domingo, 15 de setembro de 2019

A mulher que é presidente e quer "recuperar a mística" do Barreirense

Maria João de Figueiredo é a primeira mulher a liderar o clube
Pela primeira vez em 108 anos de uma história rica nos relvados e nos pavilhões, o Barreirense tem uma mulher como presidente. Porque, como diz o lema do clube, há uma esperança que não finda e uma fé que tudo vence, Maria João de Figueiredo, 52 anos, candidatou-se com o intuito de recuperar a mística de um emblema que contabiliza 24 presenças na I Divisão e uma na Taça das Cidades com Feiras de futebol, considerada a antecessora da Taça UEFA, e dois títulos nacionais e seis Taças de Portugal no basquetebol.


Empresária de profissão, nasceu no Estoril. "Mas sou uma mulher do Barreiro", alerta. Aos 3 anos mudou-se para o concelho da margem sul do Tejo com os pais, empreendedores no ramo da restauração. Maria João ajudava-os a fazer as contas para os clientes e assim começou a paixão pelos números.

Depois licenciou-se em Gestão de Empresas e começou a trabalhar na área da contabilidade, tendo posteriormente aberto o seu próprio negócio. Paralelamente, foi estando ligada ao desporto. Durante a adolescência começou a assistir aos jogos de basquetebol no antigo pavilhão do Barreirense. Mais tarde, como mãe, tornou-se "quase uma líder de claque" das equipas dos filhos João e Miguel, hoje com 24 e 30 anos.

O envolvimento valeu-lhe convites para integrar a mesa da assembleia geral e o conselho fiscal, mas neste ano deu um passo em frente. "Partiu de mim, não fui desafiada por ninguém. Considerei que era uma missão que tinha de cumprir agora. Um dia pensei assim: se sou empresária e se gosto de trabalhar com equipas, porque não fazer isto com a equipa certa no Barreirense, com pessoas jovens e outras mais experientes? A minha primeira preocupação foi perceber como os barreirenses iriam encarar a situação pelo facto de eu ser mulher, mas as primeiras pessoas com quem falei reagiram muito bem e penso que ao longo da minha vida dei provas de compromisso e de competência", contou, em conversa numa sala no Campo da Verderena, o recinto que acolhe os jogos das equipas de futebol desde a demolição do velhinho Campo D. Manuel de Mello, no centro da cidade.

Reservas? "Zero. O país está a mudar"

Reservas quanto a ser mulher? "Nada. Zero." "Tenho sentido o carinho das pessoas no Barreiro e fora do Barreiro. Toda a gente me tem dado os parabéns por ter tido esta atitude. É uma questão de mentalidade e o nosso país está a mudar, o mundo é das mulheres", acredita aquela que é desde 30 de julho uma das poucas mulheres a liderar um clube em Portugal, incentivando a que mais se envolvam no movimento associativo: "Falta nós decidirmos e querermos. Temos de ter a atitude de darmos o passo. Para ser presidente, tenho de ter seis anos de sócia. Até tenho muitos mais, mas porque é que não há mais mulheres como sócias? É um dos desafios que vou fazer às mulheres do Barreiro: serem sócias e acompanharem os maridos no futebol. Porque depois, se for à procura de mulheres, muitas delas têm a competência, mas não são sócias."

Maria João é presidente desde 30 de julho
Nem reservas nem dificuldades. "Não lhes chamaria dificuldades. Tenho é de tomar decisões, mas isso é a minha vida." Maria João de Figueiredo conta que este mês tem sido positivo. "Estou a inteirar-me melhor do clube, a conhecer os atletas e os treinadores de todas as modalidades e a levar todas as equipas a conhecer a nossa sala de troféus e a nossa história", conta a presidente, que se ocupa do clube mais em horário pós-laboral.

Subidas e mais campos no horizonte

Os principais projetos de Maria João de Figueiredo passam por "rentabilizar os espaços o melhor possível, recuperar a mística do Barreirense e trazer mais gente para os jogos, envolvendo as modalidades, para não haver pessoas só a ver basquetebol e outras só a ver futebol ou futebol feminino ou futsal, e a forma de comunicar para o exterior, para informar os sócios mais depressa e de diversas maneiras".

Para o futebol sénior, que se prepara para competir pela terceira temporada consecutiva na I Divisão Distrital da Associação de Futebol de Setúbal, a ambição é o regresso ao Campeonato de Portugal. "Tenho noção de que vai ser um campeonato difícil, com adversários difíceis, mas a minha aposta vai ser criar as melhores condições para que a equipa consiga subir de divisão", vincou, confessando que criar uma SAD, seguindo o exemplo dos vizinhos Amora, Olímpico Montijo, Pinhalnovense e Cova da Piedade, "é um assunto sensível".

"É prematuro falar sobre ter ou não ter uma SAD. Estou aberta para ouvir as pessoas e falar, mas não vejo neste momento que seja a prioridade do clube. Vender o clube nunca será a nossa ideia, porque há a tal mística e história barreirense", explica, assumindo que "é provável" que potenciais investidores lhe batam à porta.

Subir, mas à I Liga, também é uma ambição para a equipa feminina, pela qual tem um carinho especial. "Tenho um carinho especial por serem mulheres, mas vou dedicar-me tanto às equipas femininas como às masculinas", realçou, sem intenção de "revolucionar tudo" no que toca a equidade: "Estamos no princípio do futebol feminino. É tudo um processo de maturidade."

Dos relvados aos pavilhões, a equipa de futsal também é para subir, ao contrário da de basquetebol, que nesta época regressou ao patamar maior da modalidade. "Estamos onde devíamos sempre ter estado. Há uns anos decidimos não estar, mas agora fizemos um trabalho para estar. Estamos a formar uma equipa para alcançar o melhor lugar na liga e a aposta é sobretudo na formação, porque temos um histórico e uma cultura muito fortes no Barreiro em torno do basquetebol", salientou, ambiciosa.

Além dos objetivos desportivos, a nova presidente do Futebol Clube Barreirense promete apostar forte no futebol de formação, uma das bandeiras do clube. "No Campo da Verderena costumamos ter duas equipas a treinar em meio campo. Com uma equipa a treinar num lado e outra a treinar noutro, é óbvio que depois os resultados não vão ser tão bons como poderia ser expectável. Queremos criar mais equipas femininas, mas o que nos bloqueia é o espaço", explicou, com o intuito de criar mais infraestruturas, mas cuja localização ainda não pode revelar.

Dinheiro de Cancelo para pagar dívidas

Maria João de Figueiredo quer ver mais mulheres sócias do Barreirense
A recente transferência de João Cancelo da Juventus para o Manchester City por 65 milhões de euros vai dar a ganhar ao Barreirense, onde o jogador se iniciou no futebol, por via do mecanismo de solidariedade e formação de atletas que a FIFA implementou em 2000. O valor que tem vindo a ser falado é de 300 mil euros, mas Maria João de Figueiredo trava euforias. "Anda lá perto, mas não é tanto. Mas o dinheiro não vem todo de uma vez e há regras", frisa. "Temos de saldar algumas das obrigações que temos, essa vai ser uma das nossas prioridades. Esta direção quer assumir os seus compromissos", conclui a empresária.


Curiosidades sobre o Barreirense

No início do século XX, um grupo de aprendizes das oficinas dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste fundaram uma agremiação a que deram o nome de Sport Recreativo Operário Barreirense, que foi crescendo e beneficiando da extinção de outras coletividades para aumentar o número de sócios. No entanto, dificuldades financeiras levaram o clube a proceder a uma profunda reorganização interna e, em assembleia geral realizada a 11 de abril de 1911, foi decidido que tendo como base esse clube nascesse o Foot-Ball Club Barreirense.

Uma aventura europeia e duas vezes finalista do Campeonato de Portugal
Hoje nos campeonatos distritais, o Barreirense já foi um dos clubes mais importantes do futebol nacional. Na década de 1930, foi duas vezes finalista do Campeonato de Portugal, perdendo em 1930 para o Benfica no prolongamento e em 1934 para o Sporting. Na I Divisão também foi presença assídua nos anos 1950, 1960 e 1970, tendo como melhor classificação o quarto lugar obtido em 1969-70, que valeu a qualificação para a Taça das Cidades com Feiras, precursora da antiga Taça UEFA e atualmente Liga Europa, em que defrontou o Dínamo Zagreb: 2-0 no Barreiro, 1-6 na Croácia.


Estádio D. Manuel de Mello como símbolo da mística do clube mas demolido em 2007
Depois de utilizar os campos do Rosário, da Quinta José Alves, do Rossio e do Lumiar, o Barreirense inaugurou em 1952 o Estádio D. Manuel de Mello, palco que se tornou o símbolo da mística do clube durante cinco décadas. Com bancadas bastante próximas do relvado e um peão no lado nascente, acompanhou a equipa de futebol na consolidação como formação de I Divisão. Situado no centro da cidade, recebeu o último jogo a 16 de setembro de 2007, antes de ser demolido. Agora, a casa do futebol do Barreirense é o Campo da Verderena, onde antes funcionavam apenas os escalões de formação.

Histórico do basquetebol português de regresso ao convívio dos grandes
Bicampeão nacional de basquetebol em 1956-57 e 1957-58 e detentor de seis Taças de Portugal (1956-57, 1959-60, 1962-63, 1981-82, 1983-84 e 1984-85), o Barreirense está de regresso à I Liga da modalidade, após ter-se sagrado campeão da ProLiga. Entre 2000 e 2012 participou consecutivamente no primeiro escalão, mas cessou atividade após a última presença, voltando à competição após um ano. Entretanto, outro clube da cidade, o Galitos, ganhou protagonismo no basquetebol, pelo que os dérbis que vão disputar serão dos grandes atrativos da temporada.

Equipa de futsal arrancou na época passada e já somou uma subida de divisão
A secção de futsal do Barreirense apenas foi criada há cerca de um ano, mas garantiu a promoção aos campeonatos nacionais logo na época de estreia. Para tal muito contribuiu uma estrutura que esteve ligada durante várias épocas ao vizinho Fabril, com o treinador Naná à cabeça, mas também vários jogadores que foram finalistas da Taça de Portugal e participaram no primeiro escalão da modalidade em 2017-18. Depois de se sagrarem campeões distritais, os alvirrubros vão competir nesta temporada na Série F da II Divisão Nacional, onde estão precisamente os fabrilistas.




















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