terça-feira, 15 de janeiro de 2019

"A malta decidiu jogar a final nas Antas." E o Leixões ganhou a Taça ao FC Porto

Equipa do Leixões que venceu a Taça de Portugal em 1960/61
Leixões, FC Porto e Taça de Portugal. Uma combinação que traz à memória a final da Taça de 1960-1961 ganha pelos bebés de Matosinhos aos dragões... em pleno Estádio das Antas. Recordação que certamente nesta terça-feira vai estar bem viva na memória dos adeptos e jogadores do Leixões, o único sobrevivente da II Liga ainda em prova, quando a partir das 19.30 medirem forças com a equipa de Sérgio Conceição. Um dos heróis desse dia 9 de julho de 1961, Jacinto Santos, recordou ao DN essa tarde em que o clube de Matosinhos contrariou o favoritismo dos dragões e ergueu a primeira e única Taça de Portugal conquistada pelo Leixões.


Numa altura em que ainda não existia o palco do encontro desta terça-feira entre os dois clubes, o Estádio do Mar, a Federação Portuguesa de Futebol concedia aos finalistas a possibilidade de jogar noutro estádio que não o Jamor, caso chegassem a acordo. "Havia a opção de as equipas jogarem em Coimbra ou noutro local. Na quinta-feira dessa semana, o diretor desportivo foi à cabina e perguntou aos jogadores onde queriam jogar: Lisboa, Coimbra ou nas Antas. E a malta esteve toda reunida e decidiu: 'Vamos jogar a final nas Antas! É só a dez quilómetros daqui, anda-se menos de autocarro ou de comboio.' A malta é que escolheu jogar lá a final. Isso era de uma equipa que estava com confiança, o que não quer dizer que tenhamos ganho o jogo facilmente, porque o FC Porto era o FC Porto e era muito superior ao Leixões", recordou ao DN o defesa/médio Jacinto Santos, hoje com 77 anos.

Valeu a pena a ousadia de querer jogar na casa do adversário. A formação de Matosinhos marcou dois golos de rajada, aos 68 e 70 minutos, por Silva e Oliveirinha, e conquistou pela primeira e única vez a prova rainha do futebol português. "Foi um jogo disputado. Nós criámos oportunidades e marcámos, eles também criaram oportunidades mas não marcaram e chegámos aos 90 minutos com a vitória no bolso", contou Jacinto, que teve de jogar no centro da defesa devido a problemas de saúde do histórico Raúl Oliveira, recordista de jogos com a camisola do Leixões (414): "Ele era o titular a defesa esquerdo, mas estava com um problema nos pulmões e não pôde jogar. Então entrou o Joaquim Pacheco para defesa esquerdo e eu passei para o centro da defesa para fazer dupla com o Raúl Machado."


A injeção de Osvaldo Silva

O nome de Osvaldo Silva não consta entre os marcadores da final mas foi, de acordo com o antigo companheiro, a figura do jogo, não só pela exibição mas também pelas peripécias pelas quais passou no decorrer do encontro. "O Osvaldo tinha um problema nos rins ou alguma outra coisa, deram-lhe uma injeção ao intervalo, entrou na segunda parte já com o jogo a decorrer há cerca de dez minutos, mas fez 35 minutos excecionais, a segurar a bola, a levar a equipa para o ataque, fez tudo. Realizou um jogo formidável depois daquela injeção. Eram outros tempos", lembrou Jacinto, matosinhense de gema, então com 20 anos.

Ao recital de Osvaldo Silva, que antes tinha passado pelo FC Porto e depois haveria de brilhar no Sporting, seguiu-se a entrega da taça, pela mão do então Presidente da República, o almirante Américo Tomás, que foi propositadamente ao norte para assistir ao encontro. Depois, a loucura no centro de Matosinhos: "Houve uma grande festa. Aquela Rua Brito Capelo e a zona onde é agora a Câmara Municipal estavam o fim do mundo. Estava cheia e chegou uma altura em que fugi, não era muito de festas."

Osvaldo Silva (esq.) foi a grande figura da final das Antas
"Queria dinheiro e não havia"

Em 1961, como referiu Jacinto, "eram outros tempos". Hoje, todas as equipas da I e II Liga e várias do Campeonato de Portugal e dos distritais são profissionais. Mas na altura nem o vencedor da Taça de Portugal e uma das melhores equipas nacionais tinha esse estatuto por inteiro. E o então jovem defesa/médio, que um ano depois se transferiria para o Benfica, era um dos que não tinha contrato. "Quem tinha contrato era só o Raul, o Carlos Alberto, o Silva, o Osvaldo Silva e o Medeiros. Os jogadores da casa não. No final do mês queria dinheiro e não havia, só pagavam aos profissionais", contou o antigo futebolista.

A necessidade de poupar custos naquela época era tal que, mesmo tendo de jogar os quartos-de-final a duas mãos com o União da Madeira, os leixonenses acabaram por disputar os dois encontros no terreno dos madeirenses. "O União Madeira tinha dificuldades financeiras, era para não estar a gastar dinheiro. Ganhámos o primeiro jogo com tranquilidade (3-1) e rodámos a equipa na segunda mão, o que era perigoso pois se corresse mal não podíamos fazer substituições. Mas também ganhámos (3-0)", referiu, sublinhando as eliminações de V. Guimarães e Belenenses aos pés dos bebés de Matosinhos.

Sem saídas, dava para sonhar com o título

O Leixões viveu na década de 1960 o seu período áureo, tendo disputado por três vezes as competições europeias e alcançado em 1962/1963 o quinto lugar na I Divisão, ainda hoje a sua melhor classificação de sempre. No entanto, a equipa vencedora da Taça de Portugal em 1960/1961 acabou desfeita pelos três grandes, que sugaram as principais figuras: o Benfica levou Jacinto Santos e Raúl Machado, o Sporting recrutou Osvaldo Silva e o FC Porto foi buscar Gomes.

Jacinto Santos passou nove épocas no Benfica
Entretanto, novos valores emergiram já no Estádio do Mar, o que faz Jacinto pensar que, se os heróis da Taça tivessem permanecido no clube, daria para sonhar com algo mais. "Disse a muita gente que na altura em que o Leixões ganhou a Taça, se não tivessem saído os jogadores que saíram, e com aquela canalhada que apareceu depois, como o Praia e o Neca, tenho a impressão de que o Leixões era capaz de ganhar um campeonato. O que era preciso era manter os jogadores, mas o Leixões não podia", reconheceu o antigo futebolista, radicado há mais de 50 anos em Antuérpia, na Bélgica, onde trabalhou no ramo automóvel.

Sem crença numa gracinha do Leixões nesta terça-feira, diz que é difícil ver o jogo onde reside, mas prometeu "ver depois o resultado no teletexto". "Não vejo o Leixões, que se farta de andar na II Liga, a ganhar ao FC Porto. Mas às vezes acontece. Em Inglaterra e França aconteceu recentemente equipas grandes serem eliminadas da Taça por outras de segundo plano", lembrou a glória leixonense, que "jogava em qualquer posição: na direita, na esquerda ou ao centro, mais atrás ou mais à frente."

Pai deu nega ao Sporting

Os bons desempenhos no início de carreira ao serviço do Leixões levaram os principais clubes portugueses a interessarem-se por Jacinto. O Benfica apareceu primeiro, mas o Sporting acenou com o dobro do dinheiro. "Já tinha ido a Matosinhos um tipo ligado ao Benfica para falar com o meu pai, porque eu era um miúdo de 20 anos, e desde então andaram atrás de mim. O Sporting também me quis e oferecia-me o dobro, mas o meu pai disse que não. Naquela altura, nos anos 1960, qual era a equipa que podia valorizar um jogador? Só o Benfica, que tinha conquistado a Taça dos Campeões Europeus", recordou o antigo jogador, que conquistou sete campeonatos e quatro Taças de Portugal e disputou a final europeia de 1967/1968 frente ao Manchester United (1-4), em Wembley.

Porém, se a decisão em rumar à Luz foi fácil de tomar, mais difícil foi o processo de desvinculação com o Leixões. "Foi um problema para me deixarem sair, mas consegui ao abrigo da lei militar, pois fui para um quartel em Queluz", desvendou um dos heróis do Leixões que resistem entre nós.


Link original: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-jan-2019/interior/a-malta-decidiu-jogar-a-final-nas-antas-e-o-leixoes-ganhou-a-taca-ao-fc-porto-10436214.html














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