sexta-feira, 26 de julho de 2019

Do veterano que quer ser recordista ao egípcio abandonado que sonha com o Benfica

Gustavo Moreira, egípcio Ahmed Mansour e veterano Carlos
Numa altura em que a Taça da Liga está prestes a arrancar e o Vitória de Guimarães já iniciou a sua participação na Liga Europa, um grupo de cerca de três dezenas de futebolistas profissionais ainda está à procura de clube para a nova época e vai ganhando andamento no Estágio do Jogador, iniciativa do Sindicato dos Jogadores que está a decorrer até 31 de agosto, pela 17.ª ocasião.


Entre veteranos com experiência de I Liga, estrangeiros a dar os primeiros passos no futebol português e jovens jogadores com passagens pelas camadas jovens dos grandes, há futebolistas para todos os gostos e feitos a trabalhar diariamente na Academia do Jogador, nas Colinas do Cruzeiro, em Odivelas.

"A primeira iniciativa ocorreu ainda na presidência do António Carraça, na altura inspirado pelo sindicato francês, que tinha um programa semelhante. Fomos o segundo país. Sendo estes jogadores mais vulneráveis, por um lado damos-lhe uma componente desportiva, para eles estarem fisicamente em condições de rapidamente integrarem uma equipa, mas para o caso de eles não o conseguirem damos também uma componente formativa para capacitá-los para exercerem outra atividade dentro ou fora do futebol. De manhã temos os treinos ou os jogos e à tarde temos a formação, como módulos como scouting, intermediação, integridade ou direito desportivo. Nas últimas 16 edições, já passaram por aqui mais de 900 jogadores e foram contratados mais de 500, com uma taxa de empregabilidade de 59%. É obra. É algo relevante e que nos enche de orgulho", começou por explicar ao DN o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, enquanto decorria um jogo entre a equipa do Sindicato e o Belenenses SAD.

Do estágio à final da Liga Europa

Em mais de década e meia, já houve centenas de casos de sucesso, mas o mais especial foi o do antigo defesa Miguel Garcia, que integrou o estágio no verão de 2010. "Estava lesionado, começou a pré-época no estágio do jogador, deu nas vistas, foi contratado pelo Olhanense no início da temporada, em janeiro foi para o Sp. Braga e em maio foi titular na final da Liga Europa. Foi um percurso de excelência", recordou o líder sindical, orgulhoso do novo espaço da entidade, que foi estreado há cerca de duas semanas mas que só será inaugurado em fevereiro, quando a sede do Sindicato se mudar para lá.
Joaquim Evangelista orgulhoso da criação da Academia do Jogador

Nem todos os que se candidatam são aceites no estágio, porque não há hipótese de trabalhar com todos. "Abrimos as candidaturas através das redes sociais e do site e os jogadores inscrevem-se. Há algumas regras, nomeadamente os jogadores só se poderem inscrever se já tiverem jogado em Portugal. Depois há uma equipa técnica, de que fazem parte o José Carlos e o Rebelo, que fazem uma pré-seleção dos jogadores que têm mais possibilidades de arranjarem emprego por esta via, porque há jogadores que dificilmente terão oportunidades no futebol. É um processo democrático, transparente e inclusivo", explanou Evangelista, que neste ano recebeu mais de 60 candidaturas.

Em 2019, Neca, antigo médio de Belenenses, V. Guimarães e V. Setúbal, foi o escolhido para treinador e poderá seguir o exemplo de alguns dos antecessores. "Sem querer, também já potenciámos vários treinadores, como Emílio Peixe que está nas seleções jovens, Pedro Martins que está no Olympiacos, o Nandinho e o Silas que passados poucos meses foi para o Belenenses", conta o presidente, que salienta as condições profissionais de que os atletas dispõem, "como equipa técnica, massagista e neste ano a unidade de performance".

Ahmed vivia numa mesquita em Leiria

O Sindicato dos Jogadores não se limita a disponibilizar treinos, jogos e formação. Como recorrem ao estágio jogadores oriundos de vários pontos do país, também garante "condições de alojamento".

"Temos um jogador, o Ahmed Mansour, que é um caso simbólico. Esteve no Fátima, esteve lá oito meses, não lhe pagaram, foi acolhido numa mesquita de Leiria, onde vivia quando nos procurou. Fomos buscá-lo e está a treinar connosco. Através de uma ação na Segurança Social, conseguimos organizar a estada. Está às nossas custas, mas é bom jogador e é mais um caso de responsabilidade social de um futebolista egípcio que foi abandonado. Há aqui uma dupla responsabilidade, não só porque é um jogador carenciado mas também porque está nestas circunstâncias especiais", contou Joaquim Evangelista.

Com dificuldades em expressar-se em português, foi em inglês que o jogador de 25 anos explicou o que lhe aconteceu. "Tinha um agente do meu país a incentivar-me para ir para Portugal e assinei um contrato de cinco anos com o Fátima. Eles enviaram-me para o Mirense e fiquei lá durante quatro meses. Quando voltei ao Fátima, disseram-me que eu devia ir embora e não me pagaram o salário. Depois recorri ao Sindicato e agora estou à procura de clube", frisou Ahmed, "muito grato" ao Sindicato.
Ahmed Mansour tem o sonho de jogar no Benfica

O futuro do extremo, que diz que pode jogar à direita e à esquerda, deve passar por Portugal. "Já tive algumas propostas, mas falei com o Sindicato e aconselharam-me a esperar para depois decidir o que fazer. Vou encontrar um clube, não estou preocupado. Eu sei o que valho. Quero encontrar o melhor clube para mim", confessou o futebolista, que tem o sonho de "jogar no Benfica".

Sonhar alto aos 39 anos

Lembra-se do guarda-redes Carlos? Na I Liga defendeu a baliza de Boavista (2004-2005, 2005-2006 e 2007-2008) e Rio Ave (2009-2010), é internacional por Angola e agora, aos 39 anos, espera voltar às ligas profissionais, depois de passagens por Vilafranquense e Limianos no Campeonato de Portugal.

"Se fosse para jogar no Campeonato de Portugal se calhar nesta altura já teria clube, não estaria aqui, mas a minha ambição passa por algo melhor, porque quero bater a marca dos 42 anos do Quim, mas com qualidade, sem me arrastar", vincou o guardião, em referência ao recorde de jogador mais velho nas ligas profissionais, detido pelo antigo guarda-redes de Sp. Braga, Benfica e Desp. Aves: 42 anos, dois meses e um dia.

Carlos garante que hoje é "melhor guarda-redes do que quando jogava no Boavista", porque tira "mais proveito do jogo" e encara os encontros "com mais tranquilidade e serenidade", e recorreu ao estágio a convite do amigo Joaquim Evangelista, para "quebrar a barreira daquele estigma de que o futebol profissional que está lá em cima nunca quer ir para o estágio".

Veterano guarda-redes Carlos em ação
O veterano guardião mostrou estar em boa forma ao defender um penálti no jogo com o Belenenses SAD, que os azuis ganharam por 4-1 na quarta-feira, e quer provar que os jogadores mais velhos podem trazer mais-valias às equipas que representam. "A mentalidade que está incutida nos dirigentes hoje em dia é contratar jogadores novos para poder vender e esquecem-se um bocado dos objetivos do clube, que é a permanência ou ser campeão. Não vou mudar o mundo, mas quero tentar mudar essa mentalidade", defendeu o guarda-redes, que daqui a três anos espera estar licenciado em gestão desportiva.

Do Brasil para os distritais de Évora

Se o mais velho do estágio é Carlos, que completa 40 anos em dezembro, o mais novo também é guarda-redes, tem 19 anos e é brasileiro. Gustavo Moreira chegou há um ano a Portugal através de um "agente amigo", depois de ter passado pela formação de América Mineiro e Goiás.

"Para me habituar, fui para os distritais de Évora, para o Corval. Agora ia para o Bragança, do Campeonato de Portugal, mas já tinham inscrito três guarda-redes e não podiam inscrever um quarto. Tenho equipas da distrital que me querem, mas pode ser que apareça algo melhor", afirmou o benjamim do estágio, que na época passada ajudou o emblema do concelho de Reguengos de Monsaraz a permanecer na Divisão de Elite da AF Évora.

Gustavo Moreira enfrenta atacante do Belenenses SAD
Alvo de brincadeiras por ser o mais novo, porque os companheiros não acreditam que Gustavo só tem 19 anos, diz que está a ser "muito bem" tratado e elogia o estágio. "Estou em casa do meu amigo empresário, que me acolheu como se fosse da família dele. Eu estava a trabalhar no ginásio e ele recomendou que me candidatasse, para manter o ritmo", contou.

Ainda sem propostas concretas, o jovem guardião já se mostrou aos responsáveis do Belenenses SAD, ao defender uma grande penalidade. "Já tinha percebido que ele podia bater cruzado. Segurei ao máximo e quando ele viu que escolhi o canto tentou cavar a bola, mas consegui defender com o pé. Ainda bem que pude defender", frisou, com "vontade de fazer um curso na área do desporto ou de administração".













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