sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Toni Conceição: "Um amigo enviou o meu currículo e fui escolhido para treinar os Camarões"

Toni Conceição é o novo selecionador dos Camarões
Aos 57 anos, a Federação Camaronesa de Futebol proporcionou a Toni Conceição a experiência mais mediática da carreira, a de liderar uma seleção que já teve figuras como Roger Milla ou Samuel Eto'o. O primeiro jogo ao leme dos leões indomáveis é já este sábado, com a Tunísia, mas os principais objetivos passam por ganhar em casa o próximo Campeonato Africano das Nações, em 2021, e estar presente no Campeonato do Mundo do ano seguinte, no Qatar. Esta será a sua primeira passagem por uma seleção, depois de um trajeto profissional que teve na Roménia os seus pontos altos, ao contribuir para a conquista de dois títulos nacionais do Cluj. Em entrevista ao DN, o antigo técnico de Estrela da Amadora, Vitória de Setúbal e Belenenses fala das suas expectativas para a nova aventura.


Já trabalhou na Roménia, na Arábia Saudita e no Chipre, mas não tem experiência no futebol africano. Como surgiu este convite?
Foi através de um amigo meu espanhol, que até nem está ligado ao futebol. Através de pessoas amigas, perguntaram-lhe se conhecia um treinador que estava disponível para a seleção dos Camarões. Ele ligou-me, perguntou-me se estava interessado e enviou o meu currículo para as pessoas ligadas ao processo, que teve este término. Estamos a iniciar este trabalho que não vai ser fácil, porque conhecemos a mentalidade de África e a falta de organização que por vezes há. Vamos sensibilizar as pessoas para acautelar as coisas, porque penso que é tudo uma questão de organização. Em termos de equipa, os Camarões tem bons jogadores, a jogar em bons clubes da Europa e no campeonato interno, e podemos formar uma seleção com qualidade. Vamos trabalhar para formar uma equipa competitiva, à imagem do que foi no passado, pois foi por cinco vezes campeã africana [1984, 1988, 2000, 2002 e 2017] e esteve em sete Campeonatos do Mundo [1982, 1990, 1994, 1998, 2002, 2010 e 2014]. Não estamos a falar de uma seleção qualquer, estamos a falar de uma das melhores de África.

Devido a esse palmarés da seleção camaronesa, este pode considerar-se o ponto alto da sua carreira?
Eu não poria as coisas dessa forma, porque quando assumo um projeto tenho sempre a mesma responsabilidade, entrega ao trabalho e sentido profissional. Mas é evidente que, em termos de exposição pública, diria que a seleção dos Camarões é mais mediática. Nessa perspetiva, é um desafio grande, mas não será o maior desafio da minha carreira, porque falamos de futebol e o futebol é sempre um desafio.

Toni Conceição assinou por dois anos com a Federação Camaronesa
Está familiarizado com o futebol africano?
Nunca trabalhei em África, é verdade, mas conheço os costumes e de certa maneira alguma parte do futebol africano, porque a minha vivência desportiva levou-me várias vezes a visitar o continente africano e a acompanhar alguns torneios de seleções. Conheço também a mentalidade dos africanos porque trabalhei com muitos na minha carreira. Em termos de futebol, sabemos que o futebol africano tem de melhorar o nível da organização e do planeamento, tem de haver mais rigor e planear-se as coisas com antecedência em termos de logística e funcionamento. Não é só chegar aqui, treinarmos e ganharmos. Isso é pouco, porque as condições são diminutas. Temos de ter um grupo muito profissional para termos sucesso. Tenho de consciencializar as pessoas para isso. Vamos ver se consigo, porque mudar mentalidades não é fácil.

Esse trabalho de gabinete também vai ser uma função nova para si, pois nunca tinha sido selecionador. Está preparado para não treinar todos os dias?
Sim, vai ser muito trabalho de gabinete e muitas horas a falar com as pessoas e a programar as coisas com antecedência. Mas deixe-me dizer uma coisa: não tenho experiência ao nível de seleções no futebol sénior, mas passei 12 anos como treinador das seleções jovens da Associação de Futebol de Braga, e esse trabalho foi um pouco paralelo a este, porque passa por planear, organizar, selecionar, treinar e preparar. Isso deu-me experiência e conhecimento do que é necessário fazer quando estou nesta missão. Mas estamos agora numa realidade diferente. A maioria dos jogadores da seleção dos Camarões joga em grandes clubes da Europa, que dão todas as condições para exercerem a função de jogadores, e é isso que queremos implementar na Federação dos Camarões. Para termos resultados, é preciso muita organização e muito planeamento. É uma experiência diferente, mas vai ser muito rica e espero ter sucesso, porque os treinadores precisam dos resultados para serem valorizados. Há muito trabalho que os treinadores fazem que não é valorizado, as pessoas vão julgar-nos é pelos resultados.

Quais vão ser os principais objetivos nesta aventura? O próximo Campeonato Africano das Nações (CAN) joga-se nos Camarões em 2021 e entretanto começa a fase de qualificação para o Mundial 2022...
Em novembro vai começar a fase de qualificação para o CAN 2021 e, embora os Camarões já estejam apurados, vão integrar um dos grupos [Grupo E, com Cabo Verde, Moçambique e Ruanda] só para fazer jogos de qualificação, mas queremos entrar bem nessa fase e formar logo aí uma equipa competitiva para chegarmos à fase final ao nosso melhor nível. Queremos chegar à final e depois ganhar. A fase de qualificação para o Mundial começa em março de 2020 e queremos apurar-nos para a fase final. São esses os dois nossos grandes objetivos que nós temos.

O seu primeiro jogo é já neste sábado, frente à Tunísia, o único dos Camarões nesta data FIFA...
Este jogo já estava marcado antes de eu chegar e é frente a uma boa seleção, que joga bem e tem muitos jogadores no continente europeu. Só foi marcado um jogo devido à incerteza em torno do selecionador. Vamos procurar alargar o lote de convocados a outros jogadores que não tenham vindo tantas vezes à seleção ou até mesmo que nunca tenham vindo, para formarmos um grupo de 30 a 32 elementos para integrarem os trabalhos da seleção no futuro e de onde sairão os 23 para o CAN.
Toni Conceição sagrou-se campeão romeno por duas vezes

Já se poderá esperar a sua impressão digital nessa partida?
Não vai ser fácil, até porque baseei-me na convocatória do CAN 2019 e pedi alguns conselhos aos meus adjuntos camaroneses sobre outros jogadores para fazer a convocatória. É evidente que depois vamos observar jogadores que atuam no continente europeu e chamar outros que não vamos chamar agora.

Como é que classifica esta geração dos Camarões em comparação com as anteriores?
Daquilo que eu conheço, até porque tive a oportunidade de acompanhar o CAN 2019 mesmo antes de receber o convite para ser selecionador dos Camarões, deduzo que há jogadores de grande qualidade, para formar uma seleção competitiva e forte, mas falta uma grande estrela ao nível de um Ronaldo, de um Messi ou de um Eto'o ou do Roger Milla, duas grandes referências da seleção dos Camarões. Temos de colmatar isso com trabalho de equipa. Se tivermos um bom desempenho coletivo e a equipa jogar com um objetivo comum, podemos formar uma boa seleção.

Um dos jogadores camaroneses mais importantes é Vincent Aboubakar, avançado do FC Porto que tem sido afetado pelas lesões nos últimos anos. Como é que está a acompanhar a situação dele?
Vamos indagar. A informação que tenho é que ele se lesionou ao serviço do FC Porto antes do CAN 2019. Daí para cá não tenho mais informações. Pelo que sei, está a trabalhar normalmente. Vamos ter de apurar se o jogador está ou não em condições. Se estiver bem, vai ser convocado.

Um dos problemas com que os Camarões e outras seleções africanas se debatem é a preferência dada por muitos jogadores à seleção francesa em detrimento da do país de origem. Samuel Umtiti e Kylian Mbappé são casos de alguns craques que poderiam ter optado pela seleção camaronesa. Como espera combater isso?
Estamos a fazer um levantamento de jogadores que andam pela Europa, em países como a França ou a Bélgica, que se iniciaram no futebol nesses países mas que tenham nacionalidade camaronesa. Já temos uma lista de jogadores que foram internacionais por países europeus até aos sub-21 mas que não representaram qualquer seleção ao mais alto nível. Pelos regulamentos, penso que esses jogadores podem ser convocados. Vamos analisar as situações e perceber que qualidade é que esses jogadores têm.

Essas grandes figuras dos Camarões que referiu, Roger Milla ou Eto'o, já lhe deram as boas-vindas?
​​​​​​​Por acaso já estive em casa do Roger Milla e tive o prazer de o conhecer. O Eto'o esteve presente na cerimónia da minha apresentação como novo selecionador, é uma espécie de conselheiro da Federação. Desejou-me sorte e alertou-me para situações que é preciso corrigir a nível de organização e de planeamento.
Toni em reunião com os adjuntos e os responsáveis da Federação

Falou também dos seus adjuntos camaroneses. Algum deles é alguma grande figura dos Camarões?
Um é o Jacques Songo'o, antigo guarda-redes do Deportivo da Corunha, e o outro é o François Omam-Biyik, que marcou o golo da vitória sobre a Argentina no jogo de abertura do Mundial 1990. Também levo adjuntos portugueses.

Houve já muitos selecionadores portugueses que passaram por seleções africanas, como Carlos Queiroz na África do Sul, Artur Jorge nos Camarões, Humberto Coelho em Marrocos e na Tunísia, Mariano Barreto no Gana e na Etiópia ou Paulo Duarte na Burkina Faso e no Gabão. Aconselhou-se com algum deles?
Não, por acaso não falei. Mas com certeza que um dia vamos trocar impressões. São homens que têm experiência e que conhecem o futebol africano.

Sente que o trabalho do treinador português é especialmente apreciado em África?
Não só em África como em todo o mundo. Temos treinadores espalhados por todo o mundo. Cada vez mais os treinadores portugueses são procurados, pelas suas capacidades de se adaptar a qualquer situação, e a verdade é que se tem feito uma grande aposta na formação de treinadores.

Já se imaginou a ser o primeiro português a sagrar-se campeão africano?
Não... Eu vou com a intenção de fazer o melhor e o melhor é ganhar e conquistar títulos, o que valorizaria a minha imagem como treinador e treinador português.

Sente que o seu trabalho é mais valorizado no estrangeiro do que em Portugal?
Aquilo que posso dizer é que até aparecer esta possibilidade da seleção dos Camarões tive três abordagens e todas fora de Portugal, em contextos diferentes. Felizmente tenho tido procura para os meus serviços, mas a conclusão que eu tiro é que em Portugal há um conjunto de treinadores para quem as portas estão fechadas, não está fácil trabalhar em Portugal. Mas isso só os responsáveis pelos clubes é que podem dizer. Faço o meu melhor e procuro dar o litro todos os dias, depois logo se vê se o convite aparece.












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