sábado, 6 de julho de 2019

De Agostinho no Alpe d'Huez à amarela de Acácio da Silva. Os portugueses que venceram etapas no Tour

Joaquim Agostinho na edição da Volta à França de 1969
Mais de três dezenas de ciclistas portugueses pedalaram em território francês (e arredores...) ao longo da história centenária do Tour de France, mas apenas seis conseguiram a proeza de vencer etapas: Joaquim Agostinho, Paulo Ferreira, Acácio da Silva, José Azevedo, Sérgio Paulinho e Rui Costa.


Se Rui Costa (UAE-Emirates) pode reforçar o seu estatuto e igualar as quatro etapas ganhas pelo recordista Joaquim Agostinho, o regressado Nélson Oliveira (Movistar) e o estreante José Gonçalves (Katusha) vão procurar juntar-se a este grupo restrito já a partir de sábado, quando a Volta à França de 2019 arrancar, em Bruxelas, e percorrer as estradas francesas durante três semanas, até 28 de julho.

Portugal esteve pela primeira vez representado em 1956, e logo com um 10.º lugar de Alves Barbosa, mas há três anos que não havia portugueses no Tour. Porém, na memória coletiva perduram feitos como a vitória de Joaquim Agostinho na mítica chegada ao topo do Alpe d'Huez, em 1979, a vitória que valeu a camisola amarela a Acácio da Silva dez anos depois ou os mais recentes três triunfos em etapas de Rui Costa.

Para a história ficam também as surpreendentes vitórias de Paulo Ferreira em 1984 ou de Sérgio Paulinho em 2010 e a contribuição de José Azevedo para três triunfos coletivos no contrarrelógio por equipas. Feitos que vale a pena recordar a poucos dias do início da 106.ª edição da prova velocipédica mais importante do calendário.

Joaquim Agostinho (1969, 1973 e 1979)

Considerado por muitos como o melhor ciclista português de sempre, entrou tarde para a modalidade mas bem a tempo de conhecer a glória nas estradas nacionais e internacionais. Logo na primeira participação na Volta à França, em 1969, venceu duas etapas e terminou em oitavo lugar na classificação geral.

A 3 de julho, na quinta tirada, foi o mais rápido a completar os 194 quilómetros de Nancy a Mulhouse, no nordeste francês, e tornou-se o primeiro português a vencer uma etapa noTour. "Agostinho: Sensacional! Vitória na etapa (primeira de um português na Volta à França). O júri atribuiu-lhe o prémio de combatividade", destacou o DN na capa do dia seguinte, com uma fotografia de Joaquim Agostinho a receber as felicitações de duas raparigas alsacianas.

Joaquim Agostinho recebido em apoteose no aeroporto de Lisboa
Nove dias depois, voltou a brilhar na etapa plana que ligou La Grande-Motte a Revel, no sul do país. "Joaquim Agostinho: um caso falado e discutido em França. O grande solitário venceu de novo isolado. Qualquer cosia de verdadeiramente extraordinário: pouco mais de um ano após o início da sua vida de ciclista, Agostinho foi à Volta à França e concentra sobre si todas as atenções", podia ler-se na capa do DN, a propósito de uma fuga solitária de 74 dos 234,5 km da etapa. "O persistente e valoroso corredor português foi a vedeta do dia, ganhando com 1 minuto e 18 segundos de avanço do mais próximo e a 2 minutos e 14 segundos do pelotão e do camisola amarela", que na altura pertencia a Eddy Merckx.

Agostinho continuou a pedalar a alta velocidade no Tour, tendo terminado sempre entre os 20 primeiros nas suas 13 participações. Porém, a vitória seguinte numa etapa surgiu apenas em 1973, num contrarrelógio individual de 12,4 km em Bordéus. "Joaquim Agostinho demonstrou, no Circuito de Bordéus, o seu incontestável valor ao vencer aquela etapa, no sistema de contrarrelógio, o que permitiu reconquistar o 8.º lugar da classificação geral", destacou o DN na capa, a propósito da segunda das duas etapas na véspera, depois de o belga Wilfried David ter vencido a etapa em linha entre Fleurance e Bordéus.

Foi preciso esperar mais seis anos por uma vitória do ciclista natural de Torres Vedras, mas valeu bem a pena, porque foi numa etapa mítica da prova gaulesa, na chegada ao topo do Alpe d'Huez, onde em 2006 foi inaugurado um busto do corredor português. Agostinho, que nesse ano repetiu o 3.º lugar da classificação geral final do ano anterior, chegou à meta quase dois minutos antes do que o principal perseguidor, o francês Robert Alban. "Agostinho sensacional nos Alpes ganha isolado e sobe ao 5.º lugar", podia ler-se na capa do DN. "Joaquim Agostinho portou-se como um monstro sagrado da Volta à França ao vencer a etapa rainha desta edição do Tour numa demonstração espetacular dos seus excecionais recursos de estradista, que o impõe como uma das primeiras figuras do ciclismo internacional", estava escrito na primeira frase da notícia.

O melhor que Agostinho conseguiu na Volta à França foram dois terceiros lugares, em 1978 e 1979, tendo terminado ainda no top 10 em 1969 (8.º), 1971 (5.º), 1972 (8.º), 1974 (6.º) e 1980 (5.º). O ciclista morreu em 1984 depois de uma queda na Volta ao Algarve.

Paulo Ferreira (1984)

A única participação do ciclista de Vialonga no Tour foi curta mas intensa. Ao serviço do Sporting-Raposeira e com apenas 22 anos, Paulo Ferreira surpreendeu ao vencer a quinta etapa da Volta à França de 1984, a 3 de julho, precisamente 15 anos depois de Joaquim Agostinho se ter tornado o primeiro português a ganhar uma etapa na prova e quase dois meses depois da morte deste. No dia seguinte, teve direito a manchete no DN: "Paulo Ferreira vence etapa na Volta à França, após uma fuga de 200 quilómetros."
Paulo Ferreira com o leão de peluche que recebeu no Tour 

"Paulo Ferreira não conteve a emoção após a vitória em Cergy-Pontoise, mas não se esqueceu do infortunado Joaquim Agostinho, a quem dedicou o êxito", podia ler-se, no rescaldo de uma tirada em que o português cortou a meta com mais de 17 minutos de avanço sobre o grosso do pelotão. Porém, viu-se forçado a desistir da prova após a 17.ª etapa, 13 dias depois.

Quase 30 anos depois, o ciclista recordou a vitória e confessou que, na altura, não teve a noção da importância do que tinha acabado de fazer. "Lembro-me de o Marco Chagas dizer-me que tinha feito história. Só alguns anos depois é que me apercebi da importância desse triunfo. Muitos ciclistas sonham durante a carreira vencer uma etapa no Tour. Apenas alguns o conseguem", afirmou, numa entrevista ao DN.

Acácio da Silva (1987, 1988 e 1989)



Acácio da Silva vestiu a camisola amarela durante quatro dias em 1989

Foi precisamente no país que o acolheu aos 7 anos que Acácio obteve uma proeza inédita para um português: vestir a camisola amarela (durante quatro dias) na Volta à França. Já lá vão 30 anos e ninguém o conseguiu. Logo após ter vencido uma etapa, a primeira dessa edição do Tour, na Cidade do Luxemburgo. "Foi em casa, onde cresci para o ciclismo, na primeira etapa em linha desse ano. Estava motivado. Estávamos três ciclistas na frente à entrada para os últimos três quilómetros: eu, o dinamarquês Søren Tomilho e o francês Roland Le Clerc. Larguei-os numa subida e fui sozinho para a meta. Eles eram muito rápidos e não podia arriscar uma discussão ao sprint. Os emigrantes ficaram muito contentes e ainda hoje falam disso. Foi uma coisa enorme. Afinal, o Tour é a maior corrida do ano e todos os olhos estão virados para lá. Festejei com os amigos, mas não deu para muito, porque no dia seguinte havia etapa", lembrou o transmontano, que em agosto vai estar em Portugal e garante marcar presença na etapa da Volta a Portugal que vai passar na serra do Larouco, perto de Montalegre, onde nasceu.

José Azevedo (2002, 2004 e 2005)

José Azevedo é um caso inédito entre os portugueses na Volta à França, porque venceu três etapas mas todas no contrarrelógio por equipas, ou seja, nenhuma a título individual. A primeira remonta a 2002, quando ajudou a ONCE-Eroski a ser a mais rápida, com 16 minutos de vantagem sobre a U.S. Postal Service de Lance Armstrong. "José Azevedo está entre a elite do ciclismo mundial. A sua formação, a espanhola ONCE, ganhou o contrarrelógio por equipas e comanda individualmente, por Igor Galdeano. Azevedo é oitavo na geral", escreveu o DN no dia seguinte.

Dois anos depois, já ao serviço da U.S. Postal Service e ao lado de Armstrong, chegou à meta com mais de um minuto de vantagem sobre a Phonak, que tinha o segundo melhor tempo, o que soube a... frustração. "A organização criou uma regra em que, independentemente do tempo real, para efeitos de classificação era atribuída uma diferença de 20 segundos entre equipas. Lembro-me de termos entrado na cidade [Arras] com mais de um minuto de avanço para a segunda equipa, estava a chover, e fizemos o último quilómetro a um ritmo tranquilo, já em modo de celebração, porque sabíamos que no final o tempo que nos iria ser atribuído seria 20 segundos", recordou, em conversa com o DN.

José Azevedo numa etapa alpina do Tour de 2004
Em 2005, a equipa mudou de nome para Discovery Channel, mas continuou a reinar no contrarrelógio por equipas novamente com o norte-americano e o português. Desta feita, a vantagem foi de dois segundos sobre a Team CSC. "José Azevedo, beneficiando da performance da Discovery, subiu ao 16.º posto da geral, bem perto (a 1.37 minutos) dos rivais do seu chefe de fila", escreveu o DN no dia a seguir, destacando o contributo dessa vitória para o triunfo final de Armstrong na classificação geral.

"Ganhar uma etapa no Tour é o sonho de qualquer corredor. Foram as três no contrarrelógio por equipas, em etapas importantes. A principal recordação que tenho delas é a satisfação pelas vitórias. São etapas bastante duras, que obrigam a grande esforço. No final, conseguir vencê-las foi uma satisfação enorme. Penso que o sabor é semelhante ao de vencer uma etapa individualmente: é uma vitória numa etapa do Tour e uma ida ao pódio. Tínhamos corredores como Lance Armstrong que lutavam pela vitória na classificação geral e essa situação colocava-nos numa posição privilegiada para alcançarmos o nosso objetivo", contou Joaquim Azevedo, que juntamente com Alves Barbosa e Joaquim Agostinho faz parte do restrito lote de ciclistas portugueses que terminaram entre os dez primeiros da classificação geral do Tour: foi 6.º em 2002 e 5.º em 2004.

Sérgio Paulinho (2010)

Único ciclista medalhado nuns Jogos Olímpicos, ao ser medalha de prata em Atenas 2004, Sérgio Paulinho participou por sete vezes no Tour e também saboreou a glória. Em 2010, ao serviço da Radio Shack, venceu ao sprint uma etapa média de montanha entre Chambéry e Gap, já na zona dos Alpes.

Também destaque na capa do DN no dia a seguir, o ciclista natural de Oeiras confessou que "ganhar uma etapa do Tour é melhor do que a prata olímpica". "O filho do antigo ciclista Jacinto Paulinho aproveitou bem a oportunidade criada pela liberdade dada pela sua equipa, a RadioShack, após o seu líder Lance Armstrong ter 'atirado a toalha ao chão' na luta pela vitória no Tour. Os portugueses raramente têm a liberdade para poderem aproveitar uma oportunidade para chegar à vitória numa etapa. Considerados os melhores 'aguadeiros' do Tour, são escravos das rígidas táticas das equipas que os contratam, construídas em função dos líderes", podia ler-se na crónica da etapa.

Rui Costa (2011 e 2013)

Rui Costa venceu três etapas no Tour e pode somar mais
Rui Costa estreou-se na Volta à França há dez anos e vai marcar presença neste ano pela primeira vez desde 2016, mas neste espaço de tempo já somou três triunfos individuais em etapas, tendo igualado Acácio da Silva e ficado a apenas uma de Joaquim Agostinho.

A primeira vitória remonta a 2011, quando chegou isolado à meta numa etapa de 189 quilómetros entre Aigurande e Super Besse, no centro de França. Igualmente destacado na capa do DN, "Rui Costa (Movistar) fez o sinal da cruz duas vezes antes de festejar a mais importante vitória da sua curta carreira", numa alusão ao facto de ter estado cinco meses suspenso devido a doping.

Dois anos depois, ainda ao serviço da Movistar, venceu duas etapas. Na primeira, entre Vaison-la-Romaine e Gap, onde Sérgio Paulinho tinha brilhado em 2010, arrecadou também o prémio da combatividade, cortando a meta com 42 segundos de avanço sobre o francês Christophe Riblon. "O dia perfeito que terminou com mais uma vitória no Tour. Português da Movistar venceu ontem a 16.ª etapa da prova mais importante do ciclismo mundial, repetindo o feito de há dois anos", escrevia o DN na primeira página. "É uma das maiores vitórias da minha carreira, um dos dias mais felizes. Ganhar aqui no Tour é muito importante. Já esperava há algum tempo voltar a ganhar. Duas vitórias aqui deixam-me muito feliz", afirmou o português, que fugiu ao pelotão antes de entrar tranquilamente na reta da meta.

Três dias depois, novamente numa etapa de montanha, entre Le Bourg-d'Oisans e Le Grand-Bornand, Rui Costa voltou a brilhar, deixando o principal perseguidor, o alemão Andreas Klöden, a 48 segundos. "Duas vitórias num só Tour põem Rui Costa ao nível de Agostinho. O ciclista igualou um recorde de Joaquim Agostinho, a maior glória do ciclismo português. Os especialistas veem em Rui Costa um atleta que deverá, a partir do próximo ano, ter condições para lutar pelos primeiros cinco lugares da prova mais importante da modalidade", podia ler-se na capa do DN. "Foi basicamente a estratégia do outro dia: sabia que tinha de esperar pela última contagem para arrancar", explicou o ciclista, que ainda assim se encontrava a 42 minutos do britânico Chris Froome na classificação geral.







1 comentário:

  1. Apenas um pormenor, Joaquim Agostinho não terminou os 13 Tour em que participou, abandonou em 1981 na 18° etapa !

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