quarta-feira, 19 de junho de 2019

Casa Pia fez a festa. Mas há "1%" de probabilidade não ir à II Liga

Jogadores do Casa Pia festejaram após o visita ao Praiense
"Primeiro é alegria. Segundo é preocupação." É este o significado que o presidente do Casa Pia, Victor Seabra Franco, atribui à promoção à II Liga, assegurada neste domingo nos Açores na segunda mão do playoff com o Praiense, após vitória por 1-0 em casa e derrota por 1-2 fora.

Primeiro vem a alegria porque é um marco na história do clube, que no próximo ano vai chegar ao estatuto de centenário e que tem na participação de 1938-39 na I Divisão o ponto alto da sua existência. E no segundo escalão já não estava desde 1966, quando a II Divisão era composta por duas zonas, Norte e Sul. "Acho que podemos equivaler este feito como um marco na história do clube", frisou o líder casapiano, no cargo desde 2006.


Depois vem a preocupação porque, depois de uma época conturbada, marcada pelos seis pontos retirados pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e entretanto repostos pelo Tribunal Arbitral do Desporto devido ao Caso Rúben Amorim, o presidente só acreditou na subida às ligas profissionais quando a mesma foi garantida. "Contrariamente aos jogadores, que sempre acreditaram, eu só ontem [domingo] depois do jogo é que acreditei. Foi um ano muito conturbado, o que por um lado foi mau mas por outro uniu os jogadores, de tal forma que só depois do jogo com o Praiense é que me pus a pensar no assunto. Jogar na II Liga é mais complicado em termos de exigências, de custos e de organização. É necessário um investimento muito superior. Se os outros andam lá e têm problemas, eu não sou mais inteligente do que os outros. Portanto, temos de analisar e fazer contas para ver como vai ser. Uma coisa é certa: não vou sacrificar o clube a troco de uma permanência na II Liga. Como se costuma dizer, a glória é efémera. Os clubes passam, e nós vamos fazer cem anos em 2020 e queremos chegar aos 200", explicou Victor Seabra Franco ao DN.

"Se se chegar à conclusão de que o dinheiro não chega..."

"Estamos bem a nível de infraestruturas e estabilizados a nível financeiro. Quando cheguei, estava um bocado complicado. Não é a II Liga que vai desestabilizar. Quem pode comer carapau, come carapau. Quem pode comer lagostim, come lagostim. Não se pode é comer lagostim não havendo dinheiro. Não entro em muitas euforias, embora tenha alguma emoção", acrescentou o presidente, que agora vai correr em contrarrelógio para encetar contactos com a Liga e outras entidades para perceber se existe capacidade para fazer face às despesas. A participação na II Liga não é, por isso, um dado adquirido, apesar do otimismo: "Em princípio sim, mas se se chegar à conclusão de que o dinheiro não chega... é 99 por cento sim, um por cento não."
Bandarra marcou os golos da eliminatória diante do Praiense

Nas ligas profissionais, recorde-se, é exigido que cada clube se faça representar desportivamente através de uma SAD ou SDUQ. Victor Seabra Franco revela receber propostas de investidores "há vários anos", mas diz ser "conservador". "Não faltam exemplos de clubes que tiveram investidores e que praticamente desapareceram e que tiveram guerras entres clube e SAD. A primeira pergunta que faço é se querem ficar com o controlo. Aí digo que a conversa acabou. Mais vale termos a nossa casinha e a chave da casa do que uma penthouse mas a casa não ser nossa e só podermos lá entrar quando nos deixam", vincou.

"Fomos bombardeados de todos os lados"

Autor do golo que deu a vitória em Pina Manique e a promoção na Terceira, Miguel Bandarra foi o herói do Casa Pia na eliminatória com o Praiense, sacode o protagonismo. "Foram dois golos de bola parada e não fui eu que as sofri. Só tive o mérito de pôr a bola lá dentro. O mérito também é da equipa. No primeiro jogo marquei de livre direto, no segundo foi de penálti. Tive a sorte de ser o batedor de bolas paradas nesta eliminatória e acabei por fazer dois golos", afirmou o extremo de 23 anos, que chegou ao clube no início da época.

Para trás fica uma época difícil, marcada pelo facto de Rúben Amorim dar indicações no banco quando não tinha o nível exigido para exercer o cargo de treinador principal no Campeonato de Portugal. "Nós não sabíamos qual ia ser a decisão do Conselho de Disciplina da Federação nem do Tribunal Arbitral do Desporto. Andávamos psicologicamente um pouco afetados com a situação, mas demos a volta por cima e acreditámos até ao fim de que nos iriam ser atribuídos os pontos. A verdade acabou por vir ao de cima. Foi um grande trabalho da equipa, fruto da união do grupo. Agarramo-nos uns aos outros para ultrapassar todos os obstáculos", assumiu, com vontade de ser campeão no domingo no Jamor e de jogar nas ligas profissionais.

A mesma visão é partilhada pelo diretor desportivo Carlos Pires, que enalteceu o compromisso e a união do grupo. "Foi uma época complicada, fomos bombardeados de todos os lados. O compromisso do grupo de trabalho foi deixar as burocracias para a direção e fazermos os pontos necessários para sermos apurados. Nunca desistimos. Fizemos 70 pontos dentro de campo que nos valeram o apuramento. Agarramo-nos uns aos outros e não nos deixámos cair", vincou o dirigente, que está de saída do Casa Pia após um trajeto ascendente de 12 anos, dos distritais de Lisboa à promoção à II Liga, naquela que foi a terceira vez que os casapianos disputaram o playoff de subida, depois de 2014-2015 e 2015-2016.

Luís Loureiro assumiu o comando técnico no final de fevereiro

De Rúben Amorim a Luís Loureiro

Na estreia como treinador, o antigo médio benfiquista e internacional português Rúben Amorim começou a época, mas acabou por abandonar o cargo na ressaca no caso que abalou o clube. Filipe Pedro e Gonçalo Monteiro também passaram pelo banco dos gansos, mas foi outro antigo médio internacional português, Luís Loureiro, quem levou a equipa ao concretizar do objetivo.

"Toda a gente sabe o que se passou. Foram muitos jogadores, quatro treinadores e algumas decisões controversas. Foi um desafio que me foi proposto e eu já sabia quais eram as condições. Acabou tudo bem. Os jogadores foram uns guerreiros. Tentámos passar aos jogadores que teríamos de fazer o nosso trabalho, ficar de consciência tranquila e conquistar os pontos suficientes", frisou o antigo jogador de Gil Vicente, Sp. Braga e Sporting, que aponta ao título de campeão e admite que esta promoção lhe vai dar um impulso à carreira de treinador, após várias épocas no Campeonato de Portugal.

"Toda a gente sabe a dificuldade que é subir de divisão no Campeonato de Portugal, com este formato. Não sei se em algum campeonato europeu é tão difícil, tendo em conta o enquadramento das equipas. Para a minha equipa técnica e para os jogadores é muito importante", rematou o técnico de 42 anos, sem desvendar se vai continuar em Pina Manique.

O fundador do desporto em Portugal

O Casa Pia Atlético Clube foi fundado a 3 de julho de 1920, mas diz ter estado na implementação do desporto em Portugal, autointitulando-se de fundador do desporto em Portugal. "Os antigos alunos da Casa Pia de Lisboa tinham uma equipa de futebol, que era a Associação do Bem, e que estiveram na origem da implementação do futebol em Portugal, no final do século XIX. Os casapianos estiveram na fundação do Benfica [nomeadamente Cosme Damião] e um dos primeiros presidentes do Sporting [Daniel Queiroz dos Santos] era casapiano. Primeiro fundaram e estiveram entretidos noutros clubes e só depois é que fundaram o Casa Pia Atlético Clube", recordou Victor Seabra Franco.

Jogo entre Casa Pia e Benfica na I Divisão, em 1938-39
Entre os fundadores do clube, estava o multifacetado Cândido de Oliveira, que foi jogador, treinador, dirigente, árbitro e jornalista, tendo passado pelo DN e fundado A Bola. Considerada uma das figuras mais importantes do futebol português, capitaneou a seleção nacional no primeiro jogo internacional da sua história, frente a Espanha, a 18 de dezembro de 1921. "A primeira seleção nacional equipou de preto por causa do Casa Pia e tinha vários jogadores do Casa Pia", frisa o presidente do emblema de Pina Manique. Além de Cândido de Oliveira, estavam no onze José Gralha, que ainda hoje é o mais novo de sempre a atuar com as quinas ao peito (16 anos, nove meses e cinco dias); Ribeiro dos Reis, outro fundador de A Bola; António Pinho e Augusto Lopes.

Outra figura mítica dos casapianos é o antigo guarda-redes internacional português António Roquete, que esteve nos Jogos Olímpicos de Amesterdão em 1928. Mais recentemente passaram por Pina Manique, por empréstimo do Sporting, jogadores como o guarda-redes Beto e os atacantes Silvestre Varela e Yannick Djaló. Outros, como Calado, Chainho e os irmãos Carlos e Pedro Xavier fizeram lá parte da formação. E ainda há Zeca, que saiu do Casa Pia para o Vitória de Setúbal e entretanto se tornou internacional... grego.

Vilafranquense também sobe

Além do Casa Pia, também o Vilafranquense garantiu a subida à II Liga, naquela que será a segunda presença do clube de Vila Franca de Xira no segundo escalão nacional, embora na primeira, em 1987-1988, a competição envolvia mais clubes e estava distribuída por três zonas.

O conjunto orientado pelo experiente Filipe Moreira precisou de ir ao desempate por penáltis com a U. Leiria para garantir a subida. Na primeira mão tinha-se registado um empate 1-1, o mesmo resultado com que terminou o prolongamento neste domingo em Vila Franca de Xira.

Casa Pia e Vilafranquense vão agora discutir o título de campeão do Campeonato de Portugal, numa final marcada para o próximo domingo no Estádio Nacional, no Jamor.


















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