazer um grande nome, os sócios
matam-nos'. Andaram a tentar o Chilavert, se ele viesse, eu ia para o Real, mas
isso não aconteceu e acabaram por contratar o Bodo Illgner”, contou, numa
entrevista de carreira ao Yahoo.
Preud’homme acabou por ficar na Luz
e não se arrependeu. “A ligação foi-se desenvolvendo e tornou-se muito grande.
Após três anos e meio, findo os quais se colocou a possibilidade de sair, eu
optei por ficar. Tomei, aliás, a decisão de viver aqui, no vosso país. O Benfica
é, sem dúvida, o maior dos três clubes que representei. Tem uma dimensão
impressionante e mexe com as pessoas de uma forma que não acontece na Bélgica.
Merecerá sempre a minha preferência”, frisou.
Em 1999, quando já tinha 40 anos,
pendurou as luvas após a época menos regular que viveu de águia
ao peito, tendo visto Ovchinnikov ameaçar-lhe a titularidade. Com direito a
jogo de despedida, foi ovacionado no momento aquando da substituição e durante
a volta olímpica que ao relvado pelos 80 mil adeptos que encheram o Estádio
da Luz.
Ainda assim, continuou no clube
por mais ano e meio como dirigente, acabando mesmo por ser um dos responsáveis
pela contratação de José
Mourinho. Porém, saiu pouco depois, quando Manuel Vilarinho sucedeu a Vale
e Azevedo como presidente.
Axel Witsel |
Talvez por o legado de Preud’homme
ter sido tão pesado, foi necessário esperar 12 anos para ver novamente um belga
com a camisola dos encarnados.
Desta feita, o médio Axel Witsel,
contratado ao Standard Liège por 9 milhões de euros no verão de 2011.
“As primeiras duas ou três
semanas foram um pouco estranhas. Se toquei duas vezes de seguida na bola já
era muito... A intensidade era muito maior. Antes de receber a bola já tinha de
saber onde jogar. Inicialmente tive de me adaptar a esse nível, mas depois de
três semanas já estava adaptado. Não tive dúvidas, mas tinha saudades de casa.
Não me sentia bem, porque tinha a noção de que não estava a treinar bem o
suficiente. Sou alguém que precisa de ter a bola e atuar como número 10.
Lembro-me de ter dito ao meu pai 'não percebo. Mal consigo ter a bola e
farto-me de correr. Isto não é futebol'. Ele acalmou-me e disse-me 'tem calma
que a tua hora chegará. São apenas três semanas e não tarda estarás adaptado'.
E tinha razão”, contou à plataforma DAZN
em agosto de 2019.
Titular indiscutível no onze de
Jorge Jesus praticamente desde que chegou à Luz,
fez uma grande temporada em 2011-12, tendo disputado 49 jogos e apontado cinco
golos, entre os quais dois
ao FC Twente numa vitória que apurou o Benfica para a fase de grupos da Liga
dos Campeões. Nessa temporada não foi campeão, mas venceu
a Taça da Liga e ajudou as águias
a atingirem os quartos de final da Champions.
A época seguinte também foi
iniciada no Benfica,
mas após três jogos transferiu-se no início de setembro para os russos do Zenit
por 40 milhões de euros – na altura um encaixe recorde para os encarnados
–, apesar do interesse do Real Madrid de José
Mourinho.
“Queria levar o meu jogo para um
nível superior, o Benfica
fez uma oferta e foi o melhor destino para mim. Fui muito bem-recebido por
todos – equipas, funcionários, adeptos… Gostei mesmo da minha passagem por
Portugal. Tenho progredido muito e é graças ao Benfica
que o nome Witsel é conhecido na Europa”, disse em declarações ao site da UEFA,
em novembro de 2016.
Menos boas memórias, mais medalhas…
Carcela |
Em 2015, chegou ao Benfica
um belga… internacional marroquino, Mehdi
Carcela-González, mais conhecido por Carcela. Nascido em Liège, jogou pelas
seleções jovens da Bélgica e até chegou a disputar dois jogos particulares pela
seleção principal, mas em dezembro de 2010 mudou de ideia e decidiu representar
Marrocos, país da mãe – o pai é espanhol. Mas não deixa de ser belga…
Burocracias à parte, o extremo
foi contratado ao Standard Liège por 2,5 milhões de euros, mas nunca se afirmou
de águia
ao peito, tendo disputado 29 jogos (11 a titular) e apontado três golos em
2015-16, temporada em que conquistou o título nacional e a Taça
da Liga, tendo ainda dado um pequeno contributo para a caminhada até aos
quartos de final da Liga
dos Campeões.
Embora pouco utilizado,
valorizou-se, tendo sido vendido ao Granada por quatro milhões de euros no
verão de 2016. “Eu podia jogar [no Benfica].
Quando joguei no Benfica,
fiz parte da equipa que foi campeã. Foi uma grande experiência. Adorei jogar no
Benfica”,
afirmou aos jornalistas portugueses em novembro de 2019, após ter defrontado o Vitória
de Guimarães para a Liga
Europa, ao serviço do Standard Liège.
Alexis Scholl |
Também em 2015, chegou ao Benfica
outro belga, mas que não passou da equipa B: Alexis Scholl.
Lateral esquerdo formado no Anderlecht
e com carimbo das seleções jovens da Bélgica, não foi além de três jogos pelos
bês encarnados
em 2015-16, todos como suplente utilizado. Ainda nessa época esteve cedido ao
Gent, mas não chegou a atuar.
“Aprendi mais no Benfica
do que em todos os anos na Bélgica. O Benfica
oferece uma verdadeira formação, algo que encontras pouco na Bélgica”, afirmou,
aquando do empréstimo.
Na temporada seguinte voltou à Luz,
mas sem somar qualquer minuto, e depois desapareceu do mapa.
Mile Silvar |
Quem não chegou a cruzar-se com
Scholl nos corredores do centro de estágios do Seixal foi o guarda-redes Mile Svilar, filho do antigo guardião
internacional jugoslavo Ratko Svilar, que fez grande parte da carreira na
Bélgica e esteve nas fases finais do Euro 1976 e do Mundial 1982.
Mile assinou pelo Benfica
assim que completou 18 anos, em agosto de 2017, cumprindo as regras da FIFA, e
aproveitou uma fase menos boa de Bruno
Varela para assumir temporariamente a titularidade e bater recordes de precocidade:
guarda-redes mais jovem de sempre a jogar pelo Benfica
(frente ao Olhanense,
aos 18 anos e 48 dias) e a atuar na Liga
dos Campeões (diante do Manchester United, aos 18 anos e 52 dias).
No duelo com os red devils teve culpas no golo que ditou
a derrota das águias
no Estádio
da Luz, ao entrar na baliza com a bola nas mãos, mas mereceu os elogios de José
Mourinho, que na altura treinava a formação de Old Trafford.
“Só um grande guarda-redes é que
sofre este golo. Porque aqueles que não sofrem este golo, não saem da baliza.
Eu costumo dizer que não gosto daqueles que não o fazem. É que a esses eu
costumo dizer que se arriscam a que a trave lhes parta a cabeça. E, a este, a
trave não lhe parte a cabeça de certeza. Porque o miúdo arrisca, arrisca
posicionalmente e tem uma leitura de jogo fantástica. Cometeu um erro de
julgamento no lance do golo — algo que acontece a todos. Mas este miúdo é fera,
vai ser um grande guarda-redes”, afirmou o treinador português.
M. Rashford | 65' | Reveja aqui o 1º golo do Man. United #seguejogo na SPORT TV. Adira já na sua box. pic.twitter.com/NnhAVlJmcb— SPORT TV (@SPORTTVPortugal) October 18, 2017
Entretanto voltou a perder a titularidade
para Bruno
Varela e desde o início da temporada 2018-19 que tem vivido na sombra de
Vlachodimos, tendo atuado sobretudo nos bês encarnados.
Ainda assim soma já 21 jogos e
outros tantos golos sofridos pela equipa principal, tem contrato até junho de
2022 e já é internacional sub-21 pela Bélgica, aos 21 anos. Porém, ainda não
colocou definitivamente de parte a possibilidade de representar a Sérvia.
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