terça-feira, 13 de maio de 2025

O “erro histórico” do Benfica com Deco contado pela “única pessoa” que queria que ele ficasse na Luz

Deco esteve vinculado ao Benfica na época 1997-98
António Simões teve uma carreira e uma vida vasta, mas no livro autobiográfico António Simões – As Minhas Memórias (2024), de Rui Miguel Tovar, dedicou um capítulo à efémera passagem de Deco pelo Benfica.
 
A justificação começa logo no título do próprio capítulo, “erro histórico”, e na citação de Deco em jeito de pós-título que antecede o texto propriamente dito: “O Simões era a única pessoa que queria que eu ficasse no Benfica.”
 
Anderson Luiz de Sousa. É o nome de Deco, um dos maiores erros desportivos do Benfica. Digo-o há anos e anos: o Deco foi um dos maiores erros desportivos do Benfica. No mundo dos ‘ses’, o Deco deixou a sua marca no meu imaginário. E também na dos benfiquistas, todos os benfiquistas”, começou por dizer o lendário extremo esquerdo dos encarnados, que aponta o dedo ao antigo presidente Vale e Azevedo.
 
“Sempre acreditei nele, no seu valor enquanto futebolista, no seu espírito de sacrifício para se mostrar ao mundo e na sua capacidade de evolução para tirar de si o melhor rendimento”, acrescenta o magriço, que recorda que o luso-brasileiro acabou por se sagrar campeão europeu pelo FC Porto em 2003-04 e pelo Barcelona em 2005-06. “Poderia muito bem ter sido em Bola de Ouro em 2004, quando junta as finais da Liga dos Campeões pelo FC Porto e a do Europeu por Portugal, mas foi Shevchenko, quem sacou mais votos, injusto, quanto a mim”, frisou.
 
Simões reforça que Deco foi “um erro histórico” e que “soube-o na hora”. “Doeu-me na hora. Foi-me impossível fazer o que fosse”, insistiu, sentindo-se salvaguardado pelas palavras que o antigo médio dos dragões lhe dedicou na autobiografia chamada O Preço da Glória (2003): “O António Simões, naquela altura, era a única pessoa que me dava valor e que queria que eu ficasse no Benfica. Tinha muito carinho e respeito por ele. E continuo a ter.”
 
Simões diz que está grato ao reconhecimento de Deco e culpa ainda uma dupla que se haveria de tornar poderosa no futebol português: “Às vezes, fazemos as coisas, trabalhamos, envolvemo-nos e dedicamo-nos à causa, mas, de repente, alguém nos tira o tapete e ficamos a olhar para o vazio como quem diz, ‘olha-me esta, hein?!’ Quem não prestou um bom serviço à sociedade benfiquista no caso Deco foi a dupla Luís Filipe Vieira e Jorge Mendes – os dois arranjaram maneira de o desviar para o Salgueiros e, depois, FC Porto.”
 
Deco esteve cedido pelo Benfica ao Alverca
Ainda assim, Simões atribui o mérito à descoberta de Deco a Toni, “quem inicia todo o processo” ao assistir em São Paulo, “in loco, com olhos de ver”, à Copinha, “um torneio de miúdos já lendário pelos anos de vida e pela concentração maciça de talento por metro quadrado de um país que ainda é o recordista de campeonatos do mundo de futebol”.
 
Toni esteve lá em 1997 e topou-o à distância, sempre à frente dos outros”, recordando que Deco brilhou no torneio “com o número 8 do Corinthians Alagoano”, tendo marcado um golo ao Santo André nos quartos de final e feito o cruzamento para o golo inaugural da final, já no prolongamento, antes de ser expulso e de o Lousano Paulista [de Jundiaí] ter empatado e levado a decisão para o desempate por penáltis.
 
Deco é jogador de futuro. Toni toma nota e indica-o, sabedor da sua capacidade de avaliação. Deco é a referência de uma acertada política de contratação de jovens. Tanto eu como o Toni acreditámos sempre no potencial do Deco”, lembra Simões, que diz ter em casa um contrato de quatro anos entre o Deco e o Corinthians Alagoano, assinado no Brasil quando foi lá “de propósito para o efeito, acompanhado pelo Nelo Vingada, então diretor da formação do Benfica”.
 
“E porque é que esse contrato não se fez valer? Simples, porque Graeme Souness e Vale e Azevedo estavam mais preocupados em trazer jogadores ingleses em final de carreira, ainda por cima sem me informar com relativa antecedência do seu interesse, quanto mais da sua aquisição. Como o Deco não dava dinheiro a ganhar às suas partes, tanto Vale e Azevedo como Graeme Souness estiveram a marimbar-se para o assunto”, atacou o magriço.
 
Simões recorda que o contrato previa a aquisição da totalidade do passe de Deco e de 60% do certificado internacional de Caju por 1,4 milhões de dólares. Se o Benfica não pagasse a primeira parcela de 400 mil dólares até à data estipulada, seria “obrigado a pagar a totalidade dos 1,4 milhões de dólares, além de rescindir de imediato o contrato de Deco com a Federação Portuguesa de Futebol e a devolução do jogador ao Corinthians Alagoano”. E havia ainda uma cláusula que falava de que o emblema brasileiro teria direito a 15% do valor da futura venda do jogador.
 
O magriço lembra também que Deco e Caju aterraram discretamente em Lisboa no verão de 1997, passando ao lado dos jornalistas que estavam à espera dos até então mais conceituados Paulo Nunes e Ronaldo. Do aeroporto de Lisboa, a jovem dupla seguiu para o Alverca, onde os esperavam para jogar na equipa satélite do Benfica.
 
Mesmo após o criativo centrocampista ter apontado 13 golos em 33 jogos ao serviço do Alverca em 1997-98, época em que os ribatejanos subiram pela primeira vez à I Liga, os principais responsáveis do Benfica recambiaram Deco para o Salgueiros a custo zero no verão de 1998. E de um “Salgueiros a servir de ponte estratégica” o jogador seguiu para o FC Porto cerca de meio ano depois.
 
 
E já Deco brilhava nas Antas quando, em dezembro de 1999, Simões recebeu um faxe do presidente do Corinthians Alagoano, José Eurico Beltrão, a dar conta do seu descontentamento pela falta de vontade de Vale e Azevedo e [do vice-presidente para a área do futebol] José Capristano “em permanecer com o atleta”; pela redação do contrato de maneira errada, que “não dava nenhuma obrigação ao Benfica em termos de não pagamento das parcelas”; por declarações falsas de Vale e Azevedo de que o clube brasileiro havia solicitado o valor de 650 milhões de escudos; e do não pagamento do débito relacionado “aos atletas Leónidas e Marcus Alemão”.
 
“O caso foi falado, muito falado, mas ninguém do Benfica o resolveu a contento. Por falta de interesse. Da parte do Benfica, digo eu. Havia interesse de outros. Como Luís Filipe Vieira, presidente do Alverca. Como Jorge Mendes, empresário. Os dois uniram-se e o Deco foi para o Salgueiros a servir de ponte estratégica para o FC Porto. O que o Deco conseguiu a partir daí é um hino à categoria superior de um jogador fora-de-série, como o Toni havia prognosticado”, concluiu Simões.
 
 
Em cerca de um ano de vínculo ao Benfica, Deco apenas disputou quatro jogos, todos de caráter particular: 0-0 com o Estrela da Amadora na Reboleira em 15 de agosto de 1997, 3-2 à Naval na Figueira da Foz em 8 outubro de 1997, 8-1 ao Sertanense na Sertã em 1 abril de 1998 e 3-0 ao Alcains em Alcains em 30 de maio de 1998.
 
 
   
 



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