O “erro histórico” do Benfica com Deco contado pela “única pessoa” que queria que ele ficasse na Luz
Deco esteve vinculado ao Benfica na época 1997-98
António Simões teve uma carreira
e uma vida vasta, mas no livro autobiográfico António Simões – As Minhas
Memórias (2024), de Rui Miguel Tovar, dedicou um capítulo à efémera
passagem de Deco
pelo Benfica.
A justificação começa logo no
título do próprio capítulo, “erro histórico”, e na citação de Deco em
jeito de pós-título que antecede o texto propriamente dito: “O Simões era a
única pessoa que queria que eu ficasse no Benfica.” “Anderson Luiz de
Sousa. É o nome de Deco, um dos
maiores erros desportivos do Benfica.
Digo-o há anos e anos: o Deco foi um
dos maiores erros desportivos do Benfica.
No mundo dos ‘ses’, o Deco deixou
a sua marca no meu imaginário. E também na dos benfiquistas, todos os benfiquistas”,
começou por dizer o lendário extremo esquerdo dos encarnados,
que aponta o dedo ao antigo presidente Vale
e Azevedo. “Sempre acreditei nele, no seu
valor enquanto futebolista, no seu espírito de sacrifício para se mostrar ao
mundo e na sua capacidade de evolução para tirar de si o melhor rendimento”,
acrescenta o magriço, que recorda que o luso-brasileiro
acabou por se sagrar campeão europeu pelo FC
Porto em 2003-04 e pelo Barcelona
em 2005-06. “Poderia muito bem ter sido em Bola de Ouro em 2004, quando
junta as finais da Liga
dos Campeões pelo FC
Porto e a do Europeu
por Portugal,
mas foi Shevchenko, quem sacou mais votos, injusto, quanto a mim”, frisou. Simões reforça que Deco foi “um
erro histórico” e que “soube-o na hora”. “Doeu-me na hora. Foi-me impossível
fazer o que fosse”, insistiu, sentindo-se salvaguardado pelas palavras que o
antigo médio dos dragões
lhe dedicou na autobiografia chamada O Preço da Glória (2003): “O
António Simões, naquela altura, era a única pessoa que me dava valor e que
queria que eu ficasse no Benfica.
Tinha muito carinho e respeito por ele. E continuo a ter.” Simões diz que está grato ao
reconhecimento de Deco e culpa
ainda uma dupla que se haveria de tornar poderosa no futebol português: “Às
vezes, fazemos as coisas, trabalhamos, envolvemo-nos e dedicamo-nos à causa,
mas, de repente, alguém nos tira o tapete e ficamos a olhar para o vazio como
quem diz, ‘olha-me esta, hein?!’ Quem não prestou um bom serviço à sociedade
benfiquista no caso Deco foi a
dupla Luís
Filipe Vieira e Jorge Mendes – os dois arranjaram maneira de o desviar para
o Salgueiros
e, depois, FC
Porto.”
Deco esteve cedido pelo Benfica ao Alverca
Ainda assim, Simões atribui o
mérito à descoberta de Deco a Toni,
“quem inicia todo o processo” ao assistir em São Paulo, “in loco, com
olhos de ver”, à Copinha, “um torneio de miúdos já lendário pelos anos de vida
e pela concentração maciça de talento por metro quadrado de um país que ainda é
o recordista de campeonatos do mundo de futebol”.
“Toni
esteve lá em 1997 e topou-o à distância, sempre à frente dos outros”, recordando
que Deco
brilhou no torneio “com o número 8 do Corinthians Alagoano”, tendo marcado um golo
ao Santo
André nos quartos de final e feito o cruzamento para o golo inaugural da
final, já no prolongamento, antes de ser expulso e de o Lousano Paulista [de
Jundiaí] ter empatado e levado a decisão para o desempate por penáltis. “Deco é
jogador de futuro. Toni
toma nota e indica-o, sabedor da sua capacidade de avaliação. Deco é a
referência de uma acertada política de contratação de jovens. Tanto eu como o Toni
acreditámos sempre no potencial do Deco”,
lembra Simões, que diz ter em casa um contrato de quatro anos entre o Deco e o
Corinthians Alagoano, assinado no Brasil quando foi lá “de propósito para o
efeito, acompanhado pelo Nelo
Vingada, então diretor da formação do Benfica”. “E porque é que esse contrato não
se fez valer? Simples, porque Graeme
Souness e Vale
e Azevedo estavam mais preocupados em trazer jogadores ingleses em final de
carreira, ainda por cima sem me informar com relativa antecedência do seu
interesse, quanto mais da sua aquisição. Como o Deco não
dava dinheiro a ganhar às suas partes, tanto Vale
e Azevedo como Graeme
Souness estiveram a marimbar-se para o assunto”, atacou o magriço. Simões recorda que o contrato
previa a aquisição da totalidade do passe de Deco e de
60% do certificado internacional de Caju por 1,4 milhões de dólares. Se o Benfica
não pagasse a primeira parcela de 400 mil dólares até à data estipulada, seria
“obrigado a pagar a totalidade dos 1,4 milhões de dólares, além de rescindir de
imediato o contrato de Deco com a
Federação Portuguesa de Futebol e a devolução do jogador ao Corinthians
Alagoano”. E havia ainda uma cláusula que falava de que o emblema brasileiro
teria direito a 15% do valor da futura venda do jogador. O magriço lembra também que Deco e Caju
aterraram discretamente em Lisboa no verão de 1997, passando ao lado dos
jornalistas que estavam à espera dos até então mais conceituados Paulo
Nunes e Ronaldo. Do aeroporto de Lisboa, a jovem dupla seguiu para o Alverca,
onde os esperavam para jogar na equipa satélite do Benfica. Mesmo após o criativo
centrocampista ter apontado 13 golos em 33 jogos ao serviço do Alverca
em 1997-98, época em que os ribatejanos
subiram pela primeira vez à I
Liga, os principais responsáveis do Benfica
recambiaram Deco
para o Salgueiros
a custo zero no verão de 1998. E de um “Salgueiros
a servir de ponte estratégica” o jogador seguiu para o FC
Porto cerca de meio ano depois.
E já Deco
brilhava nas Antas quando, em dezembro de 1999, Simões recebeu um faxe do
presidente do Corinthians Alagoano, José Eurico Beltrão, a dar conta do seu
descontentamento pela falta de vontade de Vale
e Azevedo e [do vice-presidente para a área do futebol] José Capristano “em
permanecer com o atleta”; pela redação do contrato de maneira errada, que “não
dava nenhuma obrigação ao Benfica
em termos de não pagamento das parcelas”; por declarações falsas de Vale
e Azevedo de que o clube brasileiro havia solicitado o valor de 650 milhões
de escudos; e do não pagamento do débito relacionado “aos atletas Leónidas e
Marcus Alemão”. “O caso foi falado, muito falado,
mas ninguém do Benfica
o resolveu a contento. Por falta de interesse. Da parte do Benfica,
digo eu. Havia interesse de outros. Como Luís
Filipe Vieira, presidente do Alverca.
Como Jorge Mendes, empresário. Os dois uniram-se e o Deco foi
para o Salgueiros
a servir de ponte estratégica para o FC
Porto. O que o Deco
conseguiu a partir daí é um hino à categoria superior de um jogador
fora-de-série, como o Toni
havia prognosticado”, concluiu Simões.
Em cerca de um ano de vínculo ao Benfica,
Deco
apenas disputou quatro jogos, todos de caráter particular: 0-0 com o Estrela
da Amadora na Reboleira em 15 de agosto de 1997, 3-2 à Naval na Figueira da
Foz em 8 outubro de 1997, 8-1 ao Sertanense
na Sertã em 1 abril de 1998 e 3-0 ao Alcains
em Alcains em 30 de maio de 1998.
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