quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A minha primeira memória de… um jogo entre FC Porto e Manchester United

Nuno Valente em disputa de bola com Cristiano Ronaldo
Ainda não era nascido quando FC Porto e Manchester United se defrontaram na 2.ª eliminatória da Taça das Taças em 1977-78 e ainda não ligava a futebol aquando do duplo confronto entre as duas equipas nos quartos de final da Liga dos Campeões em 1996-97. Mas lembro-me bem dos dois jogos entre dragões e red devils nos oitavos de final da Champions em 2003-04. Ainda assim, é uma memória antiga o suficiente para remontar aos tempos em que em Portugal o clube inglês era simplesmente chamado de Manchester – ignorando a existência de um emblema, na altura de muito menor importância, na mesma cidade.
 
Embora o nome Manchester United impusesse sempre algum respeito, lembro-me de, na altura, não considerar a eliminatória uma missão impossível para o conjunto então orientado por José Mourinho.
 
Em primeiro lugar, porque esse United estava uns furos abaixo não só dos concorrentes diretos em Inglaterra, Arsenal e Chelsea, como das equipas de topo da Europa, nomeadamente Real Madrid e AC Milan. Era um United que tinha Tim Howard, Phil Neville, Wes Brown, Nicky Butt, Quinton Fortune, Louis Saha, John O’Shea, um Roy Keane a dar as últimas e um Cristiano Ronaldo que ainda era uma figura secundária na equipa.
 
Depois, o FC Porto de Mourinho tinha uma aura especial. Era uma equipa destemida, implacável com os rivais internos e que no ano anterior havia mostrado capacidade para vencer nos terrenos de Marselha ou Panathinaikos ou de golear a Lazio em casa.
 



A receção aos red devils, a 25 de fevereiro de 2004, foi o primeiro jogo internacional do Estádio do Dragão, e culminou na vitória portista por 2-1. Curiosamente, os três golos do encontro foram apontados por sul-africanos. Depois de Fortune ter dado vantagem aos ingleses aos 14 minutos, o compatriota Benni McCarthy bisou para os azuis e brancos (29’ e 78’). Nota ainda para o cartão vermelho direto exibido a Roy Keane devido a um pisão em Vítor Baía (87’).
 
“Não deve haver sentido de humor britânico que chegue para Sir Alex Ferguson conseguir rir-se do jogo de ontem. O Manchester saiu chamuscado das Antas e o treinador do campeão inglês ficou a saber que em Portugal não se compram títulos no supermercado: ganham-se em campo. A eliminatória não ficou decidida ontem, mas o FC Porto parte para o jogo da segunda mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões com o Manchester United em vantagem. Ora, conseguir chegar a Inglaterra em vantagem, depois de ter estado a perder na estreia do Dragão na liga milionária, não deveria deixar um travo tão acentuado a pouco, mas a verdade é que o domínio que o FC Porto exerceu ao longo de todo o encontro merecia mais”, podia ler-se na edição do dia seguinte do jornal O Jogo.
 
 
 
Duas semanas depois, o FC Porto viajou até ao norte de Inglaterra na tentativa de segurar a vantagem. Apesar das muitas cautelas, o Manchester United mostrou-se incisivo e chegou ao golo aos 32 minutos, por intermédio de Paul Scholes. À beira do intervalo, o médio inglês podia ter bisado, mas o árbitro russo Valentin Ivanov anulou o golo, por fora de jogo (inexistente), por indicação de um dos seus assistentes.
 
Na segunda parte os dragões apertaram o cerco à baliza de Tim Howard e acabaram por chegar à glória já em tempo de compensação, com Costinha a marcar o golo que garantiu a passagem para os quartos de final aos 90 minutos, na recarga a um livre de Deco. A grande imagem de marca dos festejos portistas foi a corrida eufórica de Mourinho junto à linha lateral.
 
“Trágico, ao jeito das tragédias gregas. Alex Ferguson acicatou Old Trafford – o Teatro dos Sonhos - como se fosse um cão contra as ‘mariquices’ do FC Porto e até haverá qualquer coisa de criminoso no incentivo que deu aos maus instintos dos seus adeptos. ‘Pansies, pansies, pansies’ (maricas, maricas, maricas), foi o que tivemos nos ouvidos durante todo o jogo, a cada toque, a cada queda portista no relvado, sem o mínimo critério, fosse a falta genuína ou não. Escrevo ‘tivemos’ porque a nacionalidade dos jornalistas presentes em determinada zona da bancada de Imprensa, fronteiriça com os mastins de Ferguson, formava um alvo perfeito – e por aí se explica que, ao milionésimo ‘pansies’, um segundo depois de Costinha ter desfeito a eliminação do FC Porto, me tenha levantado e tomado a mais criminosa das atitudes: gritei golo várias vezes e fiz uma ridícula cara de mau, a meio metro da fatalidade (estava rigorosamente na fronteira), sob a forma de meia-dúzia de personagens sem pescoço que me queriam ver sem cabeça. Inadmissível, nada profissional, mas revigorante e muito agradável se houver seguranças da UEFA por perto”, escreveu José Manuel Ribeiro na sua crónica no jornal O Jogo.
 
 









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