sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A liga portuguesa e a prova de que o futebol não é uma ciência exata

Adeptos do Portimonense inconformados com 15.º lugar na I Liga
Nesta época é o Portimonense a sentir bastantes dificuldades para sair dos últimos lugares da tabela classificativa, nas últimas foram Desp. Chaves, Estoril e Arouca a descer de divisão. Na I liga portuguesa os clubes mais pequenos não conseguem oferecer competitividade aos ditos grandes, mas há sensação de que do primeiro terço da classificação para baixo tudo pode acontecer.

Por muito que uma equipa que historicamente lute apenas pela permanência apresente um investimento mais alto do que a concorrência ou um plantel com qualidade acima da média, o que se tem visto é que ninguém está a salvo.

Quando esta temporada começou, o Portimonense parecia reunir todos os ingredientes para fazer um campeonato muito tranquilo e talvez até aspirar a algo mais. Afinal, vinha de duas épocas estáveis na I Liga, tinha encaixado vários milhões de euros com as vendas de Lumor, Nakajima e Wilson Manafá, manteve o treinador António Folha jogadores de reconhecido valor como o guarda-redes Ricardo Ferreira, os centrais Jadson e Lucas Possignolo, os médios Pedro Sá, Dener, Lucas Fernandes e até dada altura Paulinho e os atacantes Tabata, Aylton Boa Morte e Jackson Martínez. Além disso, reforçou-se com o lateral internacional japonês Anzai, o médio internacional equatoriano Cevallos e o extremo internacional colombiano Marlos Moreno (emprestado pelo Manchester City).

Estabilidade no plantel e na equipa técnica, cofres recheados e um plantel de qualidade. Quantas equipas, na I Liga, têm este tipo de argumentos? Muito poucas. Mas o futebol não é uma ciência exata e por isso os algarvios estão prestes a dobrar o campeonato em zona de despromoção, atrás dos recém-promovidos Paços de Ferreira e Famalicão, de um Belenenses SAD sem campo próprio nem adeptos, de um Gil Vicente que saltou diretamente do Campeonato de Portugal ou dos tradicionalmente sempre muito aflitos Vitória de Setúbal e Tondela, entre outros.

Porém, este Portimonense não é um caso virgem de uma equipa repleta de argumentos que não consegue traduzir em pontos o valor do plantel. Recentemente, o Desp. Chaves também parecia ter voltado à I Liga para ficar depois de quase duas décadas de ausência, mas na época passada acabou por ser despromovido um ano depois de ter concluído o campeonato em 6.º lugar. Não foi certamente por Lionn (Famalicão) ou Djavan (Moreirense), que nesta temporada continuam a competir na I Liga, ou por Paulinho (AEK Atenas), William (Al-Faisaly), Luís Martins (Sporting Kansas City) e Maras (Almería), jogadores de qualidade que prosseguiram as respetivas carreiras no estrangeiro, ou até de Perdigão (Boavista), Stephen Eustáquio (Cruz Azul) e Marcão (Galatasaray), transferidos a meio da época da descida já quando a equipa atravessava dificuldades. E no início dessa campanha de má memória, o treinador era Daniel Ramos, que tinha mostrado qualidade nas duas épocas anteriores à frente do Marítimo.

Em 2017-18, foi a vez de um Estoril recheado de talentos e em grande parte da época com um dos atuais treinadores da moda no banco, Ivo Vieira, a descer surpreendentemente de divisão – e logo como último classificado. A qualidade do plantel e do técnico, ainda assim, ficaram reforçadas quando na época seguinte os futebolistas Renan Ribeiro (Sporting), Dankler e Mano (ambos Vitória de Setúbal), Halliche (Moreirense), Ailton e Eduardo (ambos Sp. Braga), Pêpê (Vitória de Guimarães), André Claro e Matheus Índio (ambos Boavista) e Bruno Gomes (Desp. Aves) continuaram na I Liga e Matheus Sávio (Flamengo), Lucas Evangelista (Nantes) e Allano (Bursaspor) rumaram a clubes estrangeiros com alguma importância. Isto depois de cinco temporadas em que a tranquilidade foi uma constante: a pior classificação foi o 12.º lugar em 2014-15 e a pior pontuação 38 pontos em 2016-17.

E se recuarmos mais uma época, reparamos que em 2016-17 o Arouca foi despromovido depois de ter obtido o quinto lugar e consequente qualificação europeia na temporada anterior. Apesar de terem mantido o treinador Lito Vidigal durante boa parte da época, de o plantel não ter sofrido alterações profundas e da réplica dada diante do Olympiacos no playoff da Liga Europa, os beirões não evitaram duas descidas de divisão consecutivas. Atualmente competem no Campeonato de Portugal.

Nesta I Liga em que ninguém está a salvo, o Portimonense ainda vai a bem a tempo de evitar a despromoção nesta temporada, mas a volatilidade do campeonato português deverá deixar outros emblemas sob aviso além dos tradicionalmente aflitos Vitória de Setúbal e Tondela. O Marítimo, interruptamente primodivisionário desde 1985, não deverá confiar demasiado na história, porque nada disso valeu ao Vitória de Guimarães em 2005-06. O Famalicão, mesmo que até segure o terceiro lugar até ao fim, terá de olhar para o que esteve prestes a acontecer ao Paços de Ferreira em 2013-14, um ano depois de os pacenses terem concluído o campeonato no último degrau do pódio.
                                                                                                                                       



















3 comentários:

  1. Aconteceu o que aconteceu ao Estoril: um clube quando se vende deixa de haver confiança dentro da equipa, simples....

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    1. Permita-me discordar. Em primeiro lugar pelo exemplo inglês, em que praticamente todos os clubes são geridos por grupos privados.

      Depois porque a presença da Traffic no Estoril fez muito mais bem do que mal. Hoje é um clube com melhores infraestruturas e uma estrutura maior, fez campeonatos bastante tranquilos e conseguiu projetar e/ou vender alguns jogadores, nomeadamente Steven Vitória, Jefferson, Gonçalo Santos, Carlos Eduardo, Evandro, João Pedro Galvão, Licá, Luís Leal e Bonatini, só para citar alguns.

      E mesmo quando desceu à II Liga, a Traffic continuou a investir na equipa.

      Recordo que antes da chegada da Traffic o Estoril andava pelas divisões inferiores e era notícia pelos salários em atraso. Recordo que em 2006 apresentaram um onze com dois guarda-redes como jogadores de campo porque alguns jogadores estavam em greve e chegou a ponderar acabar com o futebol profissional.

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    2. É uma opinião perfeitamente válida, só não vejo em que discorda do que escrevi. Pensei que fosse óbvio que me referia ao impacto negative num grupo de trabalho uma situação tão "estranha", chamemos-lhe assim. Obviamente que com outro grupo renovado e com infraestrutura podem recuperar. Agora o impacto no grupo que essa jogada teve parece-me bem óbvio e irrefutável… Quando se "trava" um grupo que vai embalado o embalo não se recupera, simples....

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